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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
 

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Mensagem: ‘Seu’ Mané Alberto Sena Para as crianças, ele era um homenzinho misterioso. Aguçava a nossa curiosidade. Nós o chamávamos de ‘seu’ Mané. Paralítico das pernas e cego, para se locomover, ele usava uma carrocinha puxada às vezes por um carneiro e noutras vezes por dois. A carrocinha era uma miniatura de carro de boi. Ele se sentava nela de um jeito semelhante ao do Maratma Gandhi sentar para conversar, com ambas as pernas de um lado só. Com um bastão, ele dava um toque na madeira, sinal que os carneiros entendiam como sendo a ordem de partida. Os animais sabiam direitinho o caminho. A fama de ‘seu’ Mané cresceu. Quem morou pelos lados da Rua São Francisco, em Montes Claros, acima da linha férrea, deve tê-lo conhecido ou ouvido contar histórias a respeito dele. De fato, ele era ‘homenzinho’ porque miúdo de pernas atrofiadas. ‘Seu’ Mané parecia não se preocupar com nada disso. Era cego, mas podia enxergar mais do que muita gente com luz nos olhos só para espiar e se intrometer na vida dos outros. As crianças ouviam dizer que ele possuía ‘o dom da adivinhação’. Para localizá-lo bem, a casinha dele ficava na Rua São Francisco à esquerda, depois da esquina de Rua Corrêa Machado. Próximo de onde moravam Niro, Xeba, Eustáquio e Jurandir. O lugar era ponto de visitação de pessoas crentes de que aquele homenzinho visto numa carrocinha puxada por um ou dois carneiros, ‘adivinha as coisas’. As pessoas iam a casa dele saber aonde encontrar determinado objeto perdido ou mesmo o que lhe reservava o futuro, mesmo sabendo que ‘o futuro a Deus pertence’. ‘Seu’ Mané pedia com a mão um pouco de paciência, assumia postura de quem estava concentrado no pedido e com os olhos do coração ou com o terceiro olho ou com seja lá o que, ele localizava o objeto perdido e até refazia os moldes do futuro do pobre à sua frente. ‘Seu’ Mané é um dos que ocuparam o baú de relembranças, os que povoaram a nossa infância e exercitaram a nossa perspicácia. A imaginação corria solta como um papagaio aos ventos de agosto, ali na Rua São Francisco. Volta e meia se podia ir a casa dele conversar sobre coisas irrelevantes e saber se ele estava precisando de alguma coisa. Muitas vezes nós ficávamos lá vendo o ‘seu’ Mané, em silêncio, e procurávamos os motivos de ele ser como era, vivendo como vivia ali naquele cubículo onde mal cabia um catre. O ambiente cheirava a lã de carneiros. Quando chegava o tempo de tosquiar os carneiros, ele ganhava alguns trocados extras, pois o homenzinho viva de esmolas. Há quem tem de tudo e se sente infeliz. Acha que é quem mais sofre no mundo. Mas basta dar volta de 360 graus nos calcanhares para encontrar um filho de Deus carente de algo, seja material ou não. Uns têm dinheiro e carecem de saúde. Outros têm saúde, mas não dispõem de dinheiro. Há os que prejudicaram a saúde para ganhar dinheiro e agora gastam o dinheiro para resgatar a saúde. O ‘seu’ Mané era miserável. Morava de favor com os carneiros. Vivia da ajuda. Mas tinha cara boa, tudo para ele estava às mil maravilhas. Um dia alguém furtou a bicicleta do nosso irmão. Mãe lamentou. Sem bicicleta, como haveria de ser? Procuramos e nem sinal dela encontramos. Foi quando mãe se lembrou de ‘seu’ Mané e fomos a casa dele fazer ‘uma consulta’. O homenzinho lamentou o sumiço da bicicleta com o jeitinho característico, manso, de ser. Corria o ano de 1958. Montes Claros nem sonhava ser o que é hoje. Naquela época, quem furtasse uma bicicleta corria permanente risco de um dia dar de cara com o dono numa das ruas estreitas do centro. Todos se conheciam. Chegamos para consultar ‘seu’ Mané e mãe contou-lhe o ocorrido. Ele pediu calma com um gesto de mão. Ficamos em silêncio. Ao lado dele um dos carneiros ruminava capim colonião. ‘Seu’ Mané então quebrou o silencio. Repetiu tudo o que mãe lhe havia contado a respeito do furto da bicicleta. Disse em seguida: _ Estou vendo uma bicicleta, Monark encostada numa parede. Pode ser a bicicleta do seu filho. Está num lugar parecido com uma praça, um lugar que tem grama... Como ele não apontou exatamente o lugar, deu-nos margem para interpretações. Podia ser num campo de futebol. Podia. Procuramos, mas não encontramos nem sinal da bicicleta. Para nós, crianças, ele era um santo vivo. Se ‘seu’ Mané não era santo vivo de direito tinha tudo para sê-lo de fato. Víamos até auréola nele. Era um homenzinho semelhante a uma estrela, dotado de luz própria.

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