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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 19 de dezembro de 2024


Carmen Netto    carmen.netto@gmail.com
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Por Carmen Netto - 5/4/2016 15:38:50
- Montes Claros no Meu Tempo -
O que é que Montes Claros Tinha?
Tinha claros montes
Tinha um céu azul profundo
Tinha o rio vieira a correr
Tinha poeira e boiadas
Tinha o mercado.
Tinha igrejas e sinos
Matriz, Rosário
E no alto dos morrinhos a igrejinha;
Tinha o jardim da Praça da Matriz
Tinha coreto para namorar escondido
Tinha Banda de Musica
Tinha Coroações e Anjos descendo a rua Dr. Veloso
Tinha sobrados atrás da matriz
Tinha assombrações e fantasmas
Tinha o footing na romântica Rua 15
Tinhas as ruas do Marimbondo e Pedregulho
Tinha Alalaô e Geraldo que cantava o Hino nacional
Tinha as Festas de Agosto
Tinha reisados, procissões e festas juninas
Tinha a Praça de Esportes
Tinha o Clube Montes Claros e o dos Bancários
Tinha o Pequi dos Piqueniques
Tinha alpendres e quintais;
Tinha cinemas paradisos,
Tinha tudo!
Tinha ilusão!
Tinha vida!


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Por Carmen Netto - 7/6/2013 18:40:07
Importância das Memórias

O que é Montes Claros para mim? E’ uma coisa antiga que não sei explicar como funciona. Montes Claros, como conhecê-la se não viajarmos pela sua cultura, pessoas, acontecimentos. Os montesclarenses registram sua memória cultural, referências, não permitindo que adormeçam histórias interessantes, bonitas que precisam ser contadas.
A cidade de Montes Claros teve e têm muitos representantes na arte, música, poesia e em todas as áreas do conhecimento humano. Essas lembranças tem um frescor de tempo que passou, de memórias que ficaram. Sabemos, que o passado é a ‘’célula mater’’ de nossa vida.
Ele dá sentido ao presente e ao futuro. Começo uma viagem para fora e para dentro. O coração quer fazer um retrato de cidadãos montesclarenses, homens e mulheres que ajudaram a construir os alicerces da Montes Claros atual no trabalho cotidiano na primeira metade do século XX. Entender uma cidade a partir de seus moradores com os olhos de ontem e de hoje, lembro-me de alguns deles:
‘’Seu’’ Valério do restaurante do mesmo nome, onde a sociedade se reunia para comemorações importantes; no velho Mercado Municipal, os comerciantes Zé Boi, Arthur Amorim, os açougueiros Zé Branco, José Boy, e os moradores do entorno da cidade trazendo hortifrútis. Na Praça de Esportes, Emidio Carvalho, sargento Marino ‘’seu’’ Pimenta e Sabu que ensinou uma cidade a nadar; os ‘’chauffeurs’’ de praça, Mário Alencar, Maroto, Didi; Na estação da Central do Brasil, Geraldo do seletivo que auxiliava a todos nos momentos amargos e inesperados. Não me esqueço da presença diária de Matias Peixoto, nessa estação trazendo as bagagens dos viajantes numa carroça, pois automóveis eram raros, só os mais abonados os possuíam. Todas as diretoras e professoras dos grupos escolares representadas por Alice Aquino Netto fundadora do Instituto Dom Bosco e Lili Madureira professora que num passe de mágica, alfabetizou centenas e centenas de crianças montesclarenses e configuram a riqueza do nosso ensino. Leonel Beirão de Jesus é figura memorável com a inesquecível boneca de Leonel alegrando as ruas e nos momentos de sofrimento administrando a funerária, não deixando nenhum, indigente sem o enterro digno. Vem à minha memória Waldir Durães (Dim) que cantava nos clubes embalando pares que dançavam de rosto colado. Os alfaiates Cecílio Barbosa, Brasiliano Ribeiro Cruz, os irmãos Wilson e Ayres Drumond eram os responsáveis pela elegância masculina; As costureiras Natália Peixoto, Teresa Dias e Nininha Silva, todas grande estilistas, craques das tesouras, criavam modelos para senhoras e moças. As costureiras Deolinda Prates, Maria Helena Vieira, Herclória Versiani, Nely Pimenta se ombreavam com os modelos infantis da casa Valentim no Rio de Janeiro. Jamais esqueceria as pessoas de Irmã Beata – Nossa Teresa de Calcutá,- trazendo ao mundo milhares de crianças, independentes de classe social, com o mesmo carinho e compaixão; De Dona Clotilde Versiani aplicando vacinas, fazendo curativos e amenizando as dores do mundo; De Dr Raul Peres fazendo o exame médico nos colégios para os alunos estarem aptos para as aula de educação física. Lembro-me com saudade dos carteiros Juca Carteiro, Otacílio Gomes de Oliveira e Zeca do Correio, esperados com ansiedade pelas moças que tinham namorados fora e também de Maria Vasconcelos Câmara – Lica - mulher à frente do seu tempo participando ativamente na política local, enquanto suas contemporâneas se resguardavam no recesso do lar. As tradicionais Festas de Agosto sob a batuta de Mestre Zanza – catopés -, Geraldo Paulista – marujos -, e Joaquim Poló – caboclinhos - , guardiões dos festejos de agosto, eram, por nós, esperados com ansiedade. D. Quininha Chaves e D. Zinha Prates, ensinavam as crianças as músicas de coroação de Nossa Senhora. Todas essas personalidades contribuíram com suas atividades na metade do século XX. Tenho certeza de que muitos outros também o fizeram e a eles a gratidão de todos que viveram nessa época. Montes Claros hoje é outra cidade: Centro Educacional de referência Nacional, Moderna, Industrial e polo do Norte de Minas, sem perder a ligação com o passado.


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Por Carmen Netto - 23/1/2013 18:07:38
Procissões religiosas

‘’As procissões possuem um significado profundo para os fieis e simbolizam a caminhada de oração do povo de Deus em comunidade, rumo a casa do Pai.
Levar a imagem dos Santos pelas ruas significa espalhar as bênçãos que a fé proporciona’’!
Assistindo o telejornal de domingo dia 20 de Janeiro, vi encantada a procissão de São Sebastião, padroeiro da cidade maravilhosa.
Como os tempos mudaram! Hoje quase não se vê mais procissões. Passaram os anos, passou a vida.
Como posso viajar no tempo, retorno a Montes Claros, personagem principal de minhas crônicas. Vou tentar encontrar sua face e sua alma. Nas décadas 50/60 eis-me na praça Dr. Chaves, em frente a igreja matriz de São José e Nossa Senhora da Conceição.
O Padre Dudu, enérgico como só ele, inicia a procissão. À frente o senhor Firmino Veloso leva a cruz. Em seguida, a Cruzadinha Eucarística organiza-se. Meninos e adolescentes usando terno branco faziam as alas e eram liderados por Iram Rego e Augusto Vieira Neto - O querido bala doce -. Se não me engano usavam uma faixa amarela de maneira Transversal. Após, vinham as meninas dos Santos Anjos, vestidas de branco usando véus de filó sobre a cabeça. Em seguida as aspirantes a Filhas de Maria usavam a fita verde e depois eram promovidas ao núcleo principal dessa irmandade. Todas de branco usando uma fita azul, lideradas por Dona Inhá e Neusa Dias, Dona Alice do Anjos e Dona Deolinda Prates. O Cortejo aumentava com as Mães Cristãs, vestidas de preto e o véu da mesma cor. Eram lideradas por Dona Zezé Queiroz. Lembro-me também de Dona Nonó Silveira dos Anjos, minha avó Marieta, Dona Chininha Vasconcelos, Dona Zizinha Quadros. Elas se reuniam na esquina do Clube Montes Claros, antes de descer a rua Dr. Veloso em direção a Matriz.
Um cidadão que residia na rua Afonso Pena, assim que elas passavam, dizia para quem quisesse ouvir – ‘’ Lá vão as esposas de Cristo. Quando o mundo não as quer, Deus quer’’.
A irmandade do Sagrado Coração usava fita vermelha. À frente da irmandade um estandarte vermelho com o cromo do sagrado coração.
Em seguida a irmandade de Santa Zita com modesto uniforme: saia de tricoline marrom, blusa do mesmo tecido branca e uma fita marrom. Todas eram empregadas domesticas e Santa Zita era a protetora.
Em toda procissão soltava-se foguetes e a Banda de música alegrava adultos e crianças.
Outras duas importantes procissões, aconteciam: na Semana Santa e no dia de Corpus Cristo. Na sexta feira da paixão, a matraca produziam estalos secos, um som que dava mais tristeza. Era uma procissão silenciosa, quebrada somente pelo canto da verônica cantado por Eny Vieira. Nossa Senhora das Dores precedia o esquife do senhor morto que era levado por homens vestidos de togas brancas amplas e compridas.
Logo após encerrando a procissão a banda de musica tocava a Marcha Fúnebre. Quanta tristeza, mesmo havendo no céu a esplendorosa e prateada, a lua cheia de abril!
No dia de ‘’Corpus Cristo’’ o sino da matriz badalava de alegria. As ruas eram enfeitadas com vasos de folhagens, pétalas de rosas, de angélicas e jasmim. Um cheiro delicioso invadia a cidade. Nas janelas das residências colchas de crochê, de crivo, toalhas bordadas da Ilha da Madeira, costume que a colonização Portuguesa nos deixou.
Meninas vestidas de anjo, o turíbulo de prata contendo incenso levava a fumaça aos céus. Jesus Sacramentado em uma custódia dourada era levado pelo Bispo Diocesano em trajes de gala. O Pálio era carregado pelas principais autoridades da cidade. Menina ainda, eu achava que esse pálio deveria ser carregado por operários, carpinteiros, pedreiros, lavradores, pois se identificavam mais com Cristo Jesus.
A procissão de ‘’Corpus Cristo’’ tinha um percurso menor, percorrendo as ruas centrais e terminando na praça da matriz. Cantava-se o ‘’Tatum Ergo’’ em latim, rezava a oração pelo Brasil e todos recebiam a benção do SS Sacramento.
A Banda de música, patrimônio de toda cidade mineira, tocava marchas e dobrados coroando uma tarde de luz.
Não sei se, ‘’Tudo de bom era no meu tempo’’. Antigos e amáveis tempos que nos ajudam entender e desvendar a Cidade de Montes Claros.
Carmen Netto.


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Por Carmen Netto - 3/3/2012 12:24:58
A MEMÓRIA DOS BORDADOS

Num mundo tecnológico e veloz, bordar é uma verdadeira terapia. Com linhas coloridas, riscos de outras épocas amarelados pelo tempo, as mulheres vão bordando seus sentimentos e emoções. Vão costurando conversas, e entre um café e outro servido com biscoitos mergulham no universo feminino. Nesses encontros a dimensão do tempo é outra, pois bordar é uma tarefa artesanal, Nos dias de hoje, os grupos de bordados, resgatam riscos, e os recuperam em sua beleza.
Freqüento junto com a amiga Cida Maia um grupo de bordado na 1ª Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte. É um encontro agradável, o grupo tem muita disposição e criatividade. Temos também um lanche delicioso e mandamos para as cucuias, a dieta que nunca fazemos. Comentamos, livros, filmes, aulas de computação, exposições atuais, contamos piadas, refletimos sobre a vida. É um grande espelho. A gente se vê na outra mulher.
O bordado está na genealogia do feminino, desde a idade média, e, chegou até nós. Na idade média, as mulheres eram criadas para ficar dentro de casa preservadas, prendadas, presas no ambiente doméstico, muitas vezes usando o cinto de castidade – enquanto os maridos iam para as guerras, as cruzadas. Nessa época, o bordado era uma forma de opressão. Nos dias de hoje resgata o feminino perdido no mundo contemporâneo. Na idade média junto às aias, num salão do castelo, bordavam tapetes gobelins, quadros, tecidos vindo do oriente. Quanto maior a peça, mais a mulher ficava ocupada. Enquanto uma delas lia um romance – aquela que sabia ler – se encantavam com as historias dos cavaleiros errantes. A tarde escoava nos bordados que confeccionavam.
Minas Gerais é um estado diferenciado, tem grande tradição nos bordados, que chegaram através da colonização portuguesa, revistas francesas e belgas. A religiosidade mineira transparecia, nas peças, toalhas, e no enxoval dos padres. As igrejas eram ornamentadas com verdadeiras obras de arte dos bordados, mostrando suas características, históricas, socias e culturais. Em Minas, principalmente a - ‘’Minas Profunda’’- em cidade coloniais, pequenos povoados, as mulheres assentavam nas portas de suas casa e não deixaram a tradição morrer, como em Portugal e Espanha, mantêram viva bordados de outros tempos.
Como toda cidade mineira, Montes Claros tinha e tem excelentes bordadeiras. Na primeira metade do século XX, as mães confeccionavam o enxoval das filhas, com o esmero e o requinte das melhores bordadeiras. Nas velhas máquinas SINGER, faziam virois, lençóis, fronhas com os monogramas entrelaçados, com as letras do noivo, sugerindo que as noivas seriam propriedade dos maridos. A primeira providência, era comprar, um baú para guardar as peças confeccionadas, em meio a bolinhas de naftalina, ou sachês de lavanda. As camisolas, as ‘’liseuses’’ , eram confeccionada no cetim, seda pelo de ovo, ou cambraia. Muitos modelos eram copiados dos filmes românticos de Hollywood, especialmente a camisola do dia...
Quando fiz o ginásio, nas quatro séries, havia a matéria ‘’Trabalhos Manuais’’. Aprendíamos a fazer bainhas, riscar tecidos, prender botão, fazer barra nos vestidos, cerzir e principalmente bordar. Minha mãe bordava matiz muito bem. Aprendeu com Dona Aninha Gomes Leite, esposa do Drº João Gomes Leite. Tenho até hoje um virol matizado com lindas rosas e uma toalha de chá matizada com papoulas em vários tons de vermelho.
Montes Claros sempre teve eximias bordadeiras. Dona Nininha Souto foi uma delas ,fazia todo tipo de bordado: Frivolitê, herança francesa, Ianduti feito com um objeto de osso, parecendo uma baratinha, fazia bordados aplicados à maquina, da maior beleza.
Herclória Versiani e Maria Helena Quintino bordavam os mais lindos vestidos infantis. As Tias do arcebispo emérito Dom Geraldo Magela de Castro, eram requisitadas para fazer os mais lindos enxovais da cidade. Dona Joaquina Couto, Dina Quintino e as três Marias Ana, Iraci e Lili que vieram da Bahia e eram prendadíssimas.
Mulheres anônimas continuam a bordar pois o bordado é universal. Bordados que eternizam momentos felizes ou infelizes, que marcam o tecido com suas alegrias e suas dores.

Crônica baseada nas pesquisas de Maria do Carmo Guimarães Pereira e da psicóloga Marisa Sanabria.


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Por Carmen Netto - 16/12/2011 23:42:41
Rua Presidente Vargas Onde Nasci e Vivi


Em dezembro, o clima de natal, realimenta nossas emoções. A Criança que fui um dia, bateu palmas, fui atendê-la. Queria relembrar, onde vivemos, corremos, cantamos que mesmo distante no tempo, faz parte da minha vida. Perguntou-me: Como a rua Pres. Vargas está hoje, o que sente ao revê-la?
Todas as vezes que retorno, aos meus Montes Claros, caminho nas calçadas da minha rua acompanhada das mais singelas lembranças. A minha rua nunca foi bonita. Quando nasci, era calçada com pedras pé-de-moleque, nenhum verde para embelezá-la a não ser as mangueiras de manga comum no quintal da casa onde Dona Afra residiu, e o jardim da residência de Dona Alice dos Anjos, onde vicejava dálias, margarida e roseiras.
Apesar de ser uma rua mais comercial, nos dois quarteirões abaixo do Clube Montes Claros, haviam algumas residências: nossa casa, a dos meus avós, Mundim e Marieta, a do Sr. Lourenço e Dona Angélica Miranda Santos, a de Dona Alice dos Anjos, e a do Sr. Odilon e Dona Geni Amaral – Vindos de Patrocínio-.
Na esquina com a Coronel Prates a casa do Senhor Fontes e Dona Maria pais do levado Breno Afonso.
Caminho tranquilamente nesse pedaço, espaço de minha infância e adolescência. Nesse espaço brincávamos de estátua, anelzinho, boca de forno, maré, roda, pegador, queimada. Por onde andarão, Geni, Célia, e Aristides Amaral, colegas no Instituto Dom Bosco?
Naquelas tardes ensolaradas, o piano de Biela dos Anjos encantava quem passasse na Pres. Vargas. Música também não faltava nas noites de sábado e domingo no elegante Clube Montes Claros.
Atrás do Ginásio Municipal / Colégio Diocesano, ficava a serra dos Montes Claros. Um vento suave vinha da serra e amenizava o calor. Quando menina, havia só duas estações: tempo da seca, tempo das águas. Na seca a serra ficava acinzentada, ocre e dourada ao pôr do sol. Quando as águas chegavam, como um milagre, em poucos dias, o verde esmeralda circundava a cidade.
Na adolescência, o melhor programa, era ficar na janela de minha casa, vendo passar os alunos do Colégio Diocesano, inclusive os internos, na ida e volta das aulas. Minha avó Marieta, sempre me perguntava, porque eu era tão janeleira, e eu respondia: _ gosto de ver a vida acontecer_. Ela me olhava com o olhar irônico, que hoje corresponde a expressão em uso. _’’Me engana que eu gosto!’’_
Na rua Pres. Vargas tinha gente o dia todo. Barulho bonito dos carros-de-boi , poucos automóveis, vendedores de roletes de cana, amoladores de facas e tesouras, pirulitos colocados numa tábua furada e quebra-queixo. Para pequenas compras, o armazém do Sr. João da Pretinha, o bar de Mário Meira, depois, a venda de verduras e frutas do meu amigo Mario Alaor de Sousa e um bar que vendia caldo de cana. Completando nossa vizinhança a sapataria de Lourival, que fabricava lindas sandálias.
À noite, moças e rapazes subiam para o ‘’footing’’ da Rua 15. Em maio os anjos passavam em direção a Matriz para a coroação da Virgem Maria. Em agosto, catopês, caboclinhos e marujos cantando músicas e batendo tambores iam em direção ao largo do Rosário. Dezembro, as pastorinhas e o reisado cantavam loas ao Deus-Menino. A boneca de Leonel, durante todo o ano, alegrava a rua com música, foguetes, e o megafone onde ele fazia a propaganda de um tudo.
As casas com portas e janelas abertas, a gente via um pouco da vida dos moradores: a avó na poltrona fazendo crochê, o neném no carrinho, a mocinha bordando, o pai escutando rádio. O relógio do Mercado Municipal batia as horas, e à noite era o nosso companheiro quando a insônia aparecia. Cachorros latiam, galos cantavam, gatos namoravam num amor barulhento... Na calçada, moradores sentavam nas cadeiras para tomar a fresca, conversar com os vizinhos, os amigos. As donas de casa, trocavam receitas, mudas de plantas, riscos de bordados.
A rua Pres. Vargas mudou. Hoje totalmente comercial: barulho, poluição, prédios escondendo a serra dos Montes Claros e encobrindo a luz das estrelas. É o progresso, a vida continua e pode ser muito interessante e calorosa outra vez. Não mais existem janelas e portas abertas. Nem um verdinho para alegrar os olhos, não importa, a vida não para mesmo, e é bom que isso aconteça. A rua Pres. Vargas será sempre minha, Continuo morando na casa modesta, esquina com Afonso Pena. E, quando a saudade bate, a menina que se esconde num lugar que só eu sei, vem à tona e juntas agradecemos a Deus por nossa vida.



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Por Carmen Netto - 28/10/2011 18:26:37
Nos Caminhos de Tiradentes e Tancredo Neves

Nem sempre é preciso ir longe para se deleitar com os prazeres da vida. Em um fim de semana fiz um percurso encantador. Festa do Café com Biscoito em São Thiago, Sinfonia dos Sinos em São João Del Rey e almoço em Tiradentes, uma cidade plena de um charme singelo. Só vivemos o que podemos evocar. Esqueço o que não escrevo, é como se tivesse não acontecido. Retornar a uma das “Minas que são muitas” é sempre um orgulho; rever a riqueza encantadora de suas tradições, cultura, história e religiosidade.
Em Setembro acontece, em São Thiago, a festa do café com biscoito. Ruas com barraquinhas, onde biscoitos, quitandas mineiras recheadas de carinho, temperadas com amor, nos são generosamente oferecidas. Broas assadas em folha de bananeira no forno cupim, à vista do turista. Cidade bucólica, vida vivida com mais leveza e simplicidade. Jardins floridos, revelando a essência das pessoas. Como aproveitei o festival de singelas mineirices! Ao entardecer um desfile, onde a cultura se fez representar. Carros-de-boi enfeitados, num andar preguiçoso cantando antiga e gemida toada que ainda sei de cor.
De São Thiago, fomos a São João Del Rey. Cidade dos sinos, da música, bandas de música com mais de 200 anos. A tradição musical faz parte da cultura local. A noite iluminada pela lua cheia e um céu estrelado foi cenário para a Sinfonia dos Sinos. O sino da igreja do Rosário anuncia a sinfonia com o toque de festa, alegre e animado. Duas orquestras apresentaram um repertório clássico e outro mais popular, com músicas de vários países. No final, um côro de mais de trinta vozes encerrou uma noite inesquecível. Ah! Os mistérios da música. Tudo o que ouvimos e nos emocionou por qualquer motivo, passa a fazer parte de nós...!
Na Avenida Presidente Tancredo Neves, vejo uma estátua de Tiradentes e, em frente a esta, a estátua de Tancredo Neves. Um, mártir da Inconfidência Mineira, o outro, mártir da redemocratização do Brasil. Ambos sonharam com a liberdade, e por ela viveram, sem usufruir de seus sonhos. Tancredo Neves, sem derramamento de sangue, ou conflito armado, como bom mineiro conciliador, reconstruiu a democracia durante a nefasta ditadura. Fundou o Brasil contemporâneo e alicerçou novos tempos para o país.
Meu encontro com a velha “Maria Fumaça”, foi só emoção! Sou apaixonada por viagens de trem. Na imponente gare de São João Del Rey, matei a saudade, e, como existe um jeito bom de ter saudade... No museu ferroviário a influência inglesa: máquinas a vapor, relógios, Telégrafo Morse, uniforme dos ferroviários, bandeiras verde, vermelha, amarela, tudo reproduzindo as imponentes ou singelas estações. O apito da velha Maria Fumaça me arrepia... Vou viajar novamente. O cheiro do carvão, a fumaça do vapor, as fagulhas da máquina soltando pontinhos vermelhos colorindo a noite. A entrada triunfal do trem nas estações, e, no final da viagem os abraços e os beijos nas pessoas amadas que chegavam, ou a tristeza quando partiam. Gente que amo e revejo, cada vez mais ternamente, passeiam pela minha memória. O sino da estação chama para o embarque, a Maria Fumaça apita e parte em direção a Tiradentes. Apenas 12 km, 45 minutos de uma viagem inolvidável. O trem segue margeando o rio, casinhas simples e coloridas, crianças saudando com alegria os passageiros. A pequena cidade, escondida atrás da lindíssima Serra de São José, nos aguarda com beleza e simplicidade, a deliciosa comida mineira e, hoje também, com restaurantes gourmet. Termina a viagem. Novas lembranças surgem. Na plataforma, turistas esperam o retorno para São João Del Rey. O trem de ferro parte até virar fumaça na paisagem.
Lindas igrejas, com os sinos badalando ao meio dia. Pousadas encantadoras, artesanato, conjunto resguardado pelos moradores, zelando por essa jóia, onde ainda prevalecem hábitos e costumes tradicionais das pequenas cidades mineiras. Hora do almoço, mesa enorme, fogão a lenha, panelas de ferro, de pedra sabão, potes de barro. Comida simples, caseira e deliciosa. Sobremesas que desafiam qualquer regime: o tradicional queijo mineiro, o doce de leite, a goiabada. Doces de figo, laranja e limão. Precisa mais? Não. Precisa resguardar nossa cultura que é impar no Brasil.
Na volta, dialogando comigo mesma, refleti como nossa Minas Gerais é rica não apenas nos minerais do seu solo, mas na cultura conservando seu rico passado. A velha Minas Gerais das missas de ramos, das assombrações e sobretudo do apego à família, se fez presente nesse passeio. Gostaria de dividir com quem me lê, o texto da jornalista Denise Aleluia, que resume Minas Gerais no que esse Estado tem de melhor.
“Minas de gente hospitaleira, de prosa na calçada no fim da tarde. Lugar em que tudo vira doce, que tem no ar o perfume do café fresco no bule e do pão de queijo feito no fogão a lenha. Berço do velho Chico, rio que une essa nação. Repouso de majestosas igrejas e do badalar dos sinos que anunciam horas que parecem não passar. Ah! Minas! Lugar mágico em que preciosidades brotam do chão. Lugar onde pedra, algumas vezes vira profeta, outras se tornam panela e fervem no fogão! Terra do bonito casario, onde se vê o sorriso tímido das moças nas grandes janelas. Terra em que tudo é trem e como é bom, esse trem de estar em Minas”.

