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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 25 de abril de 2024
 

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Mensagem: A menina Élvia De manhãzinha, tomava o meu café com farinha de milho, queijo picado e corria para casa de Élvia. Lá me encontrava com Araci Abreu, Wanda, Heloísa Veloso e outras vizinhas. Élvia morava na rua dos Marimbondos (hoje Cel. Altino de Freitas), uma rua feia, torta, sem calçamento, cheia de botequins e camarotes ocupados por mulheres da vida fácil (que ironia) e que passavam o dia bebendo pinga e se expondo à caça e homens... Para dizer a verdade, era uma rua muito suspeita. A casa de Élvia era simples, como todas daquela época, com assoalho de tábuas largas na sala de visitas, enquanto os quartos e sala de jantar eram entijolados (piso muito usado até os anos vinte), mas era uma casa agradável e aconchegante. Uma grande mesa de madeira escura e pesada, bancos de cada lado e cadeiras em xis, completavam a mobília daquela sala de jantar, onde a família passava o maior tempo. Élvia perdeu a mãe muito cedo, ficando órfã aos oito anos. Seu pai, Joãzinho de Sá França (era o seu apelido), tratou logo de arranjar governantas. Várias passavam pela casa, mas mostravam-se grosseiras e impacientes com as crianças, sendo que a última quebrou uma caçarola na cabeça do caçula, Olímpio. Foi a gota d’água. Joãozinho jurou que nunca mais empregadas entrariam em sua casa e maltratariam seus filhos. Nesta circunstância, Élvia assumiu a direção da casa, cozinhando para o pai e os cinco irmãos: Antônio, Geraldo, Carlos, Chininha e Olímpio. Élvia era muito ocupada com os afazeres quotidianos. Nós a esperávamos pacientemente no quintal brincando de circo, fazendo mágicas ou balançando em trapézios armados nas enormes mangueiras. Na cozinha um fogão de lenha com chapa de fero esperava Élvia todos os dias, para a comida da família. Ela acendia o fogo, jogando querosene sobre a lenha amontoada na enorme boca. Enquanto o mesmo absorvia as labaredas, as panelas pipocavam sobre as chamas, exalando um cheiro de tempero caseiro. Élvia sabia fazer um arroz com carne gostoso, um feijão com caldo grosso e um molho de tomatinho da horta e cebolinha verde, colhidos ali mesmo no quintal, completava o menu da jovem cozinheira. Às dez horas o apito do escaroçador do senhor Lucrécio lembrava à população que era hora do almoço. Imediatamente Joãozinho vinha apressado e faminto, solfejando um dobrado, pois embora fosse comerciante, seu forte era a música e com muito honra pertencia a Euterpe montesclarense. O rango já estava pronto. Algumas vezes dava zebra (a comida saía salgada, sem sal ou se queimava), mas ele era tolerante e compreensivo e nada reclamava nem exigia da pequena cozinheira. Recebia o prato feito por sua filha, assentava-se e saboreava a comida quentinha. Em seguida, dirigia-se à cozinha. O bule esmaltado permanecia na chapa para não esfriar o café. Bebia-o ali mesmo e saía cantarolando o dobrado interrompido. Os irmãos mais velhos e que já trabalhavam no único jornal da cidade, vinham chegando, um a um, e as mesmas cenas se repetiam. Os menores, Chininha e Olímpio, comiam assentados em tamboretinhos, na cozinha e mais cedo. Uma parte da sua tarefa quotidiana estava cumprida. Ajuntavam todos os pratos, talheres e panelas sujas, jogavam tudo numa grande gamela cheia de água e corria para o quintal. Precisava também de brincar um pouco. Descíamos das árvores e acompanhávamos correndo, saltando as moitas de capim e alcançando o fundo do quintal, atravessávamos um portãozinho tosco, saindo na rua dos fundos (hoje Praça de Esportes) bem pior que a dos Marimbondos. Era aí a venda do Joãozinho. Élvia estava eufórica e abrindo uma pequena vitrine em cima do balcão, onde se via doces diversos e pedaços de queijos cortados em triângulos, tirava alguns e nos oferecia. Ele fechava a cara nos passava um rabo de olho daqueles. Nós compreendíamos (que ali não era lugar para nós) e saímos murchinhas... Ajudávamos Élvia a lavar os pratos, panelas, passar a vassoura na cozinha, colocar as vasilhas no girau para secarem ao sol e saíamos apressadamente. Estava na hora da escola. Durante toda a minha infância, freqüentei a casa da Élvia. Com ela aprendi muito. Ela poderá ser um exemplo para todos nós. Dedicada e responsável, sem nenhum egoísmo, portava-se com gente grande. Crescemos juntas na Escola Primária e mais tarde na Escola Normal. Ela na mesma luta, dividida entre os estudos e os problemas de casa. Foi uma heroína. Casou-se, teve filhos e foi feliz. Uma compensação para quem bem merecia. Hoje Élvia, madura, continua com a mesma solicitude para a família e amigos. Não se cansa de ajeita papéis, empréstimos do IPSEMG para os professores, anunciando sempre um aumento, uma vantagem, uma novidade para consolar as aflitas colegas. Que Deus a proteja, minha grande e inesquecível amiga. (N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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