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Mensagem: MEU QUERIDO VOVÔ DONATO Donato Alves Quintino, filho de Olympio Quintino, que quase foi padre, e de uma linda morena de olhos verdes, Carolina Alves Quintino, conhecida por “Calu”, foi criado na Fazenda das Quebradas, a uma légua de Montes Claros. Mudou-se para a cidade e estabeleceu-se no comércio de loterias. Jogou baralho, amigou na zona, bebeu e fumou. Um dia perdeu quase tudo que tinha no jogo. Jacyntha escorraçou a mulher da cidade, negou-se a assinar escrituras aos credores e foi à máquina de costura ajudar a pagar dívidas. Nunca mais jogou esse Donato. Bebida só moderadamente e, de vez em quando, com prazer, um cigarrinho, fazendo biquinho, com os lábios, para expelir a fumaça. Tornou-se pão-duro e, com os lucros da agência lotérica “A Preferida”, construiu prédio no centro da cidade e adquiriu outros imóveis. Tocava violão divinamente, compunha e fazia fundo musical dos filmes do cinema mudo. Vivia cercado de amigos. Até bem pouco antes de morrer, quando o visitava, me oferecia um “drink dreher” numa tacinha, pegava outra na qual eu lhe servia uma dose, pedia que eu lhe lesse a correspondência e as respostas – tornara-me seu secretário – que trazia e, depois, que portasse o pinho e lhe tocasse algumas músicas. Afinava o instrumento como ninguém. Tratávamo-nos por Zeb, apócope de Zebedeu. Foi meu padrinho de batismo, com vó Menininha. Sovina, num aniversário de tio Augusto Getúlio, deu-me uma nota de vinte, novinha. Estranhei, acostumado a ganhá-las apenas em ocasiões especiais e, surpreso, disse-lhe que não era o aniversariante, mas o tio xará. Ele, de imediato: — me devolve o dinheiro, menino! Já começara a sonhar com as balas e os picolés. Odiava futebol. Dizem que tio Carlyle veio estudar em Belo Horizonte e Zeb ligou o rádio e ouviu o locutor gritar: — gol de Carlyle! Mandou buscar o filho de volta, na suposição de que o famoso goleador do Atlético fosse o próprio. Quando inauguraram o Estádio João Rebello, do Ateneu, Zeb compareceu e foi aplaudido, de pé, por mais de cinco mil pessoas. Eu, menino, na arquibancada, senti o maior orgulho em ver como meu avô era querido. Os aficionados pelo esporte bretão devem ter pensado que, a partir daquele momento, Zeb mudaria de opinião. Que nada, essa foi a única vez que ele frequentou um estádio de futebol. Deve ter ido porque haviam dado o nome do estádio a um filho de um de seus maiores amigos, “seu” Jayme Rebello. Contaram-me que, já com as visões obnubiladas pela idade, sentados na porta de “A Preferida”, agência lotérica de Zeb, ele, Zé Luiz Barbosa e “seu” Mundinho Dias, batiam papo. Passaram duas mulheres gostosas e eles começaram a fazer fiu-fiu para elas, exclamando: — que bundas, que coxas, que seios! Eram as filhas de Zeb, Lena e Consuelo. Numa tarde de verão, Zeb estava no quintal, tomando banho de sol e alguém, da rua, quis derrubar um abacate. A pedra atingiu-lhe a cabeça e deu coágulo. Operou em Belo Horizonte. Inventamos que havia recebido sangue de um rapaz de dezoito anos, para animá-lo a recuperar-se. O velho sentiu-se moço e virou onça. Quis, vó Zizinha já falecida, até casar-se com uma empregada novinha que cuidava dele. A moça não aceitou a proposta e casou-se com um PM. Tio Geraldo, solteirão e comedor, apelidado Cabacinha, filho que residia com Zeb, quando ele chegou, restabelecido, dele se aproximou, carinhoso, ainda na rua, pedindo-lhe a benção. Zeb respondeu, nervoso: — que bença qual é o quê, corno! Cabacinha ficara em casa, durante toda sua doença, sozinho, com a moça. Senil ciúme doentio. Alguns dias depois Zeb pediu-me que o levasse a uma visita ao casal. Entrou no casebre, em bairro periférico, estando o soldado a limpar um revólver, e disse nervoso: — pois é, foi casar com soldado, tá morando, dormindo e comendo mal. Se tivesse casado comigo, estaria andando de Ford Galaxie. Corri, temeroso, para perto do marido e convenci-o a relevar o que ouvira, fundamentando minha tese em doutoral palavrório sobre arteriosclerose. Felizmente o homem compreendeu a senilidade de Zeb. Ele censurava meu pai pelo alcoolismo, cujos danos à vida bem conhecia. Quanto eu tinha dez anos, discutimos acaloradamente, porque, um dia, em nossa casa, ausente meu pai, ele o feriu moralmente. Deve ter-se arrependido do que dissera, porque na manhã seguinte apareceu sorridente, puxou conversa e fizemos as pazes. Meu pai, por sua vez, tinha algumas mágoas da família de Zeb que, com o tempo, se dissiparam. Quando nervoso, querendo chamar-nos de ignorantes, externando esses seus sentimentos, esbravejava: — Quintino! Queixava-se de que Zeb não o indenizara por um barracão e muro que fizera num terreno que lhe havia dado para construir casa, logo depois do casamento, e que lhe tomara para que nele residisse tia Babia, separada do marido. Queixava-se também de que ele lhe negara um aval. Hoje, só consigo me lembrar desse meu querido amigo Zeb, grande avô, com um apertozinho no coração, que quase me leva a chorar de tanta saudade. Conheci alguns irmãos e irmãs de Zeb, meus queridos tios Job e Noé, e minhas queridas tias Generosa (Yayá), Bemvida e Flora. Tia Yayá eu dizia que era minha terceira mãe, porque a primeira era Nossa Senhora e a segunda minha mãe mesmo. Ela cercou-me de carinho em minha primeira infância e participou de quase todos os eventos importantes de minha vida, especialmente do primeiro casamento e das formaturas. Tia Bemvida tocava violão muito bem e com ela e tia Yayá aprendi os primeiros acordes de violão. Convivi bastante com meus tios, filhos de Zeb. Eles são sete, pela ordem de nascimento: Geraldo (Cabacinha), Maria José (Babia), Consuelo (Yeyê), Carlyle (Lai), Graice (Dei), Luiz e Margarida (Margô). Deles, atualmente, só estão vivos minha mãe Maria Helena (Nininha ou Lena, com quase 86 anos), Graice (com 80 anos) e Luiz, também com mais de 80 anos, que se tornou fraterno amigo de meu pai e um dos maiores médicos que Montes Claros já conheceu. Devo a ele, pela amizade e carinho dedicados a meus pais, favores que dinheiro nenhum deste mundo pagará. Em todos os momentos aflitivos de nossas vidas ele sempre se fazia presente e uma vez salvou a vida de minha mãe, doando a ela seu precioso sangue, numa complicada cirurgia que quase a levou de nós. Zeb e vó Zizinha (Jacyntha de Quadros Sá Quintino) foram pais extremosos e queridíssimos por todos os netos.
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