Carmen Netto Victória


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Por Carmen Netto - 16/9/2011 23:07:10
O Encanto da Simplicidade

“Lembranças...
De tudo / vivido, De tudo / passado, De tudo / mudado. Restam-me / as lembranças. / São minhas. Nada perdi / Estão aqui...”
Marisia Fratezi

O ato de recordar é saudável, nos acolhe e nos enlaça ao outro fortalecendo os laços de ternura. Voltar às raízes, o recordar, o rememorar é muito importante. No centro das reminiscências, cochilam verdades, ternura, uma felicidade adormecida que Martha Verônica acordou com seu amor. Resgatou a essência da vida, a espontaneidade, a simplicidade. No livro Antônio e Geni – A saga do amor eterno. Em volta de uma mesa, o laço familiar, une uma grande família, repartem o pão, ouvem histórias de outros tempos.
Continua em Martha Verônica, a menina de olhos amendoados e vivos, a menina criança, a menina adolescente, menina de sensibilidade e questionamentos. Naquela família grande e amiga, não havia a tristeza da solidão, o coração da menina era acariciado pelo avô patriarca, os pais, os tios e primos.
O outro lado da moeda são as perdas, mas, acima delas, existe o amor que é a cura para tudo. Não há tristeza que sobreviva diante dessa força. Força que a animou a estudar, crescer como ser humano, a escrever e compartilhar a vida com quem aparece no seu caminhar.
O depoimento sobre seu pai, Zé Gatão, meu querido colega no Banco Comércio Indústria de Minas Gerais, nos anos 58/62, fez meus olhos marejarem. Você foi tão feliz em descrevê-lo, não faltou nada. Zé Vasconcelos veio inteiro em minha mente e coração. Minha Tia Amélia era sua amiga de vários anos, e esse elo se fortaleceu no meu conviver com ele. Quando o expediente terminava, tínhamos de conferir o movimento da Conta Corrente com o Caixa. Nesse momento, vinha Zé Gatão com sua bondade, a ajudar-me a achar a diferença, se isso acontecesse. Aproveitávamos para um dedo de prosa, contar uma piada ou simplesmente comentar o cotidiano dos Montes Claros.
Ao lado do seu pai, sua mãe Maria Amélia, companheira de todas as horas, “linda como as artistas do cinema dos anos quarenta”. Um casamento de romance, quando seu avô não permitiu a união, eles enfrentaram o não numa época de total submissão das mulheres e juntos fizeram seu caminho.
Fotografias, ilustrações, genealogia, o prefácio primoroso do Dr. Petrônio Bráz, faz uma análise sócio-histórica da época, os depoimentos complementam e enriquecem o livro.
Tudo nos remete a uma vivência comum a nós, felizardos, que fizemos parte da época retratada.
Ao nos contar a saga do amor eterno de seus avós – Antônio e Geni – receitas de bolos, doces, biscoitos, você nos ajuda a perceber porque, no fundo, no fundo ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.
Martha, também, tenho o meu “Melo”. Aquele corredor onde nas cercas o “São Caetano” cor de laranja, alastrava e enfeitava o caminho. Estrada de muita poeira, chão gostoso de pisar, tirava a sandália – Made in “seu” Penalva e mergulhava os pés naquele mar de poeira e tinha aquela sensação de plenitude. Acompanhada de borboletas, enfeitando a vida em suas várias cores, atravessávamos a velha ponte do rio do Melo, ao meu olhar infantil, grandes águas esverdeadas que eu transformava no rio do Sítio do Pica Pau Amarelo . Mais adiante, mangueiras centenárias davam uma sombra deliciosa, abrigavam pássaros e ofereciam frutos coloridos e perfumados. Chegávamos no sítio do Senhor Germano e Dona Glória, chamado Alfeirão, lugar lindo, mágico, com seu rio cheio de seixos, onde nadávamos. Era o lugar preferido para fazer piqueniques inesquecíveis.
Parabéns! Texto adorável, pleno de amor à vida, sabedoria, delicadeza e emoção que nos fazem viajar para dentro de nós mesmos revivendo as lembranças na simplicidade de nossos melhores sentimentos.

Carmen Netto Victória
Agosto / 2011


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Por Carmen Netto - 27/5/2011 19:58:12
Nas Trilhas de Camões e Cervantes


Cada viagem é um renascer. Não sei se a paixão que sinto pela Espanha é devido ao meu nome. Ou, é devido aos livros de Ernest Hemingway que li, ou de filmes como “Sangue e Areia”, ou dos perfumes usados na mocidade com os exóticos nomes “Embrujo de Sevilha” e “ Suspiro de Granada”. No meu imaginário é tudo isso.
Atravessamos a fronteira e chegamos à Galícia, onde se fala o galego parecido com o português de Portugal. Passamos por vilarejos antigos cujas casas eram de granito. Chegamos à Santiago de Compostela! Meu lado andarilho se encontrou. Na Catedral situada na Praça do Obradoiro, um conjunto de prédios históricos forma a moldura da imensa catedral. Alguns peregrinos esperavam a missa das 19 horas, sentados ao lado dos cajados. Nos rostos, expressão de paz, harmonia e serenidade. Atrás da Catedral ruas estreitas, pracinhas floridas, cafés, lojinhas de lembranças, formam um conjunto encantador.
De Santiago de Compostela, partimos em direção a Salamanca considerada uma das cidades mais belas da Espanha. A Universidade de Salamanca é uma das mais antigas da Europa. Lá aconteceu a história do “ovo de Colombo”, que atravessou séculos até os dias de hoje. Como todas as cidade da península Ibérica, possui uma importante Catedral, em estilo gótico - renascentista – barroco, cujo destaque é o nicho atrás do altar, com lindíssimos painéis.
Em Salamanca está a Plaza Maior considerada a mais bela de toda Espanha possui arcadas, cafés, lojas de grife, e do lado leste fica o grandioso Pavilhão Real. Ao entardecer, a luminosidade da tarde, realça o conjunto. Época de férias da Páscoa, jovens tocavam, cantavam e sua alegria contagiava a todos. Em direção a Madrid, passamos por Ávila e suas muralhas medievais, terra de Teresa de Ávila, mística e doutora da igreja católica. Em seguida chegamos ao Escorial – Mosteiro, Palácio e Panteão – onde estão sepultados os reis de Espanha.
Por estar fechado, não conhecemos o “Vale de los Caídos”. A construção desse memorial levou 18 anos e os operários foram os prisioneiros republicanos do regime franquista. A maioria morreu nessa construção, pois a sílica da pedra atacava os pulmões. Ao ver a imensa cruz de 150 m. de altura, desfilaram em minha memória: Dolores Ibarruri – La Passionária – que disse: “Prefiro morrer a viver de joelhos”. O poeta Garcia Lorca e homens do mundo inteiro que deram sua vida por um ideal. Com os horrores da cruel guerra civil espanhola na memória chego à Madrid. Mosteiros, igrejas, palácios; Plaza Maior e a “Puerta del Sol, linda, caliente como toda a Espanha. Plaza de Espanha com o monumento a Cervantes. A Gran Via, a Praça da sedutora deusa Cibeles, cuja fonte a embeleza mais. Museus do Prado e Reina Sofia. Goia, Velásquez, Picasso! Goya retratando o cotidiano da vida espanhola, Velaquez o encanto das “Treis Meninas”, e Picasso retratando a tragédia de Guernica. Puerta del Sol, com seus canteiros tingindo de vermelho – vivo as papoulas e tulipas da primavera. Vejo-as como um retrato da Espanha: Trágica, sanguínea, sensual, apaixonante. A Plaza de Toros de La Venta, com arcos, galerias, arquitetura mourisca.
As estátuas de dois famosos toureiros espanhóis enfeitam a Plaza Antonio Bievenida, e José Cubero. Na minha imaginação revejo Manolete e Juanita Cruz em seus “Trajes de Luces”. Juanita Cruz, toureira dos anos 30, teve que deixar a Espanha por ser mulher! Sempre o famigerado preconceito!
Toledo antiga capital da Espanha, situada sobre uma colina acima do rio Tejo, que lá se chama Tago. Atrás de antigas muralhas, a cidade reúne a cultura cristã muçulmana e judaica. É impossível descrever a beleza, a suntuosidade, o esplendor de sua Catedral. Inesquecível o ostensório de prata e ouro, com mais de treis metros de altura que é levado pelas ruas da cidade no dia de Corpus Cristi. Nessa Catedral está uma imagem da Virgem Maria, chamada “Virgem blanca” apesar da cor da pele ser de um moreno acobreado. No seu rosto um sorriso de encantamento, brincando com o menino Jesus e ele também sorrindo, segura no seu queixo Em todas as imagens, Maria mostra um rosto sofrido, suave, às vezes resignado, ora serena; mas, nessa imagem ela sorri, simbolizando a mãe encantada com seu filho bebê.
Se tivesse de escolher um termo para definir como me senti, após conhecer Toledo e sua Catedral Seria: alumbramento!
O belo está presente nas igrejas, nos palácios, na pintura, na arquitetura mourisca, nos vitrais, nas fontes. Oitocentos anos de civilização árabe deixaram sinais para sempre. A música é um lamento rascante, pátios com fontes, o flamenco, toureiros, moinhos de vento, festas exuberantes, procissões religiosas, culinária deliciosa, paellas, frutos do mar, jamon, marzipãs. Puxei pela memória recapitulei aulas de historia e elas voltaram como inundação. Realidade e fantasia se mesclaram. El Cid, D.Quixote de La Mancha, a pavorosa Inquisição Espanhola, o Tratado de Tordesilhas. A Espanha é uma diversidade. Tem quatro línguas oficiais. É uma terra de magia e alegria, mas é também trágica.
Despeço-me da Espanha com um cálice de “ Lacrima Cristhi”, canto uma estrofe da Internacional, parabenizo o clube Barcelona pela conquista do campeonato espanhol.
Espanha, país de contrastes, e são esses contrastes, que a tornam fascinante! Olé!

Dedico esta crônica a amiga Graça Prata Ramos, sua filha Sofhia em Madrid e a seus pais Antonio José e Ondina Prata Ramos em Lisboa.


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Por Carmen Netto - 20/5/2011 17:12:30
Nas Trilhas de Camões e Cervantes

Viajar é a própria felicidade. Belos lugares, amplos horizontes e muitas emoções. De volta do velho mundo, Portugal, país de nossos avós. É primavera. Dias mais longos, o sol se põe às 21 horas. Muita luz, brisa suave vinda do Tejo. Há lugares que deixam saudade. Lisboa é um deles. Tantas lembranças, tanta beleza a seduzir quem a visita. A atmosfera de encantamento nos envolve no primeiro instante.
A mágica se fez e o que aprendi nos livros de História do Brasil se materializou na beleza de Portugal. Vivi a mesma e idílica sensação de sonho e passado revivido.
Na geografia de Lisboa, o encantamento do Chiado, onde sinto Nas Trilhas de Camões e Cervantes
Fernando Pessoa, seus poemas e seus heterônimos. Almoço na “A Brasileira” um “bacalhau a Brás” acompanhado do vinho tinto “ Ramos Pinto”, sobremesa o delicioso “Pastel de Belém” – responsável por uns quilinhos a mais – .
Subo e desço ladeiras. Vejo castelos, muralhas medievais e monumentos que relembram a história de Portugal. Conheço Lisboa, andando por ruas e vielas, e a cada esquina encontro minhas raízes. Em Alfama, o antigo bairro árabe volto a minha querida Diamantina.
Encanta-me a semelhança das igrejas locais com as de Ouro Preto, Tiradentes, São João Del Rei. Os elétricos (bondes) amarelos, num charme único me levam a vários lugares: Mirante de São Pedro Alcântara, local preferido dos turistas e dos jovens de Lisboa. Encanta-me a Praça do Rossio, Praça do Comércio, caminho na linda Avenida da Liberdade; o Mosteiro dos Jerônimos, onde se come o melhor Pastel de Belém do mundo! O monumento aos descobridores, a torre de Belém, o elevador Santa Justa.
Anoitece. Jantamos um manjar dos deuses numa típica casa de Fados, ao som da música tradicional e danças folclóricas ingênuas e singelas. Nessa noite conheci a última irmã de Amalia Rodrigues e que também já cantou fados.
E, vamos país à fora. Sintra onde deixei um pedaço do meu coração. Cascais à beira mar, o Palácio da Pena, o cabo da Roca, ponto mais ocidental da Europa. Cada vez mais desvendo a história e tradições, monumentos da época dos descobrimentos. Palácio de Queluz, hoje museu em meio aos lindos jardins franceses.
Óbidos, suas lendas, pequenas praças, lindas ruelas, flores coloridas nas jardineiras das janelas, formando um conjunto inesquecível.
Fátima, onde nos sentimos impregnados de fé em união com o Sagrado. Nosso coração pleno de graças, quando a virgem Maria sai da igreja principal, num andor totalmente coberto por miríades de flores brancas parecendo flutuar no ar. A minha emoção é tão intensa, o quadro se torna indisível.
Coimbra e a universidade onde a elite brasileira ia estudar nos primórdios do Brasil, impressiona-nos com a magnífica biblioteca barroca onde milhares de livros, publicados nos séculos XII a XV verdadeiras relíquias, entre elas o primeiro volume dos Lusíadas. Os estudantes com as capas pretas – que charme! – nos acolheram com carinho e muita alegria.
Chegamos a cidade do Porto. Cidade onde a parte antiga foi classificada pela UNESCO, como patrimônio da humanidade. Banhada pelo lindo e plácido Rio Douro. Passeamos, de barco nesse rio, brindando com o delicioso “Porto Cruz”. Conhecemos uma cave do “vinho Porto”Vintage”, onde houve degustação, terminando com um almoço típico, num restaurante da Ribeira.
Braga, capital da região do Minho e centro religioso mais antigo do País. Daí o ditado “Mais Velho que a Sé de Braga”. Na colina Alto do Bom Jesus, num belvedere, onde situa-se a Igreja do Senhor do Bom Jesus, a brisa inebria, e termos aquela sensação gostosa de estarmos num paraíso. Rodeados de um pequeno bosque e jardins em plena floração revelando um quadro de extrema beleza, fazendo um conjunto admirável com a grandiosidade da igreja.
Em Portugal, me senti em casa. A mesma língua, comida, vinhos igrejas, arquitetura, os costumes, casas acolhedoras, mesas fartas, a linguagem dos sinos.
Tudo isso herdamos e nos orgulhamos.
Ao analisar esses, aspectos, intuí por que Minas Gerais é tão Portugal! Província que mais recebeu a imigração portuguesa na época do Brasil-Colonia. Cultura, costumes, linguagem, arquitetura ficaram preservados entre nossas misteriosas montanhas. Folclore, comida diferenciada em fartas mesas onde exercemos a convivência. Conversas ao pé do fogão, o queijo de Minas, tão famoso quanto o queijo da Serra de Estrela. A amabilidade, a simplicidade em receber: “Entre a casa é sua” – a religiosidade permeando nossas vidas. Dos dias que passei em Portugal ficou aquela deliciosa sensação que teria que voltar. Esse belo país rico em tradição e história, me fascina, me sensibiliza. Um Porto D’honra a esse Portugal apaixonante!

Essa crônica é dedicada ao excepcional guia Benjamim, à minha prima Heloisa Netto, ao seu neto Gabriel e à amiga Teresinha Nobre.


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Por Carmen Netto - 22/3/2011 09:03:59
Dr. Konstantim Christoff - Mãos que curaram,mãos que criaram,mãos que pintaram,mãos que esculpiram,mãosque aliviaram o sofrimento do outro. Mãos que acolheram,generosas,imensas, o coração do sertão,o coração do mundo. (...)


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Por Carmen Netto - 18/3/2011 22:45:38
Precursoras

“Ser mulher é... como bem definiu Cora Coralina é fazer a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores”.
Ventos perfumados no ar. Dia 1º de Janeiro de 2011 a posse da Dilma Roussef, a primeira presidente mulher do País. Numa sociedade machista como a nossa, no poder mais alto da República, temos agora uma mulher. Sexo frágil coisa nenhuma. Mulheres são guerreiras, sobrevivem aos trancos e barrancos, trabalham para ser independentes financeiramente e também para construir um mundo melhor.
Lembrei-me de mulheres montesclarenses de nascimento ou de coração, mulheres com luz própria, que pensavam com sua própria cabeça.
Nas décadas 40/50 as mulheres pertenciam tradicionalmente à casa e os homens às ruas. Naquela época algumas mulheres viveram em “feminino prático”, escolheram suas próprias batalhas dentro de suas vivências.
Numa cidade sem tradição de carnaval, D. Afra, baiana de nascimento, alegrava a rua Presidente Vargas com sua fantasia de baiana. Dançava com a dignidade de uma rainha, tinha o respeito e admiração dos montesclarenses.
Alice Aquino Netto saiu de Januária para estudar em Diamantina. Não existiam estradas. Viajava de vapor até Pirapora, de lá continuava a cavalo, atravessava as escarpas da Serra do Espinhaço para estudar no Colégio N. Srª das Dores. Foram anos de sacrifícios, mas o sonho se concretizou no Instituto Dom Bosco, onde desenvolveu a pedagogia do amor, aliada a métodos de ensino revolucionários da época.
Fernanda Ramos chegou à nossa cidade quase uma menina, casada com o Sr. Arthur Ramos. Mulher inteligente, bonita, empreendedora, empresária, conciliou seu papel de esposa e mãe criando uma família exemplar com muitos filhos. Exerce até hoje grande liderança participando ativamente dos acontecimentos da cidade.
Heloisa Veloso Sarmento, minha inesquecível professora de história no Colégio Diocesano. Depois de casada, já morando em Montes Claros fez no Instituto de Educação em BH, curso superior, o que hoje corresponde à Pedagogia. Diretora da E. E. Dom João Pimenta, transformou aquele educandário em uma escola-modelo onde realmente se educava. Delegada de Ensino, com seu trabalho honrou o nome de Montes Claros e do Norte de Minas junto à Secretaria de Educação.
Josefina Mendonça, mulher muito à frente do seu tempo. Jogava tênis, pouco praticado naquela época. Alta, elegante, parecia uma americana. Usava bermuda, calça comprida, moda proibitiva nas décadas de 40 / 50. Mas o que mais admirava em D. Josefina era o senso estético. Fazia belos jardins; fez o projeto paisagístico da Praça Dr. João Alves, pois se preocupava com aridez da cidade. Cuidou dos canteiros da Av. Francisco Sá onde residia. Hoje seria uma ecologista de grande porte.
Judithe Alves era chamada de Juju aviadora. Pilotando um avião teco-teco, fazia piruetas nos céus montesclarenses. Foi a nossa Amélia Eharth que em 35/36, foi a primeira americana a cruzar o Atlântico em vôo solo. Muito bonita, usava macacão de aviador, encantava a criançada com aqueles óculos imensos, usado para voar. Foi também locutora da Rádio ZYD-7.
Maria Vasconcelos Câmara – Lica – minha querida mãe de leite. Mulher com M maiúsculo. Irreverente, dinâmica, destemida, contadora de piadas. Frequentava os estádios de futebol, onde torcia apaixonadamente. Mulher de garra participava da política local e era super respeitada. Conheceu seu marido Evandro Câmara na Escola Normal onde ambos estudavam. Troca de olhares, namoro escondido. Um dia, namorando atrás da Igrejinha do Rosário, aconteceu o primeiro beijo. Ela assustou, emocionou e adorou! Veio o segundo e nesse momento passa D. Maria Flora Bicalho, presidente da Pia-União das filhas de Maria. Resultado: Lica foi expulsa, mas não se importou. Foi por uma boa causa...
Natália Peixoto não era só costureira, modista, era uma estilista! Achar uma vaga com ela era difícil, pois tinha clientela cativa na cidade e também em todas as cidades do Norte de Minas. Foi exemplar mãe e amiga. Seu atelier era famoso e de lá saíam “Tailleur”, vestidos de casamento, “blaser” e qualquer moda que Paris lançava. Trabalhou até o fim de seus dias e foi-se, deixando exemplo de mulher-guerreira e mãe-coragem.
D. Marina Fernandez Silva chega à cidade. Carioca, simples, simpática e cheia de sonhos, plantou a semente do Conservatório Lorenzo Fernandez. A semente germinou, floresceu e hoje é um Jequitibá onde o vento espalha suas sementes de cultura para a cidade, o Estado e o País.
Zezé Colares Moreira criou o Banzé, Conjunto Folclórico que resgatou a cultura de Montes Claros, levando-a ao exterior e ao Brasil. Muita pesquisa, muita luta, valeu a pena e hoje o Banzé é respeitado, aplaudido onde se apresenta.
Essas grandes mulheres semearam sementes, transformaram sonhos em realidade, analisaram, refletiram para mudar. Reuniram em vida características de ousadia. Essas mulheres casaram com o mundo!

Carmen Netto


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Por Carmen Netto - 19/2/2011 01:44:07
ELES DEIXARAM SAUDADES

Montes Claros, cidade que estou atrelada para sempre. A saudade aflora, e a vejo com os olhos da infância, junto com os sonhos de menina-moça. Tudo levado na voragem do tempo... Pessoas que se foram, a cidade acolhedora e amiga. As ingênuas recordações. Em cada esquina uma lembrança, em cada rosto uma saudade.
Toda cidade tem suas histórias escondidas nas ruas e praças “onde o urbano não vive sem o humano”. E vou perambulando no passado. Voltar a Montes Claros, tendo aqui nascido, é sempre um momento delicado, e é cada vez mais delicado, quanto mais se vive. Existe uma Montes Claros dentro e uma fora de mim. Tento conciliar aquilo que a vida apartou e só o afeto pode reunir.
A fantasia infantil é imprevisível. Circulava pelas ruas, encontrava pessoas e a imaginação era generosa. Na verdade, essa é uma crônica sobre o cotidiano, a vida: momentos, pessoas, fragmentos, figuras que marcaram meus verdes anos.
Entrego-me a essas lembranças, e na Praça Matriz, o Dr. Nelson Viana e D. Julieta andam de braços dados ao entardecer. Dr. Nelson, muito alto e o semblante severo. Durante o dia usava uma calça-culote, botas até o joelho, chapéu de explorador africano, como o Dr. Livingstone, ou chapéu Chile branco. Era uma figura que chamava atenção. Sua casa ficava escondida por uma sebe de fícus, me parecia tão misteriosa quanto o dono. Tornou-se um personagem, uma lenda.
Subindo a rua Dr. Santos, em frente ao palacete do Sr. Domingos Braga, morava um casal de idosos: Sr Anselmo José dos Santos e sua esposa D. Aleixina. Sempre sentados em cadeiras de vime, num pequeno alpendre. Ele usando um paletó de pijama, listrado. Como não tiveram descendentes, construiu em vida um túmulo no Cemitério Bonfim. Na lápide os nomes do casal e ao lado da cruz molduras para colocar os retratos. Este fato me impressionava a ponto de sentir a leveza que o casal convivia com a morte.
Na esquina da Presidente Vargas com Simeão Ribeiro a famosa loteria do Sr. Donato Quintino era o “point” dos idosos. Entre muitos que assinavam o ponto diariamente, lá estavam o Sr. Arthur Valle, sempre trajando um terno de linho azul-acinzentado, usando aqueles óculos leves – marca registrada dos presidentes americanos – lencinho no bolso, sorridente e sempre falante. Ao seu lado o Sr. João Félix, com seu terno branco S120. Na mão um anel de brilhante, imenso, de um quilate que não sei calcular. Elegante, usava nos cabelos a brilhantina Royal Briar e também o perfume do mesmo nome. Quando caminhava recendia esse perfume que era o mais famoso daqueles tempos.
Subindo a rua Presidente Vargas, dois cavaleiros se destacavam com seus cavalos belamente arreados. José Figueiredo – ainda vivo - bonitão, parecia com os cowboys Charles Starret – o Durango Kid – e o inesquecível John Wayne. Ele devia saber disso e suas roupas eram semelhantes aos heróis do oeste americano. “Seu” Virgínio Preto, famoso comprador de gado, galopava num cavalo branco, parava no Bar Sibéria onde suas gargalhadas enchiam o ar de alegria. Outra lembrança inesquecível: “Seu” Mathias Peixoto. Quando chegávamos de Trem na estação da Central, sua carroça já esperava pelas malas, que ele entregava na residência de cada proprietário. Os viajantes desciam a pé; a cidade era pequena e ele conhecia cada recanto dela. No Clube Montes Claros, seu irmão Sr Cezário Peixoto, cara fechada, fiscalizava quem entrava e saía. Se algum sócio se excedia na bebida era “convidado” a se retirar. No quesito elegância, educação e finesse, dois moradores me encantavam: Sr. Cecílio Barbosa e Sr. Ataliba Machado. O primeiro eu via sempre em sua alfaiataria. Sereno, amável, confeccionando ternos para os casamentos, formaturas e demais acontecimentos sociais. Sr Ataliba Machado, jornalista brilhante, fundador da revista “Encontro”. Revista que era respeitada nos grandes centros e era orgulho da nossa exemplar imprensa. Homem educadíssimo, ético, cumprimentava desde crianças, adolescentes e adultos. Essa lembrança emerge porque sempre me cumprimentava com tanta atenção, que eu me sentia tão importante!
Sr. Joaquim Calixto, além de ser gerente do Banco Comércio e Indústria, era um exímio pianista e ensinou gerações de montesclarenses a tocar piano. Homem ameno, sensível e discreto, enriqueceu a cultura de nossa cidade.
Montes Claros teve pouco afluxo de imigrantes. Impossível esquecer o senhor Leon Shoutz, homenageado pelo programa da Rádio Nacional – Obrigado Doutor – por ser o maior doador de sangue do Brasil! Era russo, imenso, vermelhão, sua solidariedade salvou milhares de vidas. Outro estrangeiro que me lembro era o senhor Louzada. Era espanhol e consertava sombrinhas num quartinho da rua Dr. Santos. Época de chuva, eu me oferecia para levar as sombrinhas da família para consertar. Como gostava de ouvir seu “portunhol” rascante.
Todas essas pessoas deixaram seu quinhão de trabalho e muitas saudades. Tempos bons, tudo e todos permanecem bem vivos em mim.

Carmen Netto
FEV/2011

Esta crônica é para Haroldo Lívio e Maria do Carmo Oliveira


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Por Carmen Netto - 31/12/2010 20:12:55
Saudades de tempos passados

As recordações da infância nos acompanham a vida inteira acrescidas de fantasias. Viajo nelas envolvida pela alegria, que só as crianças têm. Abro o coração e me aparecem pessoas, acontecimentos, mais um emaranhado de lembranças.
Montes Claros de todos os tempos! Minha Montes Claros que não existe mais, mas ficou em minha memória como o tempo de minha meninice; das casas com mangueiras, caramboleiras, goiabeiras, abacateiros. Árvores que viajavam para a África onde nos transformávamos em Tarzan, Jane e Boy.
Da minha juventude no Montes Claros Tênis Clube onde aprendi a nadar com Sabu e dancei nas luminosas manhãs na boate da Praça de Esportes. Dos 15 anos em diante fazer o footing na Rua 15 e se o rapaz olhava depois de algumas voltas, era o escolhido para flertar e quem sabe até iniciar um namoro. Aos domingos assistir os filmes nos cines São Luis, Cel. Ribeiro e Fátima. Mamãe sabia da minha paixão pelo cinema, e, se houvesse qualquer desobediência, o castigo era não ir ao cinema aos domingos.
Saio da Rua 15, desço a Simeão Ribeiro e chego à Praça Dr. Chaves. Tão singela, tão bem cuidada, com seu coreto, o laguinho e o repuxo que respingava gotas de água e molhava minha face. No laguinho, jogava pedrinhas que faziam círculos que se ampliavam e eu ficava como que hipnotizada acompanhando o movimento da água. Era o meu jardim secreto, tinha meu banco onde namorava ao lado de uma espirradeira cor de rosa. Nele trocávamos carinhos inocentes e fazíamos projetos para a vida que se escancarava diante de nós como uma promessa de felicidade, que graças a Deus se concretizou.
Da velha cidade lembro do meu Instituto Dom Bosco, uma escola – paraíso onde aprendi o mais importante da minha vida: ler.Obrigada D. Lili. O Grupo Escolar Francisco Sá, num casarão da Pedro II com Camilo Prates. O Colégio Diocesano onde vivi uma adolescência de sonhos e o Colégio Imaculada onde conclui minha vida estudantil.
Sobre os carnavais no Clube Montes, entre confetes, serpentinas e marchinhas – Touradas de Madri, Jardineira, Alá lá ô – e outras. Mas o melhor de tudo era o delicioso e inebriante lança-perfume rodouro na sua embalagem dourada.
Tomar sorvete no Minas Bar, sob o fícus copado, que dava uma sombra e uma brisa deliciosas. Sorvete tomado em taças de prata: 1 bola de côco, 1 de abacaxi, ou uma bola de ameixa e outra de creme holandez. Depois beber uma taça de guaraná Champagne da Antártica.
Na Simeão Ribeiro, no bar de Zim Bolão, tomava-se um cafezinho com biscoito de farinha, broa de fubá e pão de queijo. Maravilhas feitas por Dona Pretinha e suas filhas. Mas, infelizmente, com o machismo da época, não ficava bem senhoras e senhoritas se acercarem do balcão, para saborear tais delícias. Oh! Meu Deus, como o preconceito impedia a gente de ser ainda mais feliz! Obrigada Simone de Beauvoir, Rose Maria Muraro, Danuza Leão e outras que abriram novos caminhos para nós. Pergunto-me: onde está o “eu” que ficou na então singela cidade? Penso que esteja nas mediações da Rua 15, Afonso Pena, Cel Prates onde travessuras e brincadeiras de criança aconteciam. Bilboque, ioiô, Boca de Forno, Pique, maré, gata parida.
Tenho saudades da Montes Claros pequenininha e de uma colina chamada morrinhos. Quando ia lá olhava para todos os lados, procurando lugares do mundo.
Paris teve a sua belle-époque e tenho certeza que a minha geração também teve na nossa Montes Claros, sua bela – boa época.

Esta crônica é dedicada a Maria Elisa Colem e Tasso Freitas pela sua Bodas de Ouro.

Carmen Netto Victória Dez/2010


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Por Carmen Netto - 25/12/2010 03:04:19
Para Louvar o Deus – Menino

Carmen Netto

Advento: ad = em direção a, e venire = chegar.” Chegue mais dizemos. Advento é o exercício de acolher Deus. A ordem é que as pessoas se aproximem de si mesmas, da realidade dos outros, dos acontecimentos, dos problemas, das reais possibilidades! Assim o bem estar enriquece o viver, haverá solidariedade, a vida se desdobra uma mudança acontece. ’’. (Frei Cláudio Vam Balem)
Num mundo globalizado, tempos modernos, no entanto a tradição do natal sobrevive graças às raízes fincadas na alma daqueles que fazem questão de celebrar o nascimento de Jesus Cristo, o começo de um novo ciclo.
Ao lado da família todos se unem num momento de agradecimento e fé em Deus, na vida, nas pessoas, É época também de trocar presentes e de muita alegria festejada nos encontros familiares. Uma comemoração marcada pelo sentimento de paz, amor e esperança. São horas nas quais as pessoas voltam seus espíritos para as coisas boas, refletem sobre tudo o que viveram ao longo do ano e tendem a se mostrar mais solidárias, ajudar o próximo. São lembranças e rituais que mesmo com a falta de respeito, a quebra de costumes, o consumismo exagerado e o desprezo a determinados valores, ainda existem famílias que seguem a magia desse renascimento e se orgulham em manter vivo e propagar esse costume de geração em geração.
A renovação que costuma invadir muitos corações nesta época do ano já me pegou em cheio, Arrebatada, com a alma feito algodão doce, tudo que quero agora é deixar-me envolver pelo mistério do natal.
Passei a semana inteira, tentando descobrir que assunto abordar nessa crônica. Comemorar o natal, dentro da tradição, é recordar outros natais. Sou do tempo em que as crianças pediam de presentes uma boneca, corda para pular, fogão e panelinhas, pega-varetas e às vezes maçãs embrulhadas naquele perfumado papel de seda azul - hortência, que depois guardávamos no travesseiro, ou em livros.Vinham da Argentina em caixotes de pinho e eram frutas caras, e comidas em festas especiais ou quando se estava doente. Natal daquela época era visitar os presépios fazer comidas deliciosas para a ceia; comer também nozes amêndoas, avelãs e a brasileiríssima Castanha do Pará, a mais deliciosa de todas. Lembranças felizes de presépios de antigamente, me ensinaram que a noite de natal é a da fé. Num tempo que não existia televisão para ver dia e noite, os presépios eram uma festa para a meninada. Visitá-los nas igrejas, cuja montagem ocupava os altares laterais, com figuras tão lindas, que penso, terem vindo de Portugal, Descíamos as ruas de um lado, subíamos do outro. Todas as casas armavam seus presépios ou modestas e encantadoras lapinhas. Mas, o máximo, era visitar a gruta de pedra, junto a casa do ‘’seu’’ Pedro Mendonça no bairro Santos Reis. Quem nos levava era Maria Vasconcelos (Lica) e era uma excursão animada. Íamos quase sempre descalças pisando nas poças de água, ou nas enxurradas, pois era Dezembro, mês das chuvas. E, os aromas do Natal? Inesquecíveis, da cozinha da minha avó Marieta, e os lá de casa, Se misturavam devido à proximidade das casas e nos envolviam de felicidade. O cheiro do leitão assado, frangos, muitos doces, biscoitos, bolo de natal e as luminárias de mamãe.
No dia 25 na manhã às vezes úmida por causa das chuvas de dezembro, era a hora de reunir no passeio das casas e comparar o que o papai Noel havia deixado.
Recordando os natais que ficaram na memória, aqueles da infância, principalmente de uma época em que tudo era mais simples, as ações partiam realmente do Coração. O espírito do natal tomou conta de mim. Vamos transformar essa noite mágica num momento para agradecer, pois o Natal é perfeito para isso.


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Por Carmen Netto - 12/11/2010 20:17:17
Conservatória – Magia Musical

Viajar é algo mágico, e recordar é conseqüência óbvia de qualquer viagem, mas existem momentos que, por serem tão especiais, saem do campo da memória para fazer parte definitiva da vida. Um desses momentos eu ganhei de presente numa viagem à Conservatória. O nome da cidade me provocou curiosidade e descobri que “Conservatória” pertence ao vocabulário de Portugal, correspondendo a uma repartição pública com cartório de registros. Em 1789, instalou-se uma no distrito de Santo Antônio do Rio Bonito para controle e registro dos índios da região. Conheci uma cidade encantadora! Um refúgio cercado de verdejantes montanhas ondulantes, em meio a flores em profusão; o sopro do vento levando “pedaços de canções, acordes de violões”, poemas tecendo um manto que nos envolve e nos remete a um tempo de delicadeza, de leveza.
Aproveitei cada segundo dessa viagem. Manhã radiante na matinata / solarata, tarde fresca conhecendo a “Casa do Poeta Moacir Sacramento” e encantando os olhos com as aquarelas levíssimas e coloridas de sua esposa Marinete, e a noite, com uma lua que a neblina queria encobrir e não conseguia, acompanhando a serenata executando / cantando apenas canções românticas brasileiras.
O passeio pelas ruas da cidade começa pela Rua das Flores, onde a Velha Maria Fumaça 206 descansa do trabalho na época do café, levando a riqueza do País para o Porto do Rio de Janeiro e também os sonhos e a saudade das pessoas. Viaja-se no tempo observando o casario que, em grande parte, ainda conserva a arquitetura dos áureos tempos do café. Tudo tão limpo, tão bem conservado, nenhuma pichação, tudo tão colorido, parecendo um filme em “Tecnicolor”. Numa profusão de bouganvilias, hibiscos, manacás, espirradeiras e trepadeiras multicores servindo de molduras a alpendres, não há como enxergar a vida colorida. Os nomes das ruas e das casas são de canções. Av. Chão de Estrelas, Rua do Abre-Alas, Casa Rancho da Goiabada, João e Maria e por ai vai. Acompanhando a Matinata, que é uma caminhada musical pelas ruas do centro urbano, às 11 horas da manhã, paramos numa Casa Romântica, com cortinas de voal bordadas e flores na janelas. Seu endereço: Av. Chão das Estrelas, Casa Bom dia Saudade; uma senhora de 72 anos, recebe a matinata, recitando um poema sobre a cidade e termina agradecendo aos turistas dizendo: “Enquanto no mundo explodem bombas, Conservatória explode canções”.
À noite, na Rua do Lazer onde está o monumento ao Seresteiro, bancos e canteiros floridos são cercados por bares e restaurantes charmosos e em cada um canta-se de Orlando Silva, Silvio Caldas, Nelson Gonçalves a Chico Buarque, Tom Jobim, Vinícius de Morais. Às 11 horas da noite, surge o grupo de Seresteiros e a “seresta apaixonada” é acompanhada por pessoas de todas as idades que cantam emocionadas e voltam a um tempo tranqüilo de pura beleza. A seresta pára na Casa do Poeta, onde é recebida com lindos poemas, como “Uma Lenda” sobre a velha locomotiva 206. Na cidade existem museus com acervos dos maiores cantores brasileiros.
Outra curiosidade: Existe um cinema chamado “Cine Centímetro”. Um morador da cidade, apaixonado pela 7ª arte, comprou as instalações do “Cine Metro Tijuca” e adaptou em Conservatória. Nele existem clássicos do cinema, depois acontecem debates e as sessões são agendadas.
Em frente à Casa / atelier do poeta existe uma Cafeteria / Chocolateria que completa essa noite memorável. E quem disse que o tempo não volta? Volta sim! Naqueles momentos, principalmente os que viveram os anos de ouro da MPB, fizerem uma viagem inesquecível. Felicidade é isso, feita de poucas coisas e completada por chocolates deliciosos é ainda melhor. Todo esse encantamento vivi de uma forma total. Tudo me empolgou e emocionou, tudo foi uma festa para meus olhos! Sintetizando minha emoção, esses versos do poeta Moacir Sacramento:
E Conservatória dá / às futuras gerações / aos futuros seresteiros / Menestreis e Trovadores / poetas e compositores do século XXI / 3 formidáveis lições: Preservar sempre é possível, quando se juntam vontades e os sonhos viram canções.


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Por Carmen Netto - 24/9/2010 14:12:22
Preparativos para o Baile da Primavera

Passou a infância...
Passou a juventude – mas a vida não passou.
Passou o 1º amor...
Passou o 2º amor...
E o coração continua...
E o coração da mocinha continua ingênuo, jovem e quase sempre ele se perde em devaneios. Neste inverno de dias quentes, princípio de Setembro, depois de um agosto incandescente, o odor do vento do sertão trouxe o cheiro do jasmim que perfumava aquele lado da casa quando o luar se abria. E Setembro chegava trazendo a primavera. Com ela o mais esperado baile do ano: o Baile da Primavera, no Clube Montes Claros. A memória é tenaz. A minha está sempre me cutucando, inunda a mente de pessoas, fatos, acontecimentos, lugares. Oh! Ilusões da mocidade, vocês jamais perderam suas doçuras.
E a mocinha se lembrou dos preparativos para o esperado baile de setembro. Que tal uma viagem aos anos da inocência? Num país ainda não industrializado, onde não existia cosmetologia e nem consumo, ficar bonita era um trabalhão. Adicionado a esse contexto, não tínhamos dinheiro para comprar os produtos de beleza. Assim começava o périplo. Para afinar e clarear a pele usávamos fubá misturado com açúcar cristal e após retirá-lo com água gelada, usar uma máscara de pepino e mel de abelha. Para os cabelos, se os queríamos avermelhados, exaguá-los com chá de casca de cebola roxa, ou para clareá-los usar chá de camomila. Como hidratante recorria ao “Ponds C” de mamãe, que sempre acabava mais rápido do que ela planejava. Esses cuidados eram feitos semanalmente. Quem podia comprar shampo, usava o “mulsifild” perfumado; quem não podia se virava com o sabão de côco ou o lever. Para prender os cabelos, a cerveja branca era o indicado, armava e segurava os cachos feitos com bobs e o laquê complementava o efeito.
Lembro-me de um produto criado pelo farmacêutico Aluisio Ferreira Pinto,da conceituada Farmácia Central, semelhante à famosa “Antisardina”, era mais suave e a pele ficava linda. Só que o sucesso foi tão grande, que a farmácia não dava conta de manipulá-lo. Dizem que “Seu” Aluisio se arrependeu de sua criação, pois ele não saía do laboratório para atender à demanda que aumentava a cada dia. A dermatologia cosmética estava engatinhando, e nós nos contentávamos com o que existia. Também com os hormônios em dia, plenas de juventude, rugas estavam a milênios de distância.
Como era primavera, e primavera no Brasil é sempre quente, usar meias era inconcebível. Então recorria à minha mentora a querida Tia Tê, que usava um produto nas pernas chamado “Perlit”, que dava às mesmas um tom beje rosado.
Nada melhor na vida do que esperar pelas festas. Na véspera do baile reuníamos no alpendre de minha casa para fazermos as unhas. Todas tínhamos aquele estojo de manicure – era o presente padrão dos namorados – e a expectativa para o baile nos dava aquela sensação deliciosa de plenitude...
Chegava a noite tão esperada. Vestidos vaporosos, decotados, a maioria estampados, nos transformavam em cinderelas. No rosto usávamos o pó compacto “Angel Face”, rouge royal briar, baton “Van Ess”, “Helena Rubstein” ou “Michel”. As sobrancelhas eram aumentadas com o lápis crayon, e os olhos amendoados com o charmoso risquinho. Célia Colares, com seu tipo eurasiano, causava inveja nas amigas com seus olhos bem maquiados. Dava o maior “It”. Flor de maçã, Miss France, Bond Street, Whitemagnólia perfumavam o corpo e os sonhos. E lá íamos nós, envolvidas por uma auréola de encantamento.
Geralmente no baile de primavera, vinham orquestras de Belo Horizonte e transformavam aquelas horas num tempo mais que perfeito. Aquele momento criava um clima de desejo: olho no olho, mão na mão, a respiração suave que arrepiava todo o corpo; as confissões murmuradas ao pé do ouvido, enquanto aspiravam um perfume sutil. Esses momentos jamais acabarão. É uma conquista da emoção. Sempre que recordo essas encantadoras experiências vividas, me vem o pensamento consolador de que elas integram para sempre o espírito, fazem parte da essência e ninguém conseguirá apagá-las.
Recolho a mocinha adolescente que mora no meu coração e deu uma fugida aos anos dourados. Às vezes não consigo segurá-la e ela sai à procura dos dias felizes e ingênuos que vivi num mundo romântico e cheio de segredos.


59514
Por Carmen Netto - 22/6/2010 01:01:09
Carta para Célia Colares

Tenho tido reencontros maravilhosos no outono da vida. Um deles foi com Célia Machado Colares. Lembro-me de Célia no internato do Colégio Imaculada Conceição, época que sua família morava em Francisco Sá.
Desde que me aposentei e dona do meu tempo, sempre que posso, retorno a Montes Claros na companhia de Mary Pimenta e, sendo esta amicíssima de Célia, nos reaproximamos. Também o computador nos permite trocar e-mails, enviar fotos, unir caminhos, fortalecendo nossa amizade. Sábia tecnologia!
Tínhamos combinado passar o dia 30 de Junho com você, pois neste dia a recebemos em nossa confraria, celebrando a alegria de fazer aniversário; não contamos nossos anos pelo tempo, mas pela felicidade de tê-los vivido. Contudo, compromissos inadiáveis nos impediram de estar com você no dia 19 de Junho. Assim receba este texto como minha presença.
“Quem nasce sob o signo de Câncer sempre guarda alguma coisa do passado: pedaços de amor, fragmentos de vida, retalhos de recordações em caixas, álbuns, pastas, cadernos e gavetas, como se a memória precisasse deles para se fixar”. Tenho certeza que você fez arquivos das melhores lembranças e exorcizou os momentos mais difíceis da vida.
Lembro-me de Célia, bem mocinha namorando Diu Colares – exemplo de cidadão, caráter exemplar, pessoa solidária e bondosa - alegre, elegante, tipo de beleza exótica, chamava atenção onde estivesse, transpirando vida por todos os poros.
Muito cedo, Diu se foi e a deixou frágil, dividida, com o coração sofrido. Mas como fênix, renasceu das cinzas e se fortaleceu, criando uma família bonita. Encaminhou os filhos, resgatou exemplos de seus ancestrais, levantou a cabeça e foi à luta. Sem perder a alegria, sugou o néctar da vida, deu amor e o recebeu em dobro dos filhos, netos e também dos amigos.
Diu continua a morar em seu coração iluminando sua caminhada. Sua força como mulher e mãe a levou a transformar sonhos em realidade.
Querida Célia, neste seu aniversário se deixe envolver de alegria, ternura, felicidade, esperança, gratidão pelas bênçãos recebidas.
Como diz Leonardo Boff, em sua sabedoria: “nascemos inteiros, mas nunca estamos prontos”. Continue a abrir caminhos, rasgar novos horizontes e principalmente ser feliz! Vida longa, muita saúde e paz!

Carmencita
(Carmen Netto Victória)
Junho/2010


59229
Por Carmen Netto - 11/6/2010 21:10:32
Mary Pimenta Alkmim – Sobrenome Coragem

““Ser mulher é... – como bem definiu Cora Coralina, fazer a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores. Esse é o retrato de minha amiga Mary.
Sempre fui péssima em matemática, inclusive nem sei contar os anos, mas Mary e eu ultrapassamos a barreira do tempo, trilhamos outros caminhos, reencontramos na maturidade mais amigas, mais irmãs de alma e coração.
Lembro-me de uma menina super alegre, animada e sempre rodeada de amigos. A facilidade de Mary em fazer amizade era e é impressionante. Conhecemo-nos na piscina da Praça de Esportes onde ela abriu caminhos para nós usando um maiô duas peças que foi um sucesso! Como ela morou no Rio de Janeiro, na década de 50, sempre que vinha a Montes Claros lançava modas e causava até inveja nas amigas provincianas. Quando Layce Tourinho mudou para a rua São Francisco convivemos mais ainda, pois ela era vizinha de Layce e eu não saía da casa desta. Eu e Layce estudávamos no Colégio Diocesano e Mary no Colégio Imaculada onde exercia sua liderança e botou sal nas moleiras das irmãs. Também sempre nos encontrávamos nas horas dançantes na residência de Norma Costa, nas jovens tardes de domingo. O pingue-pongue no caramanchão da praça de esportes, as quadras de vôlei e de basquete também eram pontos de encontro; e Mary sempre animando o grupo. Mary convivia com todas as turmas. Em frente ao Banco do Brasil, reunia a turma do pó de arroz. A minha turma reunia na escadinha do Clube Montes Claros. Nossas turmas não se entrosavam, porque achávamos as meninas do pó de arroz bastante prosas, A maioria estudava em Belo Horizonte, namorava os rapazes de fora e não fazia o “footing da rua 15”. Mary transitava muito bem nesse ambiente, ora plebe, ora elite, mas sempre amiga.
O tempo passou, formei-me e iniciei minha vida profissional no Banco Comércio e Indústria, casei e mudei de Montes Claros. Mary, por sua vez, com o falecimento prematuro de sua mãe, foi residir no Rio de Janeiro com sua irmã Florinda. Em 1980 mudei-me para Belo Horizonte e reencontrei Mary que também havia mudado para esta cidade, e reatamos nossa amizade. E, como é maravilhoso a semente adormecida brotar, florescer, renascer com a força de uma aroeira. E, quanta afinidade emergiu: enxergar o mundo de maneira sensível e encontrar forças para acabar com os preconceitos, às vezes até mesmo com os próprios. E, entre lágrimas e risos, dores e alegrias, viagens inesquecíveis, a menina se transforma. Continua craque na cozinha – ainda hoje nos presenteia com seus bombons deliciosos – e se transforma na princesa da festa, mas principalmente busca o prazer de ser única.
Mary, nesta fase que estamos vivendo, precisamos nos reinventar a cada dia. Aceitar que nem sempre temos soluções para os problemas, que às vezes precisamos de colo e gostar de ser bonita, vaidosa, elogiada, ser independente, fazer o que se gosta para ser feliz!
Você é uma mulher guerreira, sobreviveu aos trancos e barrancos da vida, foi à luta, mas não perdeu a doçura e a dignidade, essência do feminino. Mãe, avó, irmã, tia, amiga, acolheu o mundo dentro da alma. Mantém a casa em ordem e bem limpa, supervisiona a comida deliciosa que serve, faz compras e depois de tudo isso, viajar e viajar cada vez mais porque ninguém é de ferro – e sonhar! Continuar sonhando, usando as armas da coragem com sensibilidade, generosidade e amor. Venceu tempestades e terremotos da vida e continua achando esta tão bela, tão transparente, tão leve. Minha amiga: “tempo não é cronológico, é um tempo subjetivo, capaz de nos propiciar um êxtase silencioso na eternidade” “Instantes mágicos de encontros de alma... Lembranças que valem a pena lembrar”. A vida é um reaprender a andar e recorro à escritora e poeta Teresinha Melo Urbano de Carvalho para enviar esta mensagem a você: “Sou mulher da 3ª idade / não vivo só do passado / Enfrento firme o presente / sem esquecer o futuro / A sabedoria me ensina / a simplificar a vida /, transformá-la numa aldeia / que se chama liberdade!

Carmen Netto Victória


58099
Por Carmen Netto - 7/5/2010 16:12:23
Minas Texas


Quando estamos predispostos a lembrar, tudo nos faz lembrar. Zapeando na TV a cabo, cheguei no canal Brasil, que anunciava a mostra de produções dirigidas por Carlos Alberto Prates Correia, na faixa de 22 horas, e hoje a atração é: Minas Texas!. Como já tinha assistido “Cabaré Mineiro” e gostei muito, achei ótima a oportunidade de assistir “Minas Texas”.
Naquela Montes Claros distante e saudosa dos anos cinqüenta, o cinema era o universo de diversão da cidade. Eram horas de puro encanto: com o prefixo do cinema iniciava-se a sessão com o complemento nacional e “Traillers”, e eis que o filme começava. Décadas tinham passado desde aquelas sessões do cine São Luis e, então, os letreiros de filmes inesquecíveis explodiram na memória e me vieram os cheiros do cinema: o óleo de peroba das cadeiras, o perfume das moças e senhoras, o gosto do Chicletes Adams, das balas de hortelã, da pipoca em sacos de papel de embrulho cor de rosa.
Começa o filme “Minas Texas” e mergulho nele. Estou fora do tempo e do espaço. Identifico nas primeiras cenas, a paisagem lindíssima de Diamantina – lá ficou um pedaço do meu coração – depois a paisagem dos campos e cerrados. O filme em Tecnicolor / preto e branco, em “flash-back” de faroestes antigos se misturava com as cenas do enredo. Eis que de repente surge o “Cowboy” de Janaúba, todo vestido de preto, lenço da mesma cor cobrindo metade do rosto, e reencontrei Charles Starret / Durango Kid o “cowboy” mais bonito daqueles tempos. As cenas vão acontecendo e minhas lembranças despertaram das raízes e alimentei-me da seiva original. Como no filme “A Rosa do Cairo”, de Wood Allen, entrei na tela e encontrei-me com Antônio Rodrigues. Que ator talentoso! Além do seu original humor, de sua capacidade para atuar, dominava a 7ª arte como se estivesse estudado na “Actores Studio de Nova York”.
O Diretor Carlos Alberto costurou divinamente o velho Texas, com o sertão norte-mineiro, através da voz grave e bonita de Sérgio Prates. E, assim, berrante, duelos, música, Marujos e Catopés – onde identifiquei Paulo Henrique Souto. Ora o silêncio, ora o cri-cri dos grilos, a música da água do riachinho, a poeira dos caminhos. Isso faz parte das terras dos Montes Claros, terra saudade. É pedaço de mim. O filme retratou a magia do cinema e, eu escuto a frase do maior cinéfilo de Montes Claros – Manoel Quatrocentos: “O La Lai Que”. Aí Carlos Alberto foi demais! Arte é isso: Comunicar aos outros nossa identidade íntima com eles. Ao assistir seu filme, eu melhor me entendi. Somos do mesmo sangue, companheiros do mesmo mundo. O filme termina com uma frase do diretor que me despertou sentimentos intensos: “O Velho Texas dos meus sonhos torna-se realidade”. THE END.
O cinema nos abria os olhos para o mundo, enriquecia nossos sonhos e vivíamos sob o encantamento desses sonhos.
E lá dos meandros da memória vi o menino sempre bem vestido, com camisa xadrez de Jérsei Valisere, calça comprida, relógio no pulso esquerdo, na porta de sua casa, na rua Pedro II, ao lado de Mercês, babá querida da família, que empurrava o carrinho com sua irmã Maria Regina. Era o meu caminho para o Grupo Francisco Sá, onde acho que você estudou e foi um aluno brilhante! Lembrei-me da Imperial, loja das melhores do meu tempo de menina-moça onde Dona Mercês, “seu” Correia e a querida Violeta atendiam os fregueses com a espontaneidade da convivência onde todos se conheciam.
Carlos Alberto, Minas Texas me devolveu o universo dos filmes de faroeste, também os seriados e todos os filmes que assisti. O cinema é uma arte completa: fotografia, música, história. E, hoje, passados mais de cinqüenta anos, constato que os sonhos estão intactos. A menina e a mulher são uma só, apenas em tempos diferentes.

Carmen Netto Victória
Abril/2010


56378
Por Carmen Netto - 20/3/2010 13:43:02
Glasgow, Edimburgo e Inverness – II


Será que reviver é experimentar mais intensamente a emoção? Penso que sim. Glasgow, Edimburgo e Inverness não fazem parte do circuito chamado “Elizabeth Arden”: Paris, Roma e Londres. Mas, as circunstâncias me levaram a ficar um mês em Glasgow. A família de minha filha Júnia está residindo nesta cidade, e, como minha cabeça é aberta a todas as cidades do mundo, aproveitei para conhecer bem e me enfiei de cabeça na cultura local. Com meu inglês do ginásio – obrigada Dr. Carlyle Teixeira e D. Jane Crosland Guimarães – e não ter vergonha de pagar micos, lá ia à procura de novos conhecimentos.
Glasgow é uma cidade com população entre quinhentos a seiscentos mil habitantes. Qualidade de vida excelente. Tranqüila, sem correrias, praticamente violência zero. Um metrô pequeno que facilita com incrível rapidez os deslocamentos. A Escócia é uma destas nações em que as pessoas nascem e vivem com a segurança de uma existência digna, com escola, assistência médica para todos, com salários suficientes para terem sua casa, criarem seus filhos e não temerem às intempéries da velhice.
Cheguei em Dezembro, nas semanas que precedem o natal. O Centro Comercial chamado Buchannas todo iluminado, estava lindo: movimento, efervescência, vitrines decoradas. Cafés cheios, moças em trajes de inverno, a maioria com os cabelos ruivos e anelados – herança dos Celtas – e ela, a neve, em flocos leves e delicados fazendo a moldura desse quadro encantador. Sempre que vejo a beleza surgindo me aproximo de Deus. Deus é beleza mansa.
Nas ruas, no vai e vem de gente, a alegria das compras para o natal e a esperança de um ano novo nas faces vermelhas de frio. Eu saboreava tudo com o olhar, gostava de imaginar o que havia naquelas cabeças. Só uma coisa me entristeceu. Vi um jovem mendigo, bonito, vestindo andrajos, roxo de frio com uma latinha ao lado recolhendo moedas. Ser pobre não é fácil em nenhum país do mundo.
Visitar museus, assistir concertos, balé, danças Celtas, ver as manifestações culturais de outros lugares, rever, reler o mundo com regeneradoras mensagens, apesar da rajada de notícias mortíferas. Em meio a uma arquitetura nos estilos eduardiano/georgiano, conheci a Faculdade de Medicina Saint Andrews, imponente em seus trezentos anos de existência. Naquele momento lembrei-me de quando li “Cidadela” de A. J. Cronnin, onde o personagem Dr. Andrews, moço pobre, estudou com bolsa nessa faculdade. Não sei como agradecer a esse escritor o presente que me deu na adolescência, os lugares por onde me levou nessa mesma Escócia com suas histórias de encantar o coração.
Edimburgo, a Capital, fica a 45 minutos de Glasgow. A cidade parece ter saído de velhos Contos de Fadas. Numa colina, o Castelo Medieval domina a paisagem. Imenso, imponente. Muralhas, Torres, Arcos. Retrato fiel de uma época. Caí no passado, reencontrei-me para começar. De todos os lados, mistério e encantamento, cidade idílica. No museu da cidade, na parte de ciências naturais, encontrei-me com a ovelhinha Dolly, primeiro clone mundial feito por cientistas escoceses. Empalhada com seus olhos mansos, mostrando o avanço da ciência.
Inverness é a Capital das Terras Altas no Norte da Escócia. É banhada pelo rio Clyde, unida por pontes românticas e iluminadas. Temperatura no inverno de 10 a 15 graus negativos! Próximo à cidade está o lago Ness, onde a lenda conta a existência de um monstro que vive em suas águas profundas. Olho o lago Ness com olhos de magia. Vários tons azulados e cinzentos se misturam. Pássaros se movimentam como se fossem donos do lago. Um cenário dos mais bonitos e diferentes. Passado mais de um mês, ainda consigo recuperar pela memória dos sentidos as sensações vividas na Escócia. O vento frio do inverno batendo no rosto, o silêncio dos meus passos na neve, o gosto do vinho tinto...

Carmen Netto Victória
FEV/2010


55796
Por Carmen Netto - 5/3/2010 23:13:12
Impressões de Viagens – I


O mundo está se transformando com muita rapidez por causa da globalização e da informática. Vivemos num mundo saturado de informações. Viajar tornou-se um ato corriqueiro, e, cada viagem é uma história.
Nunca pensei em conhecer a Escócia, mas como a família da minha filha Júnia está passando uma temporada por lá e a saudade apertou, me mandei para a terra dos Celtas e, na oportunidade, conhecer seus mistérios e suas lendas.
Mineiro é modesto. Não gosta de falar de si, tem até cisma de ser assim. No entanto gostaria de compartilhar com meus leitores uma experiência onde abri minha alma para gozar plenamente as pequenas felicidades que a vida oferece.
A Escócia não me era totalmente desconhecida, pois li todos os livros do escritor escocês A. J. Cronnin durante a juventude e, na maturidade, os livros água com açúcar de Rosamund Pilchen e muitos são passados naquele país. E lá fui eu rumo ao hemisfério norte, inverno como há muito não acontecia por lá, nevascas impressionantes que fecharam aeroportos, bloquearam estradas e paralisaram o Eurostar.
Quem nunca sonhou com um natal com neve, como nos cartões de nossa infância? Vivi a experiência de um natal branco! Fantástico!
Fiquei na Escócia um mês, tendo a oportunidade de conhecer o país em diversos aspectos. Quando viajo, tento conhecer os costumes, a alma do povo. Além de Glasgow, conheci Edimburgo, a capital, e, Inverness nas Terras Altas; cobertas de neve, árvores desnudas sem uma folha sequer, parecendo esculturas de cristais e nuvens. Em meio à brancura, pinheiros verdes que resistem a qualquer intempérie. Temperaturas em torno de 5 a 10 graus negativos. Viver é simples, a gente é que complica. Olhar a neve cair é viver. Molhar na neve é viver e eu não sabia. Andar na neve é viver.
Em Minas, as montanhas não nos permitem ficar indiferentes a elas. Na Escócia, a mesma emoção: as montanhas, os campos, os povoados cobertos de neve, não vivesse eu nos trópicos.
Como sou apaixonada por viagens de trem, pude satisfazer esse desejo viajando nos trens mais limpos e confortáveis que já conheci. A neve atrapalhou os horários britânicos, mas não os passeios; paravam em imponentes estações, construídas no princípio do século XX. O Reino Unido é imbatível em ferrovias. Em Glasgow desembarquei na Central Station, arquitetura característica do fim do século XIX e princípio do século XX. Um imenso relógio mostra as horas, linhas férreas de ambos os lados, ligando a Escócia às principais cidades do Reino Unido. Na saída da estação, uma estátua de um soldado com uniforme e máscara anti-gases me chama a atenção, e, na parede uma placa de bronze com o nome dos soldados escoceses mortos na 1ª Guerra Mundial. O país não deixa seu povo esquecer as tragédias que sofreu. Próxima à estação ferroviária, situa-se a estação rodoviária. Moderna, confortável e muito bonita. Harmonia entre o presente e o passado, característica de povos civilizados. Em seu “Hall” a escultura dos meus encantos, cujo nome é “O Beijo”. Lembram daquela fotografia tirada quando os aliados libertaram Paris na 2ª Guerra, a moça francesa beija e abraça o soldado americano, dobrando o joelho e ficando na ponta do pé. Tenho procurado a gravura dessa cena e nunca a achei; ao ver a escultura, meu coração bateu mais forte. Quis tirar uma foto ao lado, mas estava na hora de embarcar para Edimburgo. Fiquei triste como uma adolescente contrariada. Não abandonei minhas ilusões, pois quando as ilusões partem a gente continua existindo, mas pode ter deixado de viver...
Continua...

Carmen Netto Victória.


52252
Por Carmen Netto - 21/11/2009 00:21:15
E o vento levou, mas a saudade resgatou...

As lembranças são fragmentárias, no entanto, as imagens evocadas são fortes, ainda que, às vezes, percam a cronologia. De qualquer forma revelam uma época e uma maneira de viver que se extinguiram. É pena que aqueles que não reconhecem a importância das pessoas que passaram em suas vidas, viveram na mesma cidade. O futuro mais brilhante é baseado num passado intensamente vivido. A vida mais as emoções, que podemos deixar, duram uma eternidade. Alguns fatos do passado ficam intactos em nossa caixa de memórias e permanecem tão vivos que ainda têm os mesmos contornos, cores, cheiros, vozes e sentimentos que criamos para eles um dia.
Livre-se do passado para ser feliz... Se você escreve reminiscências, você está ultrapassado, porque a palavra passado parece até pejorativa, principalmente, na sociedade imediatista em que vivemos. Mas se vivo intensamente o presente é porque tenho lembranças e exemplos inesquecíveis do passado. Somos resultado daqueles que vieram antes de nós. Portanto, lembrá-los é reviver o que nos encantou. A Psicanalista Paula Ângela F. de Paula afirmou categórica: “Matar o passado é da ordem do impossível.” Ele está presente. Que tal uma viagem nos anos da inocência? Recompor a geografia afetiva, histórica. As cidades só se constroem com a experiência de vida de seus moradores. Como esquecer os jardins de D. Zizinha Quadros e Lucy Veloso. Era primavera o ano todo. Repleto de flores, folhagens, trepadeiras e onde quer que elas estejam, continuam com as mãos sujas de terra e molhadas de orvalho / As crônicas de Dona Yvone Silveira, com o pseudônimo de Simone na Gazeta do Norte, que encantavam as pessoas de 8 a 80 anos. / A Rua 15. Todos iam a Rua 15. Era ali que aconteciam as coisas. Modas eram lançadas, namoros iniciados, perfumes se misturando. Escutar Florinda Pires Ramos recitando a poesia “Boa Noite Montes Claros” do seu Tio Dr. Plínio Ribeiro era emoção pura / Sílvia Veloso dos Anjos, com sua voz maravilhosa de soprano / Nivaldo Maciel, João Leopoldo Alves, Magnus Medeiros, Dim, Vicente Alves, Antônio Valdir, vozes privilegiadas a nos fazer sonhar e encantar com a vida / Ir ao Programa de Chico Pitomba e Mané Juca na ZYD-7 com os admiráveis Cândido Canela e Antônio Rodrigues / Assistir D. Dulce Sarmento tocar sua composição “Neste meu Sertão”. Suas mãos tão pequenas e tão ágeis criavam um clima de encantamento. / Sob o sol de agosto, Catopês, marujos e caboclinhos alegrando as ruas da cidade e a Igrejinha do Rosário / Encontrar pelas ruas Manoel Quatrocentos e sua elegância, fugir de Alalaô com sua cara de poucos amigos e escutar Geraldo cantando o Hino Nacional. / Fazer piqueniques nas margens do Rio Vieira no Pequi, nos Morrinhos e no Rio Verde. / Passar férias na Fazenda das Quebradas, o paraíso da minha infância. Obrigada minha querida Arinha. / Fazer compras no mercado municipal, em meio aos cheiros e cores dos alimentos enfeitando as bancas. À noite escutando as horas do velho relógio d mercado companheiro das noites de insônia. / Comprar biscoitos de farinha e de queijo no café de Zim Bolão / Nadar na Praça de Esportes, assistir aos jogos de basquete e vôlei e dançar aos domingos pela manhã na “Boate” da Praça. Festas juninas, fogueira, levantamento do mastro, canjica, quentão, pé de moleque... / Festas inesquecíveis: Pessegueiros em flor na primavera de Setembro, Festa do Algodão e em 1957 a comemoração do centenário da cidade – Dr. Geraldo Athayde, Dr. Hermes de Paula – Grandes nomes de nossa história lideraram essa festa, a maior festa do passado Século XX. / Acompanhar a Banda de Música, as procissões, assistir e participar das Coroações no mês de Maio. / Ver o trem chegar e partir da estação da Central. A Maria Fumaça resfolegando, o sino batendo. /
Toda a cidade tem suas histórias escondidas nas ruas. Escrevi em pinceladas, ingênuas recordações, a cidade acolhedora e alegre. Em cada canto um amigo, na rua 15 uma paixão, em cada rosto uma saudade. Ninguém segura o tempo. E o que restou? Resta a vida, gerações se sucedem. Santo Agostinho escreveu: A sede da alma está na memória e em Montes Claros ainda está viva a alma da cidade. Mãos à obra!


Carmen Netto Victória


50979
Por Carmen Netto - 10/10/2009 00:27:15
Festas de Aniversários

De momentos modestos era a vida em Montes Claros; as festas de aniversário eram feitas em casa. Numa mesa forrada com uma toalha branca adamascada, ficava o bolo do aniversário com as velinhas que seriam acesas para o aniversariante apagar. Ao redor do bolo, os docinhos mais deliciosos do mundo: cajuzinho, maçãzinha, brigadeiro, olho-de-sogra, cocadinha, balas delícia que eram enroladas em papéis de seda coloridos e colocadas em cremeiras para compor a decoração da mesa. Os salgados eram empadinhas, pastéis, sanduíches recheados com patê ou salame, e, os quadradinhos de queijo de minas, salsicha e azeitona colocados num palito e espetados num abacaxi ou numa melancia.
Vestidas com nossas melhores roupas, feitas de organdi suíço – espetava a pele e sob o vestido a anágua engomada completava o suplício – o sapato era o inesquecível e lindo sapatinho Shirley, de verniz preto ou branco, acompanhado de meias treis quartos. Combinando com o vestido, no cabelo, fitas xadrez ou coloridas amarravam tranças ou simplesmente usávamos laços como enfeites.
O aniversariante recebia os presentes e era acompanhado pelos convidados para ver a abertura dos mesmos. Era uma correria! Os presentes eram colocados sobre a cama forrada com uma colcha de crochê ou o cobre-leito mais bonito da casa. Geralmente começavam à tarde e terminavam no máximo às 19 horas. Até a hora de apagar a vela, brincávamos de roda, anelzinho, fazíamos um teatrinho com cantos e declamação de poesias. Nada de correrias, pois os vestidos que usávamos não permitiam os brinquedos de correr.
A hora do parabéns era esperada com ansiedade, pois somente após cantá-lo era liberado servir os salgados e os docinhos acompanhados do guaraná Champagne e das recomendações das mães para não fazer falta de educação, avançando nos pratos, um doce de cada vez! Tudo era feito em casa, com o maior capricho e com a ajuda das vizinhas.
Quando chegava o aniversário dos 15 anos, a família caprichava mais. Era como um rito de passagem. Usava-se um vestido toalete que podia ser branco ou de outras cores, desde que fosse de ‘laise’, organdi ou organza ‘faille’, considerados tecidos nobres. Usava-se pela primeira vez um sapato ou sandália de salto alto, no máximo nº 05. Lembro-me de uma festa de 15 anos inesquecível para mim. Foi a de Maria Inês Veloso Silveira. Não me recordo se as festas de 15 anos já tinham sido batizadas de bailes de debutantes. Penso que esses bailes se transferiram para o Clube Montes Claros, por iniciativa do saudoso Cronista Lazinho Pimenta.
O aniversário de Maria Inês foi em sua residência e para mim foi uma data mais que especial. Foi em Abril de 1956, não me lembro o dia. Tinha tirado o luto pelo falecimento de papai e estava farta, farta de usar azul marinho ou preto e branco. Minha Tia Tereza fez para mim uma saia godêt azul claro, com um bolso onde aplicou papoulas coloridas e uma blusa amarela com um decote generoso e me senti a própria Natalie Wood. Estava tão feliz em poder voltar novamente para a vida!
Salgados, tortas deliciosas, doces e além do sempre presente guaraná Champagne, ponches, cuba livres, meias de seda, leite-de-onça, com doses moderadas de bebidas alcoólicas. Maria Inês estava radiante de felicidade, dançando a valsa com seu pai, e Dona Geralda atendendo a todos com sua simpatia e educação. Uma vitrola tocava música americana que chegava até nós pelos filmes. Os móveis foram arredados até as paredes e uma pista era tudo que precisávamos. Nós nos aprontávamos como o figurino dos anos dourados: Pó Compacto da Ponds, sombra, rímel, delineador nos olhos. Batom e rouge completavam a maquiagem. O cabelo armado com laquê não saía um fio do lugar. Envolvidas pela felicidade do momento, vivendo de ilusões e sonhos num mundo ingênuo, romântico e cheio de segredos, a vida era só alegria e leveza. Misturar o presente, o cotidiano e o passado me fascina. Tudo que escrevo, busco no que vivi. E, nunca me esqueci dos quinze anos de Maria Inês, porque acredito que depois da aniversariante, eu era a pessoa mais feliz da festa. Naqueles tempos, não tínhamos nada e tínhamos tudo!

Esta crônica é dedicada a Maria Inês Veloso Silveira.

Carmen Netto Victória


50181
Por Carmen Netto - 16/9/2009 23:00:52
Montes Claros Tênis Clube

Quando as férias chegavam era uma festa só. Alegria por todos os lados, encontros, reencontros, horas dançantes. E, no meio de tantos eventos, havia um local onde a mocidade daquela época se encontrava: “ A Praça de Esportes”.
O Montes Claros Tênis Clube, que de Tênis mesmo só o nome, pois apenas alguns gatos pingados freqüentavam a quadra deste esporte!
O forte era a piscina onde “Seu” Marino e Francisco de Oliveira, o famoso “Sabú”, ensinavam natação e de onde saíram muitos campeões!
“Sabú” era sósia de um ator indiano do mesmo nome e que fazia grande sucesso em filmes que tinham como cenário a “jungle” indiana.
“Sabú” era enérgico, disciplinado, e ai de quem não fizesse a respiração e os movimentos de pernas e braços sincronizados. Só liberava os alunos para brincar, após o treinamento na raia, onde nadávamos batendo tábua.
Naquela época havia o horário feminino de 15h às 16h, e o masculino após as 16h.
Não se podia nadar juntos, a repressão e a discriminação é de longa data.
Dona Olegária, uma doçura de pessoa, era a encarregada do vestuário feminino. Chegávamos esbaforidas, pois só tínhamos uma hora para nadar.
Ela nos entregava os cabides para colocar as roupas e era a paciência e a bondade personificada.
Tratava a todos nós com muito carinho, era mesmo uma mãezona.
Assim que começava a aula, músicas das grandes bandas americanas, Glenn Miller, Benny Goodman, Tommy Dorsey, atacavam de “Night and Day”, “I only have eyes for you”, Begin the beginning”, “Summertime”.
Sentíamo-nos como a própria “Esther Williams”, a maioria usando maiôs bem comportados, as mais corajosas pulando do trampolim e causando inveja àquelas que não conseguiam fazê-lo.
Por falar em maiôs, não se pode esquecer um fato que revolucionou o horário feminino, o masculino e até a cidade. Naqueles idos, os maiôs “catalina” eram o “must do must”. De lycra, cores lindas, mas raramente apareciam por nossa Montes Claros. Quando chegavam a acontecer eram de moças visitantes, que residiam em Belo Horizonte ou no Rio de Janeiro, mesmo assim, maiôs de corpo inteiro e muito caros, pois o legítimo era importado. Pois não é que Mary Pimenta foi passear no Rio de Janeiro e voltou com uma novidade que correu a cidade dos “Morrinhos” aos ”Santos Reis”, do “Roxo Verde” ao “Alto de São João”. Ela comprou um maiô duas peças de malha vermelha, enfeitado com listinhas brancas. Era lindo! E, o mais sensacional: eram duas peças.
Causou o maior sucesso!
E ela desfilava ao redor da piscina cheia de si, enquanto o restante de nós, morria de inveja, pois nossos maiôs de algodão eram feitos em casa pelas mãos habilidosas de nossas mães.
Não se sabe como, um comerciante, muito estimado na cidade, ficou sabendo do alvoroço causado pelo inocente maiô de duas peças e levou o fato ao conhecimento de “Seu” Messias Pimenta de quem era muito amigo, para as devidas providências; que aliás não foram tão drásticas assim, pois Mary continuou, feliz da vida, a nadar com o maiô vermelho, objeto do desejo de toda adolescente da época.
Mas uma coisa ela conseguiu: abriu as portas para que também todas nós, suas amigas, conseguíssemos convencer nossas mães de fazer maiôs iguais para nós.
E foi assim que o maiô duas peças estreou em Montes Claros.
Às 16h soava o apito e estava encerrado o horário feminino; algumas mais afoitas desafiavam e continuavam a nadar, até que eram admoestadas pessoalmente por “Sabú” e saíam da piscina.
E a tarde continuava com o jogo de Ping-Pong onde moças e rapazes flertavam, conversavam, e onde muitos namoros começaram.
Como a vida era simples sem o consumo exagerado de hoje e, como éramos felizes com tão pouco.
Hoje, aquela geração já se dispersou; alguns morreram, outros mudaram da cidade, mas a lembrança do Montes Claros Tênis Clube está intacta, tão presente, tão viva quando se escuta “I only have eyes for you”, porque como disse a poeta maior Adélia Prado “o que a memória amou fica eterno”.

Carmem Netto Victória
Belo Horizonte, Junho de 2000.



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Por Carmen Netto - 11/9/2009 23:17:57
Reflexões do Cotidiano

Viajar é algo mágico. Uma sensação do incomum, do inusitado. Um ato que desperta os sentidos e apura as emoções, uma quebra radical da rotina. Mesmo que sejam poucos dias, levamos parte de nossa vida acondicionada em malas sobre rodinhas.
Cheguei no princípio da semana de Caldas Novas. Dez entre dez mineiros conhecem esse paraíso termal. Só que, dessa vez hospedei-me na colônia de férias do SESC. Local melhor impossível. A estrutura do complexo turístico, a organização, a limpeza, o conforto, a alimentação, nada a reclamar. Quando se conhece o SESC ou o SENAC, sentimos que fazem parte do Brasil desenvolvido, do país sério que merecemos, principalmente nesses dias que a cada hora explode um escândalo no setor público.
Em pleno cerrado, uma ilha verde, paisagismo digno de um Burle Marx! A beleza natural das árvores, o perfume e o colorido das plantas e flores, passarinhos em profusão. A poesia da vida, um vento de felicidade e calma me envolve, os sons da natureza me enfeitiçam. É um lugar para viver dias de paz, de agradecimento, aconchego, ou simplesmente ser feliz!
Andando por suas instalações me deparo com a sala de leitura onde revistas semanais ou revistas alternativas são um convite à leitura. Poltronas confortáveis para ler, computadores e livros são uma tentação para sair das piscinas. Lazer e cultura, uma dupla imbatível. Mais adiante a Biblioteca Bernardo Ellis, escritor goiano, orgulho do seu estado, que ocupou a cadeira nº 1 da Academia Brasileira de Letras. Uma biblioteca é um lugar sagrado, pois a leitura é como o vinho e o pão, embriaga e alimenta. Sempre que leio um livro, ele começa a fazer parte de mim. Nas estantes, livros da melhor literatura brasileira e estrangeira.
À beira de uma das piscinas, sob uma frondosa jaqueira, estava lendo a revista “Época” de 10/08/09. Nela está o artigo “Prosa, Poesia e Política”. Aborda a eleição do médico Pedro Kassab, pai do prefeito da cidade de São Paulo, Gilberto Kassab, para a Academia Paulista de Letras, sem nunca ter publicado uma obra sequer. Na A.B.L, entre os políticos de fardão, está o Coronelão do atraso, o presidente do Senado, José Sarney, cuja biografia política é uma vergonha! O dito senhor escreveu 13 livros de poesia e prosa. Não conheço ninguém que os tenha lido, mesmo o mais conhecido, “Marimbondos de Fogo”, que, com certeza, deveria se chamar marimbondos da corrupção, ou os marimbondos nada sabiam. Mas, o poder inebria, o sucesso é temporário e, um dia a verdade aparece, porque essa é eterna, Não consigo entender como dois grandes intelectuais brasileiros, o crítico literário Antônio Candido e o poeta Ferreira Gullar – esse sim, um maranhense digno de respeito, um escritor admirável, não conseguiram entrar para a Academia Brasileira de Letras. Mário Quintana, um dos maiores poetas do Brasil, tentou fazer parte da Academia por duas vezes e não conseguiu ser eleito. No entanto, o Soba do Maranhão, desde 1980, lá está na cadeira 38. Acredito que o maior dos nossos escritores, Machado de Assis deve estar se revirando no mausóleo da Academia no Cemitério São João Batista, e, mesmo sendo o bruxo do Cosme Velho não conseguirá reverter essa situação.
A crônica é um olhar sobre a vida, às vezes uma conversa, ou às vezes um desabafo. Comecei falando da Colônia de Férias do SESC em Caldas Novas, um lugar paradisíaco e termino indignada questionando a presença do Senador José Sarney, presidente do Senado, que não se sente culpado de nada, seus servos decretaram que nada houve. E também sua presença na Academia. Tomara que a ABL seja mais criteriosa em suas escolhas, que saiba separar o trigo do joio.
Como sou otimista por natureza, e num país onde existem o SESC e o SENAC não se deve perder a esperança. Quem sabe esses microcosmos ensinem ao macrocosmo como administrar com ética, justiça e responsabilidade os bens que são de todos os brasileiros


P.S. Dados retirados da reportagem Prosa, Poesia e Política – Revista Época – em 10/08/09.


47618
Por Carmen Netto - 3/7/2009 22:47:48
UMA LADY MONTES-CLARENSE

Dia 21 de Junho de 2009, com uma missa solene na capela do colégio Imaculada Conceição, inciou-se a comemoração do centenário da grande cidadã Felicidade Perpétua Tupinambá. Como fui sua aluna no primeiro ano do curso de Formação de professores deste colégio, me irmanei de coração em reverenciar uma mulher que foi um exemplo para sua geração: competente, solidária, intuitiva, tinha o dom de ouvir e cooperar.
Bem guardado está o que fica no coração e na memória como pessoas com as quais convivi e que deixaram exemplos a serem seguidos. Dona Feli, ocupa nesses espaços um lugar especial.
Sempre escrevo escutando música. Escolhi para falar sobre Dona Feli “Clair de Lune” de Debussi. Essa música é ela: serena, tranqüila, sonhadora. Escrever sobre Dona Feli, é escrever lembranças com afeto e com carinho. Ela era diáfana como a lua, seus cabelos dourados como o sol do inverno e, a voz mansa como a luz das estrelas.
Dona Feli- não sei chamá-la de outro jeito – era nossa professora de Educação Artística. A matéria por si mesma era muito agradável, a professora mais ainda e aprendíamos com ela o famoso tripé: hábitos, atitudes e habilidades. Sempre comentávamos sua classe, sua educação. Éramos incapazes de um comportamento inadequado. Dizíamos que Dona Feli já nasceu educada.
Ao lado de aulas enriquecedoras, eu adorava observar suas roupas sempre combinando com o sapato de salto alto, maquiada discretamente e no cabelo preso junto a nuca um laço de veludo preto ou uma presilha de tartaruga. Usava também um clássico colar de perolas e de vez em quando uma camélia branca. Era o que se denomina hoje, uma mulher classuda.
Não sei como agradecer a essa professora o presente que me deu no limiar da juventude. Como lecionava Educação Artística, nos levou a descobrir a essência de um poema, de uma paisagem, de um texto literário, de uma pintura ou de um bordado. Em suas aulas ensinava etiqueta, a arrumar um vaso com flores naturais, dava noções de decoração – o belo era sempre valorizado - sem saber nós aprendíamos noções de estética, pois ela nos levava à reflexão a respeito da beleza sensível e do fenômeno artístico.
Não esqueço de uma aula onde ela nos falou da luminosidade arrebatadora e do céu azul do mês de Abril, das noites frias e estreladas de Maio e dos entardeceres avermelhados de Junho. Quando estes meses chegam faço questão de vivenciar o encantamento da natureza. Graças a Dona Feli, aprendemos a ver e rever o mundo que nos cerca.
Abril de 1955. Lá se vão mais de cinqüenta anos. Ainda consigo recuperar pela memória afetiva a sensação que experimentei no primeiro dia de aula, quando retornei ao colégio, depois do falecimento de papai e, ela deu-me um abraço tão terno e profundo, que li em seu rosto o que hoje sei que se chama compaixão. Senti naquele momento, algo como um senso de cuidado, um senso de preocupação com o sofrimento e dores do outro. Aprendi que olhares e toques dizem muitas coisas.
Dona Feli, lecionou em todos os colégios da cidade; organizava festas e recepções, participava de saraus onde exercia a arte de declamar poesias. Tudo em Dona Feli era magia. Escreveu livros, ia a festas, trabalhava com o poder de se multiplicar por mil, tão distinta, tão leve, tão bela!
Hoje sei que em Montes Claros estava tudo que ela amava.
Dona Feli foi uma dama, uma lady. Essas qualidades evocam exatamente o lado mais doce e singular de sua personalidade. Mostrou que foi uma dama, exatamente pela elegância com que fez sua caminhada. E, sempre falou com o coração, porque tudo nela era coração!
Sua aluna agradecida

Carmen Netto Victória

Belo Horizonte, 24 de Junho de 2009



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Por Carmen Netto - 29/5/2009 19:42:47
PARA MINHA PROFESSORA ROSITA AQUINO

“O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa , sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”

Guimarães Rosa

90 anos de vida não é para qualquer um. Dona Rosita, além de ser uma protegida pelos deuses da genética, construiu sua vida sobre os pilares sólidos de nobres valores. Ela é a gentileza, a doçura, discrição, a simplicidade. Sempre me passou a imagem da professora ideal, que nunca trazia um motivo de amargura, antes, tinha um jeito sutil infinitamente delicado de tratar seus alunos. Dona Rosita faz parte do time de professores que plantam as sementes e elas enraízam dentro dos alunos, porque, acreditam que as verdadeiras aprendizagens passam pelo coração! E quantas lições aprendemos pelo coração nesta vida! Ela educava muito mais do que instruía. Ao lado do conhecimento em suas aulas não estimulava a competição, não fazia comparações, ela fazia seus alunos sentirem-se felizes. Estimulava à amizade, a compaixão, a solidariedade; e, o mais importante, mostrava a beleza da simplicidade, da vida com gosto de brigadeiro, pipoca e algodão doce.
Era o ano de 1950. Numa casa antiga na esquina das ruas Pedro II com Camilo Prates funcionava o Grupo Francisco Sá. Estava cursando o quarto ano primário. Minha professora, Dona Rosita Aquino, plantou na alma de uma menina sonhadora, sementes que brotaram e floresceram. Desse tempo não há como esquecer as histórias emocionantes do livro “Coração” de Edmund D’amicis que ela lia a cada sexta-feira e, continuava nas seguintes, pois as histórias eram imensas e belíssimas. Despertou-nos a sensibilidade da leitura de poesias. Lembro-me de “Os tamanquinhos” de Cecília Meireles, “A bola azul ”de Manoel Bandeira, “Pássaro cativo” de Olavo Bilac. A menina do grupo escolar cresceu achando que os livros são tesouros que ninguém pode roubar; e, hoje a arte da poesia e aquelas histórias e poemas vivem para sempre no adulto que a menina é. Outra lembrança: tínhamos dois cadernos do “Dever de Casa”. Dona Rosita levava-os diariamente para corrigi-los, e, era uma disputa entre nós que queríamos carregá-los até a sua casa na Dr. Veloso. Nem a fome nos impedia desse comportamento, porque era uma maneira de agradecer a quem queríamos tanto.
Querida Dona Rosita, quando li seu belo convite, fiquei tão emocionada em fazer parte da sua vida em algum momento! Infelizmente, não pude compartilhar pessoalmente da alegria do presente que Deus lhe concedeu: 90 anos de uma vida digna e exemplar! Aqui do meu cantinho escuto em sua homenagem “Aquarela do Brasil” que é o hino da alegria do brasileiro e, eu estou super feliz em homenagear uma professora que ajudou a construir esse país! Aproveite o seu dia de rainha! A senhora o fez por merecê-lo!
Existe ainda uma menina que me povoa. Continua alegre, amorosa, mergulhada em fantasias. Sexagenária, sonha com futuro promissor. Fazer o que... E é essa menina que foi sua aluna e a quem mostrou tantos caminhos que agradecida se atreve a dar-lhe algumas sugestões. Ter o privilégio de fazer 90 anos, lhe dar o direito de ter todo o tempo para a senhora e para os que ama; jogar conversa fora com os amigos; não querer escutar os problemas com muito detalhe; fazer de contas que não ouve quando o assunto é desagradável; não escutar as declarações da maioria corrupta dos políticos brasileiros; não cumprir formalidades nem sofrer à toa; e não se assustar com mais nada.
É viver como diz a letra da música: “Ando devagar porque já tive pressa”.

Com gratidão da aluna

Carmen Netto Victória



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Por Carmen Netto - 15/5/2009 20:26:13
O Livro Mágico: Tesouro da Juventude

“Os tempos mudam. Hoje em dia, se sabe em segundos o que ocorre no mundo. Entre os anos 20 e 70, o “Tesouro da Juventude” cumpriu papel essencial na formação de gerações de brasileiros, não apenas trazendo novidades tecnológicas, novos hábitos, novos conceitos.” Esse preâmbulo é para contar a importância dessa coleção em minha vida. Ganhei essa coleção de minha Tia Amélia, que por sua vez a ganhou do meu pai quando estudaram na Escola Normal de Paracatu. Eram 18 volumes em capa preta, dura, da W. M. Jackson Editores, edição de 1925, ainda com a ortografia antiga, e impresso na Inglaterra. Quando menina, eles ficavam numa pequena estante da sala de visitas de Tia Amélia e eram liberados para mim e minhas amigas lê-los. Eu amava a cada um daqueles maravilhosos volumes, foi a coleção de livros mais importante da minha vida! Tinha duas companheiras que também adoravam “O Tesouro da Juventude”: Marilda Versiani e Layce Tourinho. Em companhia delas, ficávamos horas lendo e usufruindo da beleza de suas ilustrações, verdadeiras obras de arte. Os volumes continham uma seqüência de temas: “O Livro da Terra, O Livro da Natureza, O Livro de Nossa Vida, O Livro do Novo e do Velho Mundo, O Livro dos Por quês;” os que eu mais gostava eram os livros: dos contos, os livros de poesias e belas ações e ainda o livro dos clássicos. No livro dos por quês, encontrávamos perguntas assim: Por que os relógios andam? Qual a causa das miragens? Era uma festa quando Marilda, Layce e eu comentávamos o que líamos. A primeira vez que li “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Caroll foi no Tesouro da Juventude. Não entendi nada, acho que até hoje não consegui entender essa história. No livro da poesia, desenvolvi meu gosto pela beleza, pela rima. Não esqueço de Vovó Zininha lendo para mim as poesias de Guerra Junqueiro e Castro Alves, onde com voz dramática e teatral aumentava o encanto da poesia. As ilustrações a bico de pena, a reprodução de quadros famosos, as gravuras em cores eram de uma beleza indescritível.
Quando Tia Amélia mudou-se para Belo Horizonte, em 1974, ela entregou-me os 18 volumes do Tesouro da Juventude. Foi como se ela me devolvesse a infância! Nessa época, morava em Diamantina, onde trabalhava em dois horários e estudava à noite. Sobrava pouco tempo para ler. Mesmo assim, sempre que podia, lia algum volume e o encantamento era o mesmo. Em 1980, mudei-me para Belo Horizonte. Saí de um sobrado de mais de 20 cômodos para um apartamento de 130m2. Precisava fazer uma triagem do que poderia levar. Naquele momento de mudança, preocupação de sair de uma cidade tranqüila para a cidade grande, deixe para trás meu Tesouro da Juventude e doei a coleção para uma vizinha. Naquele momento, não raciocinei a besteira que fiz. Quando a vida assentou, atentei com o absurdo que cometi. Podia ter trazido a coleção, recuperá-la e tê-la comigo; um verdadeiro tesouro, mesmo que escrito em ortografia antiga!
Como Inês é morta, e como não adianta chorar o leite derramado, fui atrás da vaca para arranjar outro leite. Campeei por todos os sebos de Belo Horizonte. Não achei a coleção antiga. Contentei-me com uma do ano de 1955, em outro papel e com gravuras bem pobres. A tristeza tomou conta de mim. Naqueles 18 tesouros, aprendi a viajar por meio dos livros, eduquei minha sensibilidade e aprendi todo o conhecimento do mundo contido naquelas páginas.
Hoje, quando folheio um de seus volumes, vejo três meninas encantadas lendo “As mil e uma noites, Rapunzel, As Fábulas de Esopo”e sinto uma felicidade como se o tempo não tivesse passado. Lá estava eu, íntima de Sherazade, do Gato de Botas e tantos outros personagens. Uma voz me chama, volto à realidade. Envelheci muitas décadas, mas continuo uma mulher feita de poesia e encantamento, graças ao Tesouro da Juventude.


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Por Carmen Netto - 8/5/2009 20:37:56
A sapataria de Tião Boi

Com a idade, descubro que estou cada vez mais enraizada na minha terra e tento seguir a velha sabedoria de Tolstoi “Se quer ser universal canta a tua aldeia”. E, é o que tento tentado fazer. Montes Claros não é uma cidade, é um estado de espírito. É uma frase feita, mas é verdade.
Lendo a encantadora crônica “Viagem pelas ruas de Montes Claros”, de Raquel Souto Veloso, senti uma saudade boa, sem ranço de saudosismo. Um ventinho inesperado soprou e trouxe aquele pedaço da Rua 15 (Presidente Vargas) entre Afonso Pena e Dr. Veloso, onde nasci e vivi. A vida consegue reduzir décadas a fragmentos, a breves “insights”. Quando ela se referiu a Tião Boi, na sua sapataria do tamanho de um ovo, cheia de rapazes, não resisti e pensei: tenho que escrever sobre o amigo Tião, nosso vizinho querido que chamava mamãe e suas irmãs de tia. A sapataria era um reduto masculino, um clube do Bolinha. Eu a freqüentava para Tião colocar meia-sola nos meus sapatos para durarem mais seis meses, ou chamar Paulo – meu irmão-, naquele tempo, Paulinho.
Pedi a Paulo para descrever como era a sapataria, o relacionamento de Tião com a meninada, quem a freqüentava, etc...
A sapataria de Tião era o Templo do Futebol. Flamenguista doente, Tião Boi não admitia nenhuma crítica ao seu Time do Coração. Tinha normas severas para aquele local: não permitia palavrões, orientava os meninos para estudarem. Tião Boi era o técnico de futebol de salão do Cassimiro de Abreu, função que exercia com a maior responsabilidade. Antes das partidas, fazia uma pré-seleção tão demorada que aumentava a ansiedade dos seus pupilos. Também um de seus maiores orgulhos, era ter formado no Tiro de Guerra 87 com zero ponto, onde foi colega de Bonga e de Rui Mai A memória, às vezes, nos faz cometer injustiças, mas lembro da meninada/rapaziada que freqüentava a “Sapataria Nossa Senhora de Fátima”.
Dêca Rocha, Fernando Gontijo, Dim Pimenta, Bráulio, Lourinho, Nelson (filho de Seu Santinho), Eunilson Neguim, Antonio Carlos Dias (Tone), Felipe Gabrich, Paulinho – que eles apelidaram de cães, não sei por que – Dinga Pinheiro, Ronaldo Alcântara, Augustão Bala Doce, Flávio Pinto e Tak Maia. Se esqueci algum, não foi por querer.
Naquela pequena sala, ficava a banca de Tião, e ao lado bancos e tamboretes onde essa rapaziada ficava. Na parede, um quadro de Nossa Senhora de Fátima e do time do Flamengo.
De vez em quando, Tião aparecia em nossa casa, tomava seu cafezinho, e muitas vezes consertava a bucha de uma torneira, trocava um fusível. No final do ano, vinha todo orgulhoso me contar: - Carminha, esse ano vou formar cinco: dois médicos, dois engenheiros e um advogado. Ele sentia como se tivesse contribuindo de alguma maneira na formação desses jovens que conhecida desde adolescentes.
Às vezes, na sapataria, acontecia algum fato jocoso. Tião Boi tinha uma alergia fortíssima por sapos e gias. Bastava só enxergá-los para empolar imediatamente. José Américo Soares (Nonô) era dono do Mangueirinha e mandou para ele uma caixa. Nesta caixa, uma enorme gia pulava, e Tião empolou na mesma hora e por muitos dias curtiu raiva de Nonô. O tempo passou. Tião Boi partiu para a Pátria Eterna; deve ter se encontrado com Dêca Rocha, Fernando Gontijo, Dim Pimenta, Lourinho e, acredito que continuaram cultivando a paixão pelo futebol e por Montes Claros. A sua meninada/rapaziada seguiu caminhos diferentes, carreiras diversas, realizaram sonhos, outros não; tenho certeza que eles guardam essas lembranças permeadas de felicidade. Tião Boi, coisas simples que nos prendeu a raiz indicam: sou desse lugar, pertenço a ele, por mais que tenho andado; e, ao lembrar-me de você, na sua sapataria, minhas raízes se fortalecem mais ainda.


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Por Carmen Netto - 6/3/2009 22:28:18
Mês, Março, Mulher, Marias

Qual o peso que as mulheres podem suportar? Que pecados a mulher tem que expiar num mundo tão hostil? Por que não existe uma Delegacia do Homem? Quantos ofícios de trevas terão que viver para encontrar a justiça da igualdade?
- Não consegui responder. Fui atrás de Cora Coralina, Adélia Prado, Lia Lufti, isabel Allende, Léa Maria Aarão Reis e Cecília Meireles.
Fui atrás dos caminhos, das veredas, dos atalhos que essas mulheres maravilhosas descortinaram para nós. Cora Coralina definiu que ser mulher é fazer a escalada da montanha da vida, removendo pedras, plantando flores e fazendo doces.
Adélia Prado me ensinou a simplicidade quando escreveu: minha mãe cozinhava exatamente arroz, feijão-roxinho, molho de batatinhas. Mas cantava. Ensinou-me também a ser desdobrável, a fazer peixes que os maridos pescam, a morar numa casa que está sempre amanhecendo, a curtir poemas e procissões.
Isabel Allende ensinou-me sentir a maturidade como uma viagem para dentro e o começo de uma nova forma de liberdade: poder usar sapatos confortáveis, não ficar escravas de dietas radicais e nem agradar a meio mundo. Com Lia Lufti aprendi: amor aos amigos, amor à casa, amor ao trabalho, a alguns projetos, amor à vida simplesmente e amor a si mesma. Aprendi também que vivemos esmagadas por preconceitos. Um deles é que a vida acaba quando se tem uma grande dor, ou deveria acabar quando chega a vez das rugas e da flacidez.
Léa Aarão Reis no seu livro “Maturidade” foi um facho de luz nos mostrando que temos a história nas costas, para não dizer no ventre. Através da menopausa, a natureza diz que a mulher deve, nesse momento, ir ao encontro dela mesma.
Cecília Meireles escreveu, referindo-se à mulher: “Como deixar-se cortar toda e voltar sempre inteira’ no seu poema “Primavera”.
Espero que esta colcha de retalhos dessas mulheres iluminadas, nos façam enxergar o mundo de maneira diferente e encontrar forças para continuar lutando, tentando enfrentar os preconceitos.
Costurei essa colcha de retalhos com fios de esperança, coragem, fios de cores variadas. Transformamo-nos do sexo frágil, em guerreiras que trabalham para serem independentes, que conquistam a maioria dos lugares nas faculdades, mas sempre tentando construir um mundo melhor. Mesmo com todos esses desafios somos capazes de conciliar jornadas de trabalho, sem querer ser a mulher maravilha. Procuramos levar uma vida menos estressante. Contemplar em clima mais ameno o luar que desponta dentro de nós e o arco-iris que transforma uma alma cinzenta, numa alma que se permite colorir a vida.
Temos que aprender a conviver com a revolução dos hormônios, sermos profissionais, cuidar com carinho de nossa casa, ser arrimo de família, enfrentar a luta dobrada de uma mãe solteira, aceitar com o coração a gravidez de uma filha adolescente e tantos mais desafios que a vida nos oferece. Mesmo assim, saber por as pernas para o alto, porque ninguém é de ferro – E sonhar, sonhar sempre. Para enriquecer nosso Oito (8) de Março, o lindo poema “O Mundo de Maria” de autoria de Therezinha Mello Urbano de Carvalho, mineira de Araçuaí.

O Mundo de Maria

Maria / Maria, que tristeza é esta / liberte-se da triste poeira da vida. / envolva-se em poeira de estrelas, / escute a canção do vento, Maria, / Não deixe a vida passar... / Maria, Maria, ”quem tudo quer, tudo perde’ / Corte faíscas dos raios, os laços do egoísmo /Teça a vida com fios de amor. / Maria, Maria, “quem não arrisca, não petisca”. / Coragem, enfrente a vida! / enfeite os cabelos com as fitas dos relâmpagos, / dance ao som dos trovões, / beba as gotas de vinho da chuva. / Faça de sua vida uma festa, / assim será feliz. / Abra a janela da alma, / enfeite-se com gerânios, / E sentirá como a vida é bela. / E quem é Maria? Maria sou eu, / Maria é você, / é aquela do outro lado do mundo... / de olhos puxados, negra, branca, amarela. / Às vezes sofridas, às vezes felizes, / são todas Marias... / Forte como um galho, / flexível como um bambu, / cheirosa como uma rosa / esperta como uma gazela. / Maria, mulher do 3º milênio! / Dócil, meiga, astuta, / profissional atuante, mãe presente. / Maria feminina / Maria mulher. / Absolutamente Maria!

Carmen Netto Victória
Março/2009


43635
Por Carmen Netto - 20/2/2009 23:38:55
Retornando...

Passei semanas inteiras tentando descobrir que assunto abordar neste retorno. Foram dias e dias com a folha em branco a desafiar-me e nada conseguia. A chuva, praticamente em tempo integral, concorria para o desânimo em sair de casa. Hibernando com um urso, me postei ante a televisão e, tome noticiário! Genocídio na faixa de Gaza – crianças, mulheres, velhos e jovens – abatidos sem piedade. Hoje o Deus é o mercado, reduzem-se os valores, fala-se demais, ama-se raramente e odeia-se com muita freqüência.
Mais forte que o massacre de Gaza, mais forte que a posse do Presidente Barack Obama, a crise econômica dos E.E.U.U, com seus tentáculos, tomou conta do mundo. Como de economia só entendo que não posso gastar mais do que ganho, achei que seria um bom momento para aprender alguma coisa do “economês”. Cada economista expunha sua teoria sobre essa convulsão que abala o mundo. Bolsa sobe, Bolsa despenca, bolha imobiliária americana arrebenta, desemprego, bancos quebram, “stread” – que bicho é isso? - será a repetição de 1929? Quando percebi, senti-me envolvida por um pessimismo que criava um vazio mental. E, descobri que era o lamento, o choro da alma, e, é a ela que precisamos dar ouvidos.
Como vivemos no país de Alice das maravilhas, nosso dirigente maior apregoava para nós brasileiros que a crise seria apenas uma “marolinha”... “Claro que acreditei”...vivendo numa ilha da fantasia, existe no Estado de Minas Gerais um tropical Vale do Loire, onde se construiu um imenso castelo medieval, com jardins no estilo francês, financiado pelos vassalos brasileiros do nobre senhor feudal!
Um conflito entre o princípio número um da sociedade em que vivemos – ganhar dinheiro, aceitar a corrupção – e os valores que sedimentam nossa existência tomou conta de mim. O desalento, a frustração, a angústia paralisaram-me. Neste momento lembrei-me de uma frase de Frei Betto em que ele diz: “Acolher-se ao silêncio interior é sempre um excelente ponto de partida.” Dei-me um tempo. Continuo sendo dona e senhora da minha vida, é de mim mesma que depende o futuro, a minha saúde, as coisas que elegi sozinha. Da minha liberdade cuido eu!
Fui à locadora e aluguei o filme “Ao entardecer”, indicado pro minha filha. Foi como uma aragem que levou para muito longe a frustração, o medo de uma epidemia que faz com que a todo momento sintamos que a morte nos ronda.
O filme exalta o direito de recordar situações do passado com delicadeza, o direito de mergulharmos em lembranças que nos reconstroem. O filme enfoca marcas que carregamos pela vida, um passado de suspiros e nem sempre de sonhos realizados. Uma forma corajosa de enfrentar a vida. Os tempos mudaram. O bem comum, a moderação, a simplicidade não são objetivos atuais. Perdemos as pequenas delicadezas do dia-a-dia: sentar para tomar um café, escutar Caetano e Roberto Carlos cantando juntos, ver o pôr-do-sol. Perdemos a magia, o encantamento, as relações de parceria e solidariedade. A felicidade é de quem se satisfaz com aquilo que tem. É agradecer a Deus por tudo de bom e ruim que acontece em nossa vida. Aí sim, qualquer coisa que vier é de bom tamanho. Não se pode ser completo, ter tudo nesta vida. Em tempo: A felicidade não se compra, ou os americanos não estariam nessa. Faça do limão da crise uma limonada, mas lembre-se: viver é muito mais!
Sintetizando esse momento, nada melhor que poema de Fernando Sabino:
“De tudo ficaram três coisas:
A certeza de que estamos começando...
A certeza de que é preciso continuar...
A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar.
Portanto, devemos
Fazer da interrupção um caminho novo...
Da queda, um passo de dança...
Do medo, uma escada...
Do sonho, uma ponte...
Da procura, um encontro!”

Carmen Netto Victória, Fevereiro de 2009.


41798
Por Carmen Netto - 19/12/2008 23:01:00
Natal Revisado

Mundo globalizado, tempos modernos, no entanto, a tradição do Natal sobrevive graças às raízes fincadas na alma daqueles que fazem questão de celebrar o nascimento de Jesus Cristo, o começo de novo ciclo. Ao lado da família, todos se unem num momento de agradecimento e fé em Deus, na vida e nas pessoas
É época também de troca de presentes, de muita alegria e ação de graças; uma comemoração marcada pelo sentimento de paz, amor e esperança. São horas nas quais as pessoas voltam seus espíritos para as coisas boas, refletem sobre tudo que viveram ao longo do ano e tendem a se mostrar mais solidárias, ajudar o próximo. São lembranças e rituais tão profundos que, mesmo com a falta de respeito, o consumismo exagerado e o desprezo a determinados valores estão vivos, porque a lição do Advento quer dizer perene renovação.
A emoção que costuma invadir os corações nesta época do ano, nos une neste momento. Celebramos a amizade, a solidariedade, a doação que vivenciamos durante o ano, onde mãos e coração criaram arte e beleza em favor do próximo.
É Natal. Tempo para dar e receber, sorrir, abraçar, celebrar, refletir. Tempo para renovar dentro de nós a fé e a vontade de fazer juntos, do mundo em que vivemos, um lugar do bem, uma terra de irmãos, porque uma criança nasceu em Belém. Faz muito tempo já, que ela nasceu.
A criança tornou-se homem e tornou-se Deus. Seus pés criaram o caminho, sua boca proferiu a verdade. Seu peito abrasou-se do amor que é vida em perfeita abundância.
O natal é um momento de muita intensidade para todos nós. O apelo à solidariedade e ao afeto vem acompanhado de uma espécie de exame de consciência. Pensamos no ano que está terminando, damos uma pausa nas atribulações do dia-a-dia e formulamos planos para o novo ano.
Vamos nascer e renascer nas velhas e novas amizades, vamos vivenciar um tempo de criar e confirmar as nossas alianças, nos dando as mãos e agradecendo a oportunidade que a vida nos dá de nos tornarmos melhores em nossa caminhada, pois só amealhamos riquezas nos doando. Mais importante que as luzes da cidade, é a luz do Cristo em nossos corações.
Peço emprestado ao Poeta Antônio Augusto Souto a última estrofe do seu poema “Minha Noite de Natal” que sintetiza a magia e o espírito dessa noite de amor.

“Ainda terei outras
tantas noites de Natal.
A deste ano, no entanto
quero-a profundamente,
uma noite especial.
Que tenha a magia Santa
de todas as que se foram;
que represente reencontro
redescoberta... ou coisa afim.
Quero alegria cristã
na alma da humanidade.
Quero espírito natalino de verdade
nos que amo
e em mim.”

Carmen Netto Victória
Natal 2008


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Por Carmen Netto - 8/11/2008 08:09:30
Nazaré Prates – Vida e Trabalho – Sonhos e Realizações


Bendito fruto é um olhar para o que acontece à nossa volta, para pessoas que estão ao nosso lado, descobrindo perto da gente histórias de vida exemplares. Instantes que existiram há muito, ficam conservados na memória e se rompem em datas festivas.
Dia 29-10-08 é um desses instantes. Neste dia, uma menina viu a luz e apresentou-se à vida. Recebeu o nome de Nazaré, a cidade onde nasceu e viveu a Virgem Maria. Filha de “Seu” Egídio Prates e Dona Catarina. Perdeu a mãe muito cedo e, junto com seus irmãos, foram educados por Dona Pretinha, sua avó, a quem chamavam de Dindinha.
O trabalho, a dignidade, a honradez eram o eixo daquela família lutadora. Como toda casa montesclarense, a sua vivia envolvida pelo aroma de bolos, broas, doces, compotas e, é claro, pelo biscoito de farinha feito por Dona Pretinha, e eram vendidos no café do seu irmão Zim, o “point” mais tradicional da cidade.
Nazaré, alegre e animada, iniciou o aprendizado do mundo no trabalho, na responsabilidade. Na adolescência, junto com sua vizinha e amiga Moema Versiani dos Anjos, viveu muitos encantamentos. “Footing” na Rua 15, bailes no Clube Montes Claros e dos Bancários, filmes românticos nos Cines São Luís e Cel. Ribeiro! Também a praça de esportes fez parte de sua vida.
Quando menina, ia com Moema levar, diariamente, pastéis, bombinhas e doce de leite cortado – tudo uma delícia – que Dona Nonó fazia e vendia no Bar do “Seu” Tito, seu esposo. Moema e Nazaré paravam, tiravam o papel de embrulho cor-de-rosa que cobria as bandejas e desfalcavam os doces e salgados. Chegando ao Bar do Norte, “Seu” Tito, com sua mansidão, falava: vocês não comeram nada, tirem um pastel e um doce e podem voltar para casa. Assim que saiam do bar, era só uma gargalhada e no dia seguinte repetiam o mesmo comportamento.
A adolescência dá lugar à juventude. Novas amigas, entre elas Lívia Oliveira. Juntas participam dos Clubes Volantes, Figueira, It Clube, Gardênia que faziam festas encantadoras e inesquecíveis nas residências da cidade.
Chega o momento da profissionalização. Começa sua estrada de banqueteira fazendo cursos com Dona Aparecida Cançado, D. Geraldina Maia. Com a perfeição de mãos abençoadas, cria, transforma receitas em doces e salgados dignos de qualquer mesa exigente e sofisticada.
O irmão Zim casa-se com Duca Lopes e juntos ampliam o bufêt que recebe o nome de “Duca e Nazaré”. E, uma força coletiva uniu a família. Se completam. Surgem os sobrinhos e a nova geração veste a camisa. Mais conquistas, mais vitórias! Administram o restaurante do Automóvel Clube. Constroem a sede para recepções e dominam todas as maravilhas da culinária. Viagens aos grandes centros do País para reciclar e acompanhar a realidade desse novo mundo globalizado.
E o bufêt “Duca e Nazaré” se torna um dos preferidos da cidade e também do Norte do Minas para festas de aniversário, casamentos, batizados, ou qualquer outra comemoração.
A competência profissional, o trabalho do dia-a-dia não fez Nazaré perder nada no caminho. Não deixou de curtir o que a vida tem de melhor, não abriu mão de outros investimentos.
Nazaré encarna o essencial da alma montesclarense: gente que gosta de trabalhar, produzir, respeitar e ser respeitada.
Desde a primeira respiração, do primeiro choro agradeceu o dom da vida, agradecida de ter nascido numa família, produto de amor, solidariedade e união.
Duca partiu muito cedo, mas seus filhos Joãozinho, Catarina e Ângela, junto ao Pai e Tios, mantêm a chama e honram o nome de sua mãe, que junto ao de Nazaré alcançam vôos cada vez mais altos.
A vida e a festa continuam. Cercada dos irmãos e sobrinhos, formam uma corrente fraterna que, junto aos amigos agradecem por sua vida. Vida de uma mulher guerreira, corajosa, vitoriosa e consciente “de que tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.

Parabéns! Felicidades!


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Por Carmen Netto - 24/10/2008 17:10:22
“Vou-me embora prá Pasárgada”

“Vou-me embora prá Pasárgada / Vou-me embora prá Pasárgada / Aqui eu não sou feliz / Lá a existência é uma aventura / ... Farei ginástica / andarei de bicicleta / montarei um burro bravo / subirei no pau-de-sebo / tomarei banhos de mar! / E quando estiver cansada / Mando chamar a Mãe d’água / pra me contar as histórias / Que no tempo de menina / Rosa vinha me contar / Vou embora prá Pasárgada”.
O noticiário sobre a crise financeira amainou e foi substituído pela tragédia de Santo André, um seqüestro acompanhado de morte que traumatizou o país; sem contar o festival de baixarias na campanha política. Não se apresentam programas de governo e as agressões pessoais permeiam todas as falas. Para conquistar o poder, vale tudo!
Ninguém se engana quando consulta o coração, porque ele é sábio, não precisa ficar pensando, elaborando, raciocinando. Em meio a um mundo tão insano, a esse ódio e violência que levam aos grilhões da intolerância me perguntei: Por que não vou prá Pasárgada a procura de paz e tranquilidade? Uma vozinha lá de dentro me respondeu: não se perca em metáforas, põe os pés no chão e encare a realidade do momento em que vive. Não dei confiança, inconformada entrei no túnel do tempo a procura do arco-iris que me levaria prá Pasárgada, aquele mundo mágico onde se vive sem medo, dorme-se sob a luz das estrelas e levanta-se com o azul das manhãs.
Escuto o poeta me chamar: - Menina, o que fazes por aqui? Como chegastes? Há tanto tempo ninguém aparece por essas bandas! Respondo que consultei meu coração, e, como não conseguia ter paz num mundo em guerra e não querendo dramatizar a vida mais do que ela já é, lembrei-me de Pasárgada e cá estou. O poeta deu aquele sorriso de cumplicidade e me disse: - Fique a vontade, o tempo que quiser. “Em Pasárgada tem tudo / É outra civilização”.
Sento-me em um banco, sob um jasmineiro e o seu perfume transportou-me para outros tempos mais felizes. Recordar é apaziguar. O ato de recordar é saudável, nos acolhe fortalecendo os laços de ternura. Naquele momento de plenitude, lembrei-me que estamos no mês de Outubro, mês que homenageia a Mãe Aparecida e os professores. Vieram à lembrança todos que me educaram e lembrei-me especialmente de D. Lili Madureira que me alfabetizou, D. Rosita Aquino com quem concluí o primário e D. Arlete Macedo minha alegre professora de canto orfeônico. Todas vivas, saudáveis, lúcidas e de bem com a vida. Elas me mostraram as promessas contidas nos livros da infância; ensinaram-me a valorizar a música, a leitura, os valores cívicos, a ética. Elas educaram e não apenas transmitiram conhecimentos. Essas professoras tinham luz própria, magnetizavam os alunos e nos mostraram o amanhã de nossa geração e, por isso, elas moram num lugar bem ensolarado do meu coração.
Não sei quanto tempo fiquei em Pasárgada, pois estava além do tempo e do espaço. Tive a sensação de eternidade, de leveza, de que a vida é uma manhã luminosa de Abril. Reciclando sentimentos, reencontrei-me. Despeço-me do poeta mais leve que um vôo de borboleta. Agradeço-lhe por ficar num canto secreto do seu paraíso, passeando entre lagos e jardins floridos. Acalmei minha alma para enfrentar o peso desses dias.
Compartilho a dor das famílias de Eloá e Nayara. Eloá já está em sua Pasárgada, e o gesto solidário de sua família em doar seus órgãos, me devolve a fé e a esperança de um mundo melhor!
Volto para casa, deixo o sol e o vento entrar e soprar o medo, a angústia, a revolta ante toda violência que veio se acumulando nesses dias de tantas dúvidas e inseguranças. E, novamente, lembrei-me do poeta.”E quando eu estiver mais triste / mais triste de não ter jeito / Vou-me embora prá Pasárgada“!


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Por carmen Netto - 12/9/2008 20:22:24
Cidade Magia

Dia 02.09.08, li no jornal “Hoje em Dia” uma crônica do ótimo Tião Martins, com o título “Além da Festa I” em que ele ressalta o privilégio de nascer em Montes Claros, ou da vontade de ter nascido ou vivido em Montes Claros. “Continua escrevendo que Montes Claros é surpreendente pela paixão sem limites que mobiliza pessoas nascidas naquela cidade de elevadas temperaturas tanto na rua quanto no coração do povo”. A crônica fala de um encontro em novembro de uma geração sexagenária.
Depois deste preâmbulo, confirmei na tarde desse mesmo dia a verdade dessas assertivas. Tomei um táxi em companhia de Cida Maia e Ana Eulina, esta, agregada muito querida às meninas de Montes Claros, para irmos ao aniversário de uma amiga. Calor de matar, umidade de clima de deserto e para completar trânsito engarrafado. Para passar o tempo comentávamos que só com a paciência de um monge Zem budista não iríamos nos estressar. O taxista, muito gentil e
educado, pediu licença e participou da conversa, dizendo que tinha passado uma semana no interior a 500 Km de Belo Horizonte e tinha regressado com a energia renovada, apto a enfrentar o trânsito caótico da cidade.
Cida perguntou-lhe aonde tinha ido, e ele respondeu: Capitão Enéas, no norte de Minas, onde um cunhado tinha um terreno. Na volta passou em Montes Claros para matar a saudade e fazer compras no Mercado Municipal. Era natural de Montes Claros. Identificamo-nos como Montesclarenses e foi uma alegria só! Esquecemos o calor, a baixa umidade do ar e o engarrafamento do trânsito. Este se apresentou como João Oliveira, mora aqui em Belo Horizonte há 38 anos. Veio para educar os filhos os quais, hoje, são todos formados e bem estruturados na vida, e daqui a dois anos irá se aposentar e voltar para o seu rincão.
Naquele momento, como num passe de mágica, um fio invisível nos uniu numa conversa animada e alegre. Acredito que o Montesclarense traz no DNA o perfume do Pequi, e desencadeia um clima que abre o coração e alma ao encontrar um dos nossos. Ele nos falou da fartura do Mercado Municipal e que trouxe tudo de bom que lá encontrou: Carne de Sol, Pequi (congelado), requeijão, queijo curado, andu, farinha do Morro Alto, beiju, cachaça, marmelada de São João do Paraíso, geléia de mocotó, maxixe etc...
Cida Maia, excelente gourmet e também gourmand – cozinha divinamente – começou a trocar receitas com nosso taxista. A conversa cada vez mais animada, o trânsito cada vez mais parado e nós cada vez mais falantes, tirando da memória afetiva os cheiros, os sabores e as cores do sertão.
Naquele instante fechei os olhos e num mergulho transitei pelas ruas, algumas calçadas, outras poeirentas, fiz curvas que ficaram registradas no meu ser. Montes Claros de minha infância era uma cidade provinciana, uma cidade muito humana em que um parava o outro na rua e dizia: Passa mais tarde lá em casa para um café, se abraçava e se dava as mãos. A cidade cresceu, é um pólo irradiador do progresso, um grande centro universitário, mas acredito que a proximidade continua através das gerações, dos amigos dos amigos. Mantêm com orgulho sua cultura regional e cultiva a disponibilidade em tocar o outro.
“Seu” João acalenta o sonho de retornar à Terra Natal. Está encantado com os novos bairros, as largas avenidas, mas tem uma reclamação a fazer: o descaso da municipalidade com a arborização da cidade. Praças antigas viraram cimentódromos como a Praça Dr. Carlos, e está preocupado com o que vão fazer com a Praça Dr. Chaves, onde namorou e viveu ternos momentos com sua hoje esposa.
Chegamos ao nosso destino. Saímos daquele táxi com uma saudade danada daquela cidade sertaneja, cercada pelos Montes Claros, e daquela gente que tem uma característica gastronômica peculiar e que tem como ritual realizar-se em torno de uma farta mesa. Nesta mesa, com todos os aromas e sabores da cidade, namora-se, joga-se conversa fora, fecham-se negócios, trocam-se receitas.
Uma saudade danada de uma gente chegada a serestas, poesias, festas de Agosto, lua cheia e amizade!
Um orgulho de encontros da prosa e do verso, de um sem número de artistas das letras da música, das danças folclóricas. Inspiração de Cyro dos Anjos, Darcy Ribeiro, Hermes de Paula, de Candido Canela e João Chaves.

Carmen Netto Victória
Set/2008


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Por Carmen Netto - 3/8/2008 11:36:52
Naqueles Bairros Afastados...

Há muitos anos não escutava a música “Velho Realejo”. Dia desses, escutei no rádio essa terna canção, e a lembrança dos bairros da minha infância aflorou e veio como flores ao vento.
Toda cidade tem paisagens, personagens, vivências. Recordações, pessoas, escolhas afetivas fazem parte da cidade de cada um. Tenho minhas próprias histórias nas quais tento resgatar a memória coletiva da cidade. As paisagens de Montes Claros continuam em minha memória e deu-me vontade de escrever sobre os bairros dos meus tempos de menina.
Tempos de mudança chegaram. O coração da cidade acelerou o crescimento num rítmo vertiginoso, criou dezenas e dezenas de vários bairros e o centro incorporou muito dos bairros antigos.
O Bairro dos Morrinhos era o mais charmoso da cidade. Na pequena colina dominada pela igrejinha construída por Dona Germana, visualizavam-se os Montes Claros e o casario da cidade. Era também local das serenatas em noites de lua cheia. A rua Melo Viana era a principal artéria do bairro, onde ficavam o cine Ypiranga, o Círculo Operário. Em igual importância a rua Bonfim que levava ao Cemitério Municipal. Nesta rua ficava também a Funerária de Leonel Beirão de Jesus. Eu tinha pavor quando passava por lá e via aqueles caixões e urnas. E me perguntava como Leonel conseguia unir aquele comércio indispensável à finitude da vida com a alegria exuberante de sua inesquecível boneca dançando ao som de marchas e dobrados, sob o espocar de foguetes. A linha férrea cortava a rua Melo Viana e os moradores conviviam com o apito das Marias fumaças alegrando o dia e embalando o sono à noite.
No bairro Santos Reis, a maior atração era a gruta de pedra construída ao lado da Igreja do mesmo nome pelo Sr. Pedro Mendonça. Na época do natal, as pastorinhas e a folia de reis cantavam e tocavam. Na simplicidade daquele momento, a fé fortalecia em nossos corações. A folia era composta de homens usando chapéus ramezoni ou de palha, trazendo uma toalha branca sobre o pescoço, tocando rabecas e violões. Toda a cidade se dirigia ao bairro Santos Reis para os festejos do natal. Na residência do Sr. Pedro Mendonça eram servidos salgados, doces e biscoitos. O povo não dava sossego, pedindo água, pedindo licença para usar o sanitário e era recebido com a maior cordialidade. Como as singelezas do cotidiano faziam parte dos habitantes da cidade!
No Roxo Verde, o nome mais lindo dos bairros montesclarenses, era o reduto da família Pimenta. Lá residia o Sr. Malaquias Pimenta, Juiz de Paz que fez milhares de casamentos em Montes Claros. No dia de Santo Antônio, em frente a sua residência, era feita uma fogueira com mais de dois metros de altura. Neste bairro foi construído o Colégio São José. Dentre os vários Montes Clarenses que se empenharam para trazer o excelente Sistema Marista de Ensino, destaco em especial o Sr. Gentil Gonzaga, cidadão exemplar que muito honrou nossa cidade.
Na Malhada de Cima, havia a Igreja do Bom Jesus, onde a seis de Agosto era realizada a festa do Bom Jesus. Dona Miquita Soares Costa, avó de minha amiga Lourdinha, era a zeladora e a guardiã dessa Igreja. Tenho ótimas recordações desse bairro. Em companhia de Lourdinha, íamos quase todos os domingos para a casa de seus avós. A partir de Novembro íamos chupar aquelas mangas dulcíssimas, sem agrotóxicos, lambuzando o rosto e escorrendo o sumo para os braços. Neste bairro foi construído o “Estádio João Rebelo” pelo Ateneu. Maria Vasconcelos nos levava para ver os jogos. O estádio feericamente iluminado, meninos vendendo pipoca, roletes de cana, torrado e a torcida rouca de tanto gritar, às vezes até escapando um palavrão. Nós não entendíamos nada de futebol. Nosso objetivo era ver Miltinho e Moacir Almeida, Ubaldino Pereira, Coronel, Sidney Almeida e tantos outros “gatos” daquele tempo.
No Santo Expedito, a igreja do mesmo nome e a residência do “Seu” Zeca Guimarães eram a referência. Na noite de São João, a família fazia fogueira, quadrilha e ia quem era convidado, e quem não era. Todos os pratos típicos de Junho eram servidos. Nessa época, não conhecia ainda minha querida colega Gêra, mas ia de carona com Hermínia Vasconcelos e suas irmãs que moraram uns tempos no Santo Expedito. Do alto de São João, lembro o aeroporto, onde fui muitas vezes esperar parentes que vinham “nas asas da PANAIR” e da Nacional. Quando tive coqueluche, voei várias vezes no Teço-Teco do “Seu” Maroto, pois diziam que era o único remédio que curava essa doença.
Naqueles bairros afastados, as casas tinham jardins, alpendres e quintais. Tinham mangueiras, tamarineiros, abacateiros e tinham muitas coisas que desapareceram. Fiz uma viagem sentimental pelos bairros e ruas. Lembrei velhos moradores, desvendei a geografia, mas também a alma, o sabor, o jeito da cidade, já que cada um vê e sente a seu modo o lugar a que pertence.

Carmen Netto Victória
Julho/2008



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Por Carmen Netto - 23/6/2008 18:02:25
Victor – Também menino pescador

Telefono para o amigo Reivaldo Canela para agradecer seu livro – “Menino Pescador” – e uma vozinha infantil atende ao telefone. Digo que quero falar com o menino pescador, e a vozinha responde alegre e firme: o menino pescador sou eu! Emociono-me com o orgulho daquela criança que se identifica como Victor, neto de Reivaldo e Shirley. Conversa como gente grande e lhe pergunto se não tem medo de enfrentar as noites nas margens do Rio Verde, e ele me responde: Não, estou com meu avô! Neste momento, a capa do livro resume o maravilhoso e inexplicável elo que une avô e neto. As lindas fotografias da capa e contracapa mostraram-me uma cena mágica: Reivaldo/Nivaldo ensina a Victor ler a natureza, ler o mundo
Começo a leitura comovida. Reivaldo preserva a capacidade rara de escrever com simplicidade e transforma suas narrativas em histórias do dia a dia. Alegres, saudosas, tristes, baseadas nos fatos que presenciou; suas palavras ganham sequência que não exigem qualquer esforço de leitura. Ele converte situações em sentimentos, é profundamente emocional e tem o mérito da generosidade dos que não temem compartilhar.
Tudo começa com um fio de água, logo são dois e três, água corrente, riacho, ribeirão, rio e tudo o que fica no coração e na memória transforma-se numa cachoeira e aos borbotões; lembranças, pessoas, familiares intercaladas de pura poesia prosseguem no livro e avivam a memória de quem também viveu aqueles tempos amenos e felizes. A Praça da Santa Casa sem calçamento, o Corredor do Melo com a cerca coberta por “São Caetano”, a estrada poeirenta onde afundávamos o pé.
Montes Claros tinha riachos, ribeirões que corriam num leito de seixos, entre matas siliares, samambaias, avencas e cipós. Pai João, Rio do Melo, Rio do Pequi, Rio Vieira... Ah! Meu Rio Vieira, que aos olhos mágicos da infância, era imenso, correndo com suas águas verde-garrafa entre margens cheias de árvores e onde fazíamos piqueniques inesquecíveis. Nos dias de verão – Montes Claros era verão quase o ano inteiro – depois das primeiras chuvas que lavavam a poeira das árvores e recuperavam a grama, o piquenique era o melhor programa de nossas vidas: Guaraná Champagne, pão com o salame do Bar de “Seu” Tito dos Anjos, goiabada com queijo, biscoito Maria, maçã envolvida naquele papel arroxeado.
Viver é fazer escolhas. Reivaldo escolheu o que de melhor a vida tem. Viver junto á natureza e buscar a felicidade na simplicidade das coisas. Esta grande lição, ele passa ao seu neto Victor. Valorizar o meio-ambiente, perceber detalhes, ouvir sons, sentir cheiros e sensações.
Paixão, a gente não explica. Acontece. E, o Rio Verde Grande, o rio dos encantos é uma paixão do autor. Rio Verde de uma imensidão sem fim, correndo entre “Jatobás e Gameleiras, tamburis e mutambeiras”, piscoso oferecendo aos que o buscam alimento para o corpo, e para a alma momentos de encontro consigo mesmo. À noite, dormindo sob a luz das estrelas, a claridade da lua iluminando a paisagem, o som dos insetos e no vestíbulo da madrugada acordar com o barulho dos pássaros, vivendo um instante de pura liberdade em comunhão com a natureza.
Temos dentro de nós um menino perdido e temos a obrigação de encontrá-lo. Reivaldo/Nivaldo o fez com maestria e nos presenteou com um livro que é ternura do princípio ao fim. E, como quem sai aos seus não degenera, filho que é do grande poeta Montesclarense – Cândido Canela – nos brinda com poemas enternecedores, profundos e nos faz refletir que certos poemas valem mais que mil palavras e discursos políticos. Ele cristalizou em sua poética toda a nossa perplexidade, impotênncia e remorso diante da não preservação da natureza.

Carmen Netto Victória


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Por Carmen Netto - 26/5/2008 14:32:59
O Aniversário de Genival Tourinho

Existem eventos de forte conteúdo emotivo. O aniversário de Genival teve essa característica. Podia ser também a festa do Montesclarense ausente, tal a quantidade de conterrâneos presentes. A festa aconteceu no Automóvel Clube de Belo Horizonte. A
beleza dos arranjos florais, a iluminação dos salões, a música romântica do sax de José Eymard formaram a moldura encantadora para esse encontro que, tenho certeza, foi o encontro da amizade.
Mineiro é igual caramujo, leva os costumes, os hábitos para aonde vai. Mesas fartas, bebida a vontade. Criou-se um clima onde brindava-se a vida em companhia de familiares e amigos. É isso que se chama felicidade, é assim que a vida deveria ser sempre...
Foi uma noite inesquecível. Naquele momento toda uma geração se encontrou. Conhecidos, amigos que não se viam há dezena de anos, colegas de ginásio, de faculdade. A noite encantadora transformava as pessoas presentes. Sorridentes, descontraídas, peregrinando entre as mesas para brindar o reencontro. E, tudo isso, por causa do aniversário de Genival Tourinho – um Montesclarense que de peito aberto enfrentou os “anos de chumbo”, sem medo de ser coerente com seus ideais.
Sua atuação como político, no verdadeiro significado do vocábulo, se guiou por valores morais e éticos, por isto é admirado e reconhecido não só nas Minas Gerais, mas em especial no sofrido Norte de Minas e também além das montanhas mineiras. Como advogado sua inteligência brilhante ganhou causas complexas e sua banca de advocacia é das mais respeitadas do Estado.
Com seu imenso poder de aglutinar, de congregar, pois é um homem que tem o culto da amizade, transformou aquele reencontro de amigos, num momento único. Parecia que naquela noite, o mundo era só dos Montesclarenses e de mais ninguém. Estávamos unidos porque tínhamos nascido na mesma cidade, falávamos a língua com o mesmo sotaque, nos sentíamos fraternos porque tínhamos bebido da mesma fonte e partilhado o mesmo pão.
Os ciclos se completam e vamos ao encontro de mudanças, onde novos projetos nos chamam. Os anos do calendário não contam. Contam a vida vivida intensamente, entremeada de dificuldades e realizações, mas sempre guiada pelos sonhos e esperanças. E, você, Genival, tem um baú prá lá de bom dessas vivências.
O menino cresceu, rodou o mundo, pensou o mundo, abriu leques de amizades. Ainda é o mesmo. Precisa de sonhos e de uma arte que lhes dê vida. E, é dentro de você Genival, que está aquilo que precisa para reconstruir utopias e nunca perder os sonhos.. Uma maturidade serena nos ensina a cada dia renovar a vida.
Parabéns, muitos anos de vida, saúde e paz. Desejo que continue a fazer da sua vida um poema longo, desses para se declamar em voz alta. Procure reencontrar seu coração adolescente e nele surpreender de volta alguma coisa conhecida como esperança.
Deus o abençoe e a sua família.
Carmen Netto Victória


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Por Carmen Netto - 7/3/2008 01:02:04
Mulheres Admiráveis

Como gostaria Senhor de descobrir os mistérios da vida. Saber, por exemplo, como duas mulheres fantásticas dedicaram suas vidas em minorar o sofrimento do próximo sem nenhum limite, como se desdobraram em muitas para servir. Essa reflexão aflorou ao ver o retrato de Antônia Colares – Tonha – na coluna de Teodomiro Paulino do dia 21 de Maio de 2005 e, também, o retrato da Irmã Malvina na matéria “Um Anjo retorna ao céu” de Samuel Sousa Figueira, ambas publicadas no “Jornal de Noticias”.
Em questão de segundos, um retrato é capaz de acordar lembranças adormecidas, e um pedaço e síntese da minha vida apareceram. Essas duas mulheres fazem parte da minha história quando do nascimento de meus filhos; uma experiência intransferível, inexplicável para quem não passou pela mesma.
Falar dessas duas mulheres, na semana em que se comemora em 08 de Março o “Dia Internacional da Mulher”, é uma questão de justiça, gratidão e reconhecimento por vidas dedicadas ao próximo, a minorar dores, sofrimentos; mulheres que transformaram lágrimas em sorrisos de alegria, transmitiram segurança, infundiram coragem, acolheram.
Como escreveu Teodomiro Paulino em sua coluna, Tonha trabalhou 44 anos na Santa Casa de Montes Claros, ajudou a trazer ao mundo milhares de crianças. Entre estas crianças dois dos meus três filhos e, por isso não esqueço suas mãos abençoadas, seus braços fortes que me sustentaram como se fosse um bebê. Sua bondade imensurável e seu sorriso que anestesiavam qualquer dor. Sabe Tonha, recortei seu retrato e guardei-o numa caixa onde coloco tudo de bom que me aconteceu na vida e que não quero esquecer.
Através da matéria sobre a Irmã Malvina, no “Jornal de Notícias”, de 16/02/2006, tomei conhecimento de seu retorno ao País de origem, à casa materna, depois de 53 anos de um trabalho incessante na Santa Casa e do seu falecimento. Anjo bom, de serenos olhos azuis que infundiram esperança, coragem e fé nas horas de fragilidade dos pacientes.
Sempre me perguntei o que faz o ser humano deixar família, pátria, costumes e dedicar a vida levando lenitivo, amor, compaixão ao semelhante. Suportam tudo em silêncio, no mais absoluto anonimato, e agregam à cruz de seus dias a cruz dos semelhantes.
Neste 08 de Março de 2006, “Dia Internacional da Mulher”, reverencio Tonha e Irmã Malvina pelo trabalho humanitário realizado na Santa Casa de Montes Claros.
Ensinaram que só é grande quem serve e que o maior entre nós deve servir aquele que mais necessita. Ensinaram que o que conta é todo gesto de amor praticado por causa do evangelho. Ensinaram a compaixão, amor, desapego, paz, equilíbrio, tão diferentes de competição e acúmulo de bens do mundo capitalista.
Tonha e Irmã Malvina souberam enxergar o mundo com os olhos de Deus, fazem parte do Time de Gandhi, de Madre Tereza de Calcutá, do Dr. Alberto Swaitzr, de Florence Nigthgale e muitos outros que são ligados pelo amor ao próximo.
Elas têm um colo no coração das mães Montes-Clarenses, das mães Norte-Mineiras. São mulheres universais, absolutas, especiais, inteiras, que dedilharam o rosário do sacrifício com amor e desprendimento. Nosso respeito, nossa gratidão, nossa homenagem, neste 08 de Março de 2006, “Dia Internacional da Mulher”.
Carmen Netto Victória
Março de 2006


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Por Carmen Netto - 7/2/2008 14:22:18
Pharmácia com PH

A Farmácia de seu Mário Velloso, na rua Camilo Prates esquina de Padre Augusto assegurava à população de Montes Claros, na primeira metade do século passado, um espaço onde a saúde da família montes-clarense tinha a garantia de competência e segurança na manipulação de remédios.
Nas portas que se abriam para a rua Camilo Prates, duas figuras recebiam os fregueses: um homem em tamanho natural, cabeça coberta por um chapéu carregando um enorme peixe nas costas, me abalava. Era a propaganda da emulsão de Scott. Aquele gosto intragável, detestável, era o supra-sumo do sofrimento das crianças. Para compensar, na outra porta, a figura de uma linda e saudável moça fazia propaganda do sal de frutas ENO, carregando nos braços um cesto com uvas roxas e rosadas. Eu achava que eles eram namorados e como ela agüentava aquele cheiro...
Um balcão torneado em madeira de lei, verdadeira obra de arte, separava o farmacêutico dos clientes. Prateleiras altas protegidas por tampos de vidros, exibiam potes, anfôras em cores variadas. Ampolas, pastilhas, pomadas e ungüentos preenchiam as prateleiras.
Lembro-me de nomes de remédios, fortificantes, xaropes, pílulas: Água Inglesa, xaropes famel – delicioso – Bromil, Maravilha Curativa. Havia um lombrigueiro que, de tão pavoroso, bloqueei o nome. Os calmantes Água de Flor de Laranjeira, Água de Melissa eram remédios para os nervos, para melancolia. Deviam ser os tranqüilizantes e antidepressivos daqueles tempos.
A fantasia tomava conta da minha cabeça quando via senhoras e moças comprando os remédios “A Saúde da Mulher” e “Regulador Xavier n° 1 excesso, n° 2 escassez”, porque elas abaixavam o tom de voz, coravam as faces e não encaravam o vendedor. Tempos depois, decifrei o segredo...
Separando o local das vendas, uma porta móvel levava ao laboratório. Naquele local a química e a alquimia se entrelaçavam. Usando um jaleco de linho branco, seu Mário Velloso atrás do balcão, homem paciente, bondoso, voz pausada aviava as receitas, escutava as queixas físicas e psíquicas de seus clientes e amenizava suas angústias.
Esses detalhes afloraram porque criança nunca esquece das coisas boas, queridas, que um dia fizeram sua infância. Essa minha intimidade com a farmácia de seu Mário Velloso é que sempre eu ia lá vender os vidros de remédios vazios por um tostão a unidade. Lavavá-os com água, sabão e caroços de feijão. A féria era guardada no cofre de barro que comprava no Mercado Municipal ou era usada para comprar picolé no Minas Bar. Sempre entregava os vidros no laboratório e lá para mim era um espaço misterioso com seus cheiros e nomes colados em gavetas: Calomelano, Salofeno, Violeta Genciana, Sal de Glauber, Ruibarbo, Jalapa, etc... Balanças com pesos infinitamente pequenos, almofariz de louça para triturar substâncias, pipetas, decantadores, “gral” para medir porcentagens, uma parafernália de objetos. Também no laboratório, o auxiliar da farmácia colava rótulos, prensava cápsulas, fazia curativos, aplicava injeções.
Nas tarde de Sábado, o pessoal da zona rural vinha fazer consultas e comprar remédios. Amarravam os cavalos e em voz baixa contavam suas mazelas, as de suas esposas e filhos. Seu Mário recebia-os com a maior atenção e toda paciência do mundo, traduzindo o que diziam e medicando-os adequadamente.
No final da tarde, princípio da noite, era a vez da farmácia se transformar num clube inglês. Só cavalheiros, rodas de amigos se formavam. Discutiam de um tudo. Viravam a cidade pelo avesso: política, notícias lidas no “Correio da Manhâ” e no “Estado de Minas”, quem nasceu, quem morreu, quem casou; quem viajou nos trens da Central do Brasil para a Capital, quais as “damas da noite” que chegaram para animar os Cabarés da cidade...
Escrevo para não esquecer a memória do mundo e da cidade dos Montes Claros. E é com imensa saudade e carinho que homenageio seu Mário Velloso e todos os montes-clarenses que entraram de mansinho em nossas vidas e delas não saíram nunca mais.

Carmen Netto Victória


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Por Carmen Netto - 7/11/2007 00:14:58
Diário de Viagem de Duas Mineiras no Circuito Andino – Final

Deixamos Bariloche para trás e iniciamos a Travessia dos Lagos Andinos. Não sei se conseguirei passar para o papel o que meus olhos viram, minha mente gravou e o meu coração se emocionou. Fomos presenteadas com um dia ensolarado, céu azul e naquela luminosidade especial quase surreal, montes nevados, lagos esmeraldinos, florestas de pinheiros, um turbilhão de cores e, por um instante me senti parte daquela paisagem, desapareci engolida pelo encantamento com a sensação de entrar num mundo mágico. A viagem é feita em ônibus e a travessia dos lagos em catamarans seguros e confortáveis. Paramos em Puerto Blest, em meio a picos cobertos de neve resplandecendo à luz do sol. Neste local, subimos quinhentos degraus bem disfarçados para conhecer várias quedas d’água. O bosque causa impacto, tal a beleza. Numa placa, o gênio da floresta convida a conhecê-la e somos invadidas por uma reverência à natureza. A trilha é rodeada por árvores de 500 a 700 anos; no final, cascatas despencam de grandes alturas.
Na travessia, conhecemos três recifenses: Nelma, Daiane e Neide. Cultas, alegres e divertidas como os nordestinos, e nossa viagem ficou ainda mais animada. Almoçamos num hotel cujo bar tem o nome de “Bodega Del Fim do Mundo” Patagônia. Novamente na estrada em meio à Cordilheira, paisagens lindíssimas se sucediam. Chegamos à “Aduana” argentina. Um guarda bonachão carimbou o visto de saída e vi na minha frente uma personagem de Gabriel Garcia Marquez. Achou meu nome bonito, disse que era devoto da Virgem Del Carmen e desejou-me boa viagem. Entramos no Chile; tenho paixão por este país por causa dos livros de Pablo Neruda e Isabel Allende. A paisagem é ainda mais bonita, o som do espanhol não é rascante e duro como o dos Argentinos, mas doce e melodioso. O Chile é um país que nos abraça, as pessoas são acolhedoras, nos envolvem e nos oferecem bons vinhos. Dormimos em um povoado chamado Peulla, onde vivem apenas cento e vinte pessoas. O Hotel “Natura Patagônia” é maravilhoso, com suas paredes de vidro, permitindo enxergar a Cordilheira e toda paisagem ao entorno, nos induzindo a uma viagem interior. Como era 18 de Setembro, dia da independência chilena, que eles chamam “Festas Pátrias”, o hotel ofereceu um vinho em honra à data e um casal trajando roupas típicas dançou músicas folclóricas e posou para fotos.
Saímos de Peulla para atravessar o último lago. Navegamos por 1 hora e 45 minutos, rodeados de montanhas e bosques. A paisagem é tão linda que não se consegue descrevê-la, mas apenas sentí-la. O vulcão “Ozorno”, que, em linguagem Mapuche, significa - espírito das nuvens
- causa novo impacto: coberto de neve mistura-se com as nuvens, sua última erupção foi em 1835 e hoje dorme tranquilamente.
Na estrada que nos leva a “Puerto Varas”, o rio Petrohue corre paralelo e é formado pelo degelo dos montes nevados na primavera. O volume de água é grande, a cor é estonteantemente verde. Entramos na região de colonização alemã, construções parecendo sair de livros infantis, campos para cavalgadas, rebanho de ovelhas, gado leiteiro. Ao entardecer chegamos em “Puerto Varas”, cidade á beira do Lago Ilanquihue e é chamada Cidade das Rosas. Neste início de primavera, as flores começam a desabrochar de maneira exuberante, pois sendo a terra vulcânica, as flores têm cores super intensas. É também o início da floração das macieiras em tons brancos rosáceos e os pessegueiros em flor completam a explosão de cores que só a alma pode gravar, tal a intensidade da beleza. Conhecemos também a cidade de Frutilar, à beira do lago e do vulcão, onde se tem a sensação de eternidade.
Dia seguinte partimos para Santiago. Antes de aterrissar, novamente os Andes a proteger a cidade. É beleza, é emoção demais! Encantadora Santiago! Avenidas e ruas largas, limpas, arborizadas, parques e jardins, prédios imponentes. No “City Tour” conheci o Palácio “La Moneda”, onde Salvador Allende suicidou. Mais emoção, sua estátua está na praça defronte a do Presidente Eduardo Frei. Como num filme, a ditadura de Pinochet, os desaparecidos, os fuzilados no Estádio Nacional estavam ali comigo. A catedral dedicada ao apóstolo Santiago e à Virgem Del Carmen, para nós N, Srª do Carmo. Cerro de San Cristovam, passeios no “funicular”, no teleférico. Ao pé do Cerro San Cristovam, a casa do poeta Pablo Neruda, “La Chascona” transformada em museu. Santiago é uma cidade onde nos sentimos em casa. Povo bonito, civilizado e, o que mais me causou inveja: andar por suas ruas à noite sem o menor medo, tal a segurança da cidade.
Conhecemos também as cidades de Valparaiso e Vina Del Mar. Valparaiso, cidade portuária, seduz cercada de morros, casas coloridas misturando o estilo espanhol e inglês. Misteriosa, imponente, às vezes com uma pitada de decadência. O poeta Pablo Neruda está em cada esquina, sacada ou em sua casa “La Sebastiana”, mirando o mar, tomando vinho e namorando Matilde Urrutia. Vina Del mar é a cidade de veraneio dos chilenos. Moderna, florida e alegre. Na Praça do “Museu Fonk” a escultura de um moai da Ilha de Páscoa nos lembra os mistérios daquela ilha do Pacífico. Reencontro Gabriela Mistral, numa estátua, abraçando as crianças pobres chilenas, azuis de frio e no pedestal da mesma, um poema a elas dedicado.
Despeço-me do País. Chile dos meus amores, que nos abraça, acolhedor, cordial, e que nos oferece bons vinhos. Encontrar o novo, ampliar horizontes, descobrir pessoas sensacionais (nossas amigas de Recife). Com uma taça de vinho”Cassillero del Diablo, levanto um brinde ao Chile, à minha companheira desta viagem inesquecível Alzira Figueiredo Caldeira e á Nádia Fonseca da Trop Tour que organizou esta viagem para nós.


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Por Carmen Netto - 26/10/2007 23:14:40
Diário de Viagem de duas Mineiras no Circuito Andino

O dia amanheceu bastante frio, Buenos Aires desperta e começa a se mover e, nós fazemos a mesma coisa. Ontem 13/09/2007 fomos jantar e assistir um show de tango no “Senhor Tango”. O local está mais sofisticado do que quando o conheci anos atrás. É local para turista ver o tango estilizado. Uma orquestra com piano, violinos e bandoneons encanta a platéia. No jantar sentamos com três chilenas muito simpáticas. Num portunhol nos entendemos muito bem, falamos de nossos países, trocamos e-mails, brindamos e confraternizamos com alegria, aquele momento. O show é muito bonito, mas um pouco longo. Para mim a orquestra de bandoneons valeu por tudo. Ela é regida por um maestro velhinho, venerado e respeitado pelos músicos. Eles seguem um ritual antes de tocar Gardel, Piazzola, La Pera e outros mais. O show termina com uma apoteose emocionante à Argentina. Os bailarinos e todos os músicos cantam “Não chores por mim Argentina” e do teto caem papéis picados azuis, brancos, prateados e tiras de pano azul e branco. “Não chores por mim Argentina” é o segundo hino de los hermanos, mas, bem trágico e triste, e eles cantam com a mão no peito e o maior orgulho. Lembrei-me de “Aquarela do Brasil” de Ari Barroso, nosso segundo hino. Animado, festivo, buliçoso e alegre faz nosso coração disparar, mas de alegria...
Hoje é dia livre, nada melhor que andar descompromissadas, descobrir museus, livrarias, envolver com a cidade para conhecê-la melhor. À tarde fomos lanchar no “Café Tortone”, o mais tradicional e antigo de Buenos Aires. Data de 1858, com um requinte semelhante à Confeitaria Colombo do Rio, e fica na Avenida de Mayo, 825. É um programa imperdível. Tivemos como companheiras as sobrinhas de Alzira, Daniela e Valéria com sua filhinha Sophia. Valéria casou-se com um argentino e reside há mais de dez anos em Buenos Aires. Deu-nos informações sobre o cotidiano da cidade, tiramos fotos, falamos de Bocaiúva, Montes Claros e Belo Horizonte. Comentamos como o mundo encolheu, a rapidez das viagens, a facilidade das comunicações via internet, celulares; ao lado do “Café Tortone” está o Museu do Tango, mas a falta de tempo não permitiu conhecê-lo.
Amanhã (14/09/2007) vamos para Bariloche na Patagônia Argentina. De avião, saímos de Buenos Aires às 11 horas. Estou longe, muito longe de casa. Quando estava no Ginásio, estudando Geografia, a Patagônia era o fim do mundo. Estou a milhares de quilômetros de minha terra natal, respiro o ar frio e puro de Bariloche. Embalada pela brisa fria que abre caminho até o imenso lago “Nahuel – huape” absorvo tudo de bom que me envolve nesse momento, como se eu fosse uma ilha cercada de beleza por todos os lados. Nosso hotel tem o nome desse lago, é lindo e bem decorado; no seu entorno cafés, restaurantes e um comércio sofisticado. Da janela do nosso quarto somos presenteadas com uma paisagem de cartão postal. O lago de um azul intenso, os picos nevados, e os últimos raios do sol, dando um colorido que só “Monet” conseguiria pintar. Temos uma sensação de paz, tranqüilidade e solidão. Saímos para alugar roupas e botas próprias para neve. A temperatura está 3º graus, estamos bem agasalhadas e é delicioso esse frio para quem vive nos trópicos onde praticamente não existe inverno. Deito pensando na neve que encontrarei e que sensações terei. Amanhece. Um sol morno e desbotado surgiu por algumas horas fazendo a neve das montanhas resplandecerem Antes de chegarmos ao Cerro Catedral, paramos no “Cerro Campanário”, onde em um teleférico tivemos uma vista privilegiada dos lagos, montes cobertos de neve e bosques verdejantes. Cada paisagem mais linda que outra. Em um dos mirantes a imagem de N. Srª das Graças, em outro uma cruz. O silêncio, a placidez, a emoção silenciam as pessoas numa prece coletiva. Voltamos para o ônibus e após alguns quilômetros, numa curva da estrada, aparece o “Cerro Catedral”. A vista é deslumbrante, com suas pistas de esqui, teleféricos, bondinhos para subir a montanha. E, eis que começa a nevar... Nunca me imaginei sentindo a neve cair. Foi uma das experiências mais lindas da minha vida. É emocionante, macio, delicado! Vivi uma paisagem de Natal. Fizemos guerra de neve com um grupo animadíssimo de São Paulo, onde crianças, adultos e idosos se irmanavam numa alegria imensa de viver. Alzira e eu nos batizamos na neve, tiramos muitas fotos e fiquei quase o tempo todo sob a neve que caía silenciosa, me acariciando, ora em flocos maiores, ora menores. Bonecos de neve como nos cartões de natal, iglus, temperatura de 10º negativos. Nesse momento acordamos as menininhas que dormiam em nós e juntas fizemos todas as estripulias que merecíamos. A guia nos disse que esta nevada foi um presente, pois não é costume nevar com tal intensidade no mês de Setembro. Tenho certeza de que foi um presente que Deus me deu, pois realizei um dos sonhos que sempre acalentei: brincar na neve; Mineirona que sou, lembrei-me quando na infância conheci o mar e provei sua água para ver se era mesmo salgada. Hoje, já no outono da vida, provei a neve, brinquei e me encantei.
Domingo será o nosso último dia em Bariloche. Hoje, 18/09/2007, amanheceu bem frio, 2º negativos. Resolvemos caminhar à beira do lago. Comentei com Alzira não termos visto nenhuma embarcação navegando. Depois ficamos sabendo que era para não poluir o lago. Essa proibição é válida, pois na T.P.M que vive nosso planeta, esse lago emoldurado por montanhas cobertas de neve é um patrimônio a ser conservado para os que virão.depois de nós. Continuando a andar, chegamos na Igreja da Virgem Del Lago Huape. Estilo gótico, construída com pedras esverdeadas do Lago – hoje proibido. Chegamos na hora da missa e comunguei em ação de graças pelo passeio maravilhoso que Deus me concedia e pedi minhas três graças. No final, o Sacerdote reza uma Ave-Maria em intenção dos turistas, deseja boa viagem e nos abençoa. Amanhã, 19/09/2007 vamos fazer a Travessia dos lagos. Até o próximo domingo.


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Por Carmen Netto - 10/10/2007 06:10:52
Diário de Viagem de duas Mineiras no Circuito Andino Recordar é conseqüência óbvia de qualquer viagem, mas, existem momentos que, por serem tão especiais saem do campo da memória para fazer parte definitiva da vida. Um desses momentos eu ganhei de presente ao fazer o Circuito Andino com minha amiga Alzira Figueiredo Caldeira. Começamos por Buenos Aires, depois Bariloche - Travessia dos Lagos Andinos - Santiago. Viajar é algo mágico. Uma sensação do inusitado, quebra radical da rotina. Um ato que desperta sentidos e apura emoções. Não é fácil escrever sobre viagens sem cair em clichês. É como reproduzir um conto de fada com cenários dos livros infantis. Tentarei dividir com os leitores o diário dessa viagem de Turismo, em que se busca a realização de um sonho. Felicidade, essa é a essência de uma boa viagem, afinal não é isso que a gente procura quando partimos carregados com uma parte de nossa vida acondicionada em malas coloridas? E, lá fomos nós preparadas para fazer longas caminhadas, subidas, descidas. Conhecer outras culturas, pessoas interessantes, amplos horizontes, belos lugares e muita emoção. Iniciamos a viagem por Buenos Aires, onde chegamos às 15:30h. O vôo pela Lan Chile foi ótimo. Avião confortável, comissários (as) educados e simpáticos. O lanche, como sempre, comida de avião. Tínhamos uma pessoa a nos esperar no aeroporto e o caminho para o centro da cidade é muito bonito, contudo alguns conjuntos habitacionais bastante antigos e decadentes destoavam da paisagem. Ficamos no Gran Hotel Argentino na Rua Carlos Pelegrino, paralela à Av. 9 de Julho, quase junto ao obelisco. O prédio antigo em estilo "art-decôr", com vitrais coloridos deve ser do tempo anterior a Evita e Perón. "Antigo como a Sé de Braga". Em suas imediações, restaurantes, cafés e um ótimo comércio. Os preços estão excelentes para comprar e a comida é muito em conta. Como já conhecia Buenos Aires, achei a cidade mais triste. Árvores desfolhadas pelo inverno rigoroso, pichações nos prédios e muitos moradores de rua enfrentando o fim do inverno ainda bastante frio. A cidade é muito europeisada no modo de trajar, na maioria dos prédios em estilo acadêmico francês (existem ruas e avenidas que parecem que estamos em Paris) misturado ao estilo grego e ao renascimento italiano. A cidade muito plana é fácil de ser conhecida e nada melhor que misturar-se ao povo para sentir sua realidade. Como está muito frio, as pessoas se vestem com roupas de inverno, capas muito elegantes, formando um conjunto harmonioso com a cidade. Nessas caminhadas, observei muitos aspectos interessantes. Um deles é a conscientização política do argentino. Tive a oportunidade de ver várias reivindicações. Uma delas, muito organizada, dos funcionários do metrô, exigindo melhores salários e condições de trabalho seguras. Caso não conseguissem, iriam partir para a greve. Lembrei do meu país, que vive uma crise sem precedentes no Senado, onde o Presidente, Renan - não saio - Calheiros, arrogante, prepotente e corrupto faz as suas próprias leis e nós passivamente assistimos a tudo, sem mover um dedo. Para mim, viagem é oportunidade para aprimorar a minha bagagem cultural. No city-tour paramos na Plaza de Mayo, nela está a Casa Rosada e o balcão onde Evita coberta de peles e jóias, ao lado de Perón, num discurso populista, falavam aos descamisados. A Catedral de Buenos Aires, cópia da Igreja Madeleine de Paris, com colunas gregas e onde uma chama eterna reverencia o General Sam Martin, autor da independência argentina. Como ele era maçom a Igreja não permitiu seu sepultamento no interior da mesma. Ao tomar conhecimento desse fato, lembrei-me do meu querido e competente Prof. Pedro Sant`Ana, quando lecionou na segunda série ginasial a "História da América", e, nos mostrava nos fatos históricos os preconceitos, os horrores perpetrados pelos colonizadores, a matança das civilizações pré-colombianas. O Jardim da Plaza de Mayo está muito abandonado. Bancos estragados, monumentos sujos, falhas imensas na grama, mas os lenços brancos das mães e avós da Plaza de Mayo continuam a lembrar todas as quintas-feiras, os desaparecidos e mortos de uma das mais sangrentas ditaduras da América Latina. Hoje é outra geração, mas o objetivo continua mais vivo que nunca. Neste momento lembramos da nossa linda Praça da Liberdade tão bem cuidada e constatamos que não valorizamos o que é nosso. É aquele velho ditado: "A grama do vizinho é sempre mais verde". Continuando nosso giro, chegamos ao Bairro Boca com o estádio do Boca Juniors e suas construções coloridas e típicas. O Bairro está em franca decadência e lindas construções com forte influência da imigração italiana, pedem para ser reformadas, pois são verdadeiras obras de arte, como só os italianos sabem fazer. Com o dollar despencando, o turismo está em alta e "Los hermanos"sabem como aproveitar. No Caminito, casais com trajes típicos dançavam o tango, fotografavam com turistas e vendiam "souvenirs" que depois lembrariam momentos especiais. Estava muito frio e um vento gelado soprava do Rio da Prata, tão largo como um mar. Recoleta, Puerto Madero, compras na Rua Florida que não é mais aquela. A globalização padronizou tudo, mas é sempre agradável olhar vitrines. Um casal dançava um tango argentino ao som de um bandoneon. "Madressilvas em Flor" e depois Astor Piazzola em "Balada por um loco". A luz acendeu num poste da década de 20, estava na hora de voltar para o Hotel. A noite nos esperava para ver o show "Senhor Tango", espetáculo para turista. Naquele instante ainda envolvida pelo som dramático do bandoneon, reflito sobre culturas tão díspares como a argentina e a brasileira. Mas isso, já é outro relato. Continua... Carmen Netto Victória


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Por Carmen Netto - 4/9/2007 15:12:48
E a menina, que amava os catopês, caboclinhos e marujos, retornou a seus pagos.


“Minas / Igrejas e sinos de sons puros e cristalinos / cidades velhas, velhinhas / como boas avózinhas / contando lindas histórias”. Os sons puros e cristalinos dessa estrofe do poeta Abílio Barreto, fizeram a menina lembrar do repique alegre e animado do sino da Igrejinha do Rosário.
É Agosto, o vento quente do mês trouxe até seu coração o aviso que as “Festas de Agosto” iam começar. Ela arrumou a mala e se mandou para a cidade que estava também comemorando o Sesquicentenário e o Encontro do Montes-Clarense ausente. Como estava ainda vivendo dias cinzentos pela perda de pessoa querida, nada melhor que alegrar seus dias molhando suas raízes nas águas do Rio Pacui de sua infância, pois o Rio Vieira já não mais existe.
O mesmo Agosto, em Montes Claros, é diferente. As cores, os cheiros anunciando o cio da terra, céu azul intenso – o mar de Minas – contrastando com o amarelo-laranja do sol, mais a alegria das Festas Tradicionais que nunca morrerão.
A menina volta para receber as bênçãos e a proteção de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espírito Santo e energizar-se com os ares sertanejos que a cidade cultiva e se orgulha.
Com sonhos e fantasias na cabeça, encontra uma realidade diferente de onde viveu uma infância e juventude inesquecíveis. Uma cidade dinâmica, universidades criando condições para todos estudarem, “Conservatório Lorenzo Fernandez” apresentando um recital de músicas clássicas pela soprano Clarice Maciel, a mezzo-soprano Regina Coelho acompanhadas ao piano por Talita Peres. Concerto digno de qualquer platéia exigente. “No auditório Marina Lorenzo Fernandez” a menina reencontrou sua professora de música e canto orfeônico, Dona Arlete Macedo, plena de lucidez, linda no alto de seus mais de noventa anos. Seus corações conversaram e lembraram de tantas coisas boas. A menina percebeu que a cidade ainda tem quintais com dezenas de árvores frutíferas: jabuticabeiras, pés de manga, romã, abacate, carambola e goiaba. Chupou jabuticaba no pé, em casa de amiga querida. Visitou “o atelier de arte Renoir”, onde Márcia Prates retrata a alma da cidade em quadros, cartões e esculturas encantadoras.
Acompanhou os catopés, marujos e caboclinhos pelas ruas da cidade, batizou fitas, cantou “Deus vos salve Casa Santa”. Viu Joaquim Poló fazer acrobacias com a bandeira dos caboclinhos, tocar a rabeca e ensinar a dois meninos-caboclinhos a cantar. Assistiu a cena emocionante dos catopês e marujos reverenciarem um catopê dos velhos tempos, hoje em uma cadeira de rodas, mas a vida brilhando em seus olhos lavados de lágrimas e participando com a alma daquele espetáculo de fé. Mestre Zanza, mesmo doente, participou muito entusiasmado da Festa de Agosto. O neto do chefe da marujada – Mestre Nenzinho, falecido há pouco tempo – uma criança de nove anos, estava de mãos dadas com o pai, e trazia o retrato do avô colado em sua roupa, dava a certeza de que as futuras gerações não deixarão as Festas de Agosto acabarem. O Padre-Catopê João Batista fez uma reflexão sobre a globalização e seus aspectos perversos na nossa cultura, sua influência na família, desvirtuando valores, e mostrou como é importante o povo preservar suas tradições.
A menina foi para ficar poucos dias, mas estava tão feliz e foi ficando... O número 365 da Rua Tupis no Bairro do Melo é hoje como se fosse a casa de sua mãe. Apenas trocou de endereço. Amizade solidificada no correr dos anos, irmanadas por vivências comuns.
O dia precisava ter mais de 24 horas para atender a tantas provas de carinho e amizade. Almoços, lanches, cafés noite a dentro, reencontros inesquecíveis e novas amizades.
A menina assistiu a posse do escritor e jornalista Edgar Antunes Pereira na Academia Montesclarense de Letras, numa cerimônia elegante e emocionante, dirigida pela Presidente Ivone de Oliveira Silveira, patrimônio da cultura de Montes Claros. Encantou-se com o lançamento do segundo livro “Memórias do Rey” edição do sesquicentenário e também “Ventos de Agosto”. O primeiro de Reynaldo Veloso Souto e o segundo de Edgar Antunes Pereira. A cada dia, sua estante é enriquecida com livros dos escritores Montes-Clarenses, que retratam as histórias, os causos, da cidade coração robusto do sertão. Na Festa que Magnus Medeiros organizou no Automóvel Clube, outra surpresa maravilhosa! A menina reviu sua querida professora do 4º ano primário, Dona Rosita Aquino. Está tão nova, bonita, parece que o tempo não passou. A professora e a aluna naquele momento se transferiram para a Sala do Grupo Escolar Francisco Sá, onde ela aprendeu valores e conteúdos que ajudaram a alicerçar sua caminhada.
Andou invisível pelas ruas da cidade, recompôs as casas nº 68 e 74 da Presidente Vargas, namorou escondido na Praça da Matriz atrás do coreto e perto de uma espirradeira cor-de-rosa forte, rosa como era a cor de seus sonhos.
A menina viveu dias de pura alegria, fotografou para os filhos e netos conhecerem as festas que alegraram na simplicidade da beleza a infância já tão distante!
Misturando passado, presente e futuro, a semente plantada pelo bandeirante Figueira no Arraial das Formigas, deu origem a uma árvore frondosa, forte, uma gameleira que acolhe, protege e seduz. Ninguém melhor que Dr. Plínio Ribeiro dos Santos sintetizou em um verso o orgulho de quem nasce em Montes Claros: “Ser teu filho, oh! Montes Claros é ter nervos de aço, caldeados na fogueira do sertão. Até para o ano que vem... Até para o ano que vem...”

Esta crônica é para: Magnus Medeiros, Paulo Narciso, Raquel Souto Chaves, Paulo Estevam, Roy Souto Chaves e Ucho Ribeiro.

Carmen Netto Victória
Agosto/2007




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Por Carmen Netto - 27/8/2007 16:22:49
A menina que amava os catopês, marujos e caboclinhos

“Agosto chega com a ventania”. Na Praça do Papa a meninada solta pipas e araras coloridas. O céu de um azul profundo é um mar de todas as cores.
As memórias vivas moram em nós e aparecem de repente trazendo dias da infância. O vento traz os sons dos tambores, caixas e rabecas das Festas de Agosto. O coração errante atende o chamado do vento e pousa na cidade do Sertão. A menina se vê entre fitas, penas e máscaras, em meio a estandartes, azul, rosa e vermelho empunhados com fé e orgulho por mãos calejadas em trabalhos pesados.
Momentos da infância relampejaram em sua mente, momentos que se transformaram na alegria de acompanhar os catopês, admirar a precisão e graciosidade da Trança do Cipó dos caboclinhos e a marujada exaltando os marinheiros portugueses.
A cidade ficava em polvorosa com as Festas de Agosto. Não ficava ninguém em casa. Quem estava triste se alegrava, quem estava com as pernas fracas se fortalecia e se dirigia para a Igreja do Rosário. A cidadezinha monótona se transformava. As pessoas que moravam nela pareciam mais felizes. O sol dava a impressão de estar mais forte e brilhante do que nunca. Nas residências vizinhas ao largo do Rosário, as famílias não tinham sossego. Era um tal de pedir água, pedir licença para ir ao banheiro. A cordialidade e a confiança regiam os relacionamentos e a casa era aberta a quem necessitasse.
A Igrejinha do Rosário era cheia de luz, cheia de graça, cheia de flores, toda clara, inundada de sol. Tudo respirava encantamento!
A menina sentada na soleira da casa esperava a passagem dos catopês, marujos e caboclinhos. O encantamento maior era para os catopês e suas fitas coloridas presas num capacete oco que usavam na cabeça onde eram colocados também espelhos, contas e miçangas. Todo ano a mãe fazia um vestido novo para a menina acompanhar os ternos de Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espírito Santo. Vestir essa roupa nova era uma compensação para amenizar a inveja e a frustração da menina, que todo o ano sonhava em ser a rainha ou a imperatriz e nunca foi... A menina está tristonha, pois sabe que não existe a menor possibilidade de realizar esse sonho. Tenho vontade de dar colo para ela. Acredito que essa frustração foi a primeira dor de sua infância. O sino repica sonorizando um dia de muitas emoções. A beleza da manhã faz a menina esquecer suas dores. O vento, a luz dourada de Agosto, o céu sem uma nuvem. Tudo tão íntimo, tão aconchegante, tão lindo! Ao escutar a cantoria: Deus vos salve casa santa/ onde Deus fez a morada/ onde mora o cálice bento/ e a hóstia consagrada. E a hóstia consagrada, a alegria retorna ao seu coração e lá vai feliz da vida encontrar com suas amigas. O dia está ensolarado demais para tristezas. Vou acompanhar essa menina a um tempo que parou, quem sabe reencontrarei o coração ingênuo da infância e nele surpreender de volta alguma coisa conhecida como esperança?
O dia dá lugar a noite. Está na hora do levantamento do mastro. Um céu lindo, estrelado era a testemunha da felicidade daquele povo simples, enquanto uma brisa leve, gostosa, passava levantando os cabelos e provocando arrepios. Hoje é o Mastro de São Benedito. A menina está cansada, mas, como mora perto da Igreja emenda o dia com a noite. Não pode perder um segundo da festa. Mas, o que é bom dura pouco. A festa acabou, até para o ano que vem. Lembro-me novamente do poeta universal: E agora/ a festa acabou/ a luz apagou/ o povo sumiu/ a noite esfriou...
Os olhos de criança da menina, aquele olhar mágico da infância que via tudo grande, passados tantos anos, ainda consegue recuperar pela memória dos sentidos as sensações que experimentou nas Festas de Agosto. O sol abrasador, a ventania levantando a poeira das ruas não calçadas, o cheiro de algodão doce, do amendoim torrado, a pipoca vendida em sacos de papel rosa, os doces servidos nas casas dos festeiros.
O mundo está mudando tão rápido, as tradições sendo derrubadas com tanta convicção que ao manter as Festas de Agosto, a cidade dos Montes Claros fortalece sua alma. O Montes-Clarense tem sensibilidade: É corajoso, musical, alegre e sabe poetar a vida cultivando sua cultura.


Carmen Netto Victória
Agosto de 2007.


Esta crônica é (in memorian) para o historiador Hermes de Paula que não deixou as Festas de Agosto acabarem.


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Por Carmen netto - 23/7/2007 16:04:34
Lembranças com Afeto e com Açúcar

O legado de uma mãe não é para ser esquecido. Rosalva Souto Barbosa e colaboradores nos presentearam com um livro encantador, comemorando o centenário de Dona Nininha Veloso Souto. Na modéstia denominaram-no como “livreto” – o que discordo -, nestes tempos onde valores essenciais estão de pernas para o ar e tudo é relativizado. A simplicidade, a paciência, a coragem, a fé e principalmente o amor permeiam todas as páginas.
A cultura mineira é muito ligada à Igreja, à família, à comida, mais talvez do que qualquer região do país. Em “Doces Lembranças” ela foi retratada a perfeição. Como senti saudades da casa dos meus avós, da minha mãe ao ler esse encantador livro. Os mesmos costumes, os mesmos valores, uma avalanche de memórias de um tempo que, hoje dá para saber: era “risonho e franco” sem as aflições que nos cercam. Os tempos são outros, mas não custa nada lembrar que é da memória das pessoas, das cidades que se constroem o respeito que elas merecem.
A família escreveu momentos marcantes da vida de Dona Nininha, eternizando as melhores lembranças. Rever a vida, resgatar valores fazem um grande bem. As recordações brotam de uma nascente, pedindo para serem escritas. Com delicadeza reviveram cada momento, hoje com o coração maduro, em novos tons valorizando a alegria de tempos muito felizes. Comemoraram vivências que fizeram parte da família Veloso Souto. Sabiam como ser felizes e se alegravam com poucas posses, pois tinham o mais valioso de todos os bens – o amor.
Dona Nininha renasceu inteira. No rosto bonito e meigo, iluminado por dois belos olhos azuis, o sorriso, o gesto, a forma de arrumar o cabelo, o perfume que nos remete a tempos vividos, guardados em escaninhos são poesia e contemplação. A vida inteira demonstrou serenidade e equilíbrio. Era a crença, a fé, o entender que a vida tem caminhos insondáveis. Não perdia um minuto da vida, levando uma existência de afeto, paz e trabalho. Trabalho que se materializou no requinte de forno e fogão, a casa recendia a biscoito, bolos especiais para os netos, mil quitandas. A mesa posta o dia inteiro. Devia ser renovada a cada café da manhã, almoços, café da tarde, jantar, café da noite, sempre cabendo quem chegasse – entre, a casa é sua – acolhedora e amiga. E os bordados? Exímia nos bordados, ninguém a superava. Na sua velha máquina Singer nasciam pontos cheios, “rechilieu”, sombra e muito mais, tudo confeccionado com o esmêro e o requinte das grandes bordadeiras.
Minha mãe trabalhava um dia por semana para a “Casa das pobres” e Dona Nininha era sua companheira nesse voluntariado. Quem lucrou foram as minhas filhas. Dona Nininha bordava os lindos vestidos que mamãe confeccionava para elas. Tenho retratos dessa época, que comprovam sua arte inigualável.
Que bom que vocês não deixaram perder no tempo sonhos, esperanças, vivências, cores e sabores. Os cheiros, as palavras, têm estranhos poderes evocativos. A sobremesa “Lavínia” servida nos aniversários dos netos me encantou pelo nome e pretendo experimentá-la, bem como as dicas de economia doméstica; e uma já experimentei. “Para que a cozinha fique com um delicioso perfume e acabe o cheiro de gordura, ferva um litro de água com um punhado de cravo da Índia por 10 minutos e deixe que o chá evapore”. Na Índia esse costume é usado para energizar o ambiente com bons fluidos...
Poesias, pensamentos, linda ilustrações, retratos enriquecem o livro. Dona Nininha e sua fiel escudeira Regina, companheira de lutas e trabalhos, deixaram um exemplo como representantes da mulher sertaneja de bordar a cozinhar, de varrer a lavar, de criar e reciclar, de requintar, de acolher e compartilhar. Uma vida sã, bonita, sagrada. E em todos esses valores, o principal foi o amor!

Carmen Netto Victória


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Por Carmen Netto - 13/7/2007 00:09:07
Nos tempos da rua 15...


Há dias sinto uma certa nostalgia de uma certa Montes Claros. Recorro às mihas lembranças e retorno. Mas, na realidade, nunca saí de lá.
Década de 50, época conhecida como “Anos Dourados”. Músicas, filmes, modas envolvidos pelo romantismo.
Meus olhos passeiam sobre fotos amareladas, recortes da Gazeta do Norte onde Lazinho Pimenta, com elegância e classe, retratava a sociedade montesclarense.
Resgato sonhos da juventude, ingênuas aspirações. Um suave perfume de perdidas ilusões me remetem ao “footing” da Rua 15. Naquela época, já se chamava Presidente Vargas, mas para nossa geração era a Rua 15, abreviação de 15 de novembro, em homenagem à Proclamação da República. Perco-me no tempo, evoco acontecimentos felizes e me vejo de braços dados com minhas amigas, andando entre os quarteirões da Rua Dr. Veloso e a Praça Dr. Carlos.
Havia na Rua 15, um encanto, um charme, que nenhuma rua da cidade tinha. Era a proximidade do Cine São Luís, o Clube dos Bancários e o aristocrático clube Montes Claros. Também as melhores lojas nela se situavam com suas vitrines iluminadas. A Joalheria Pádua, que vendia as mais lindas jóias da cidade, Ramos & Cia, Casa Alves, A Imperial e A Futurista, minha predileta, pois até hoje tenho mania de comprar sapato. A loteria do Sr. Donato, a residência do Sr. Gentil Gonzaga e o Big Bar completavam o cenário. Também fazia parte desse universo o prédio “art-decô”, onde funcionavam o tradicional jornal “Gazeta do Norte” e a Rádio ZYD-7.
A mocinha sentada na entrada de sua casa esperava as amigas e a lua, para o “footing” na Rua 15. Devia ser cheia naquele dia, iluminando com sua luz prateada nossos sonhos dourados... Sonhos que estouravam como bolhas ao vento, tão reais para nós que acreditávamos neles com paixão.
Era um grande programa arrumar-se para a noite. Anáguas engomadas servindo de suporte para saias godês, cintura de vespa, decotes canoa recatados sobre soutiens acolchoados, para imitarmos Silvana Mangano, Gina Lolobrigida, Sofia Loren, deusas do cinema italiano. Os modelos eram copiados da revista americana “Lana Lobel” e eram lindos! Também copiávamos os modelos das Garotas do Alceu na revista “O Cruzeiro”, mais adequados à nossa cultura tropical.
Os rapazes de terno e gravata, principalmente aos sábados, se postavam nos passeios.
A Rua 15 era a passarela, onde desfilávamos de braços dados, perfumadas com “Flor de Maçã de Helena Rubinstein”, “Bond Street da Yardley” ou “Miss France da Atkinssons”. Eram os nossos perfumes prediletos.
Olhares, sorrisos, flertes, corações disparados, namorados ternos e eternos!
Muitos namoros aconteceram, evoluíram para noivados e casamentos. Havia uma sensação de sermos donas do mundo, apesar do horário rigoroso de voltarmos para casa às 21 horas.
Próximo à Rua 15, na Rua Simeão Ribeiro, ficava o Cine São Luís. Era a época áurea do cinema. A sala de exibição, na minha cabeça, era um requinte. Cortinas de veludo, e depois da reforma, estampadas, cadeiras acolchoadas, música romântica, tapetes. O público vestia-se elegantemente para ir ao cinema.
Apagavam-se as luzes, instalava-se o clima de magia, e ao menor toque das mãos, o calafrio, o coração disparado, algum beijo furtivo... Momentos inesquecíveis, havia emoção em tudo! Filmes como “Suplício de uma saudade”, “A um passo da eternidade”, “A princesa e o plebeu” fizeram minha geração se emocionar.
Quando assisti ao maravilhoso filme “Cinema Paradiso” em 1990, o Cine São Luís se tornou meu Cinema Paradiso onde reencontrei, emocionada, meus sonhos de menina-moça.
Aos sábados ou domingos, tínhamos o direito de chegar em casa mais tarde. Após o “footing” íamos dançar no Clube Montes Claros embaladas pelas músicas dos filmes. Blues, mambos, rumbas, boleros, sambas-canções. Bossa Nova começando, Glenn Miller e Tommy Dorsey... Éramos muito simples e provincianas, mas éramos felizes!
Já não encontro a paisagem do passado, nem as pessoas que enriqueceram minha infância e adolescência. A mudança veio chegando como quem não quer nada, levando para longe pessoas, coisas e lembranças.
A Rua 15 encolheu, lojas fecharam ou mudaram de endereço. O Cine São Luís fechou, o aristocrático Clube Montes Claros, onde vivemos bailes inesquecíveis, deu lugar ao conservatório Estadual Lorenzo Fernandez, orgulho da cidade.
Mas é a vida, o tempo passa. Menos no meu coração que não envelheceu. Nele guardo sonhos, lembranças, esperanças que resgato com emoção, quando necessito.
Busco o “tempo que não me parece perdido” pois como escreveu Lygia Fagundes Teles: “... Na juventude é só sentimento, qualquer emoção e os olhos se enchem de água”.

Carmen Netto Victória
Dia dos namorados


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Por Carmen Netto - 2/7/2007 14:42:49
Parabéns Montes Claros Declaração de amor a Montes Claros


“Levamos a terra nos ombros, como uma corcova... cheiros, vento, lembranças...”.
(um escritor português)



Os desenraizados são pessoas divididas. O cordão umbilical que me prende a Montes Claros nunca se rompeu, minhas raízes são fortes e profundas. Sou Montes-clarense e sertaneja. Forjei minha alma na solidão e na seca do sertão. Toda vez que retorno a Montes Claros, minha identidade sertaneja aflora, eu e ela nos completamos.
Minha memória registra todas aquelas pequenas sensações, sons, luzes, cheiros que me impregnaram...
Saí de Montes Claros há 46 anos, mas a cidade nunca saiu de mim. Ela está sempre presente nas minhas lembranças. Uma lembrança de entrar e sair de casas, dos quintais, de correr nas ruas poeirentas, de brincar na enxurrada na época das chuvas.Escutar o apito da Fábrica de Tecidos Santa Helena, ter como companheiro as badaladas do velho relógio do mercado municipal nas noites de insônia.
Lembranças do café da manhã, o pão quente com manteiga, a sirene das escolas, os sinos das igrejas, o céu azul do nosso inverno entrando casa adentro. Tanta coisa encantadora que esta terra nos doou.
Os Montes Claros confirmam o seu nome. Claros igual a outro lugar não há. Montes Claros do Norte de Minas, a capital. Basta conhecê-la para amá-la. Uma mistura de Minas e Nordeste. Uma Minas mais aberta, mais alegre, mas ainda assim Minas com seus mistérios e com a síntese dos jeitos mineiros de ser.
Rubem Alves escreveu”. Tudo que a gente ama deseja que permaneça para sempre”. Assim permanece a minha Montes Claros. Guardo dela na memória lembranças de um colo de mãe, uma saudade doce.
Saudade do velho Mercado Municipal com aromas se misturando, cheiro de pequi, fragrância adocicada de cajá-manga, coentro, mexerica, queijo, rapadura, todos os cheiros do sertão.
Hoje uma Montes Claros tão diferente da minha infância mas ainda conservando sua essência na alma do povo.
No âmago saudades... misturam-se lembranças queridas e um sentimento de adeus...
O crescimento das cidades é bem-vindo e necessário. Para que aconteça de forma honesta e inteligente é preciso mais que edifícios.
A construção do verdadeiro progresso, não nega o passado, não o exclui, mas valoriza as gerações que o fizeram.
Montes Claros: você é minha referência e meu orgulho, você é todo um chão para mim.Você é tudo!


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Por Carmen Netto - 30/5/2007 22:08:25
Caleidoscópio de uma cidade
“O vazio sempre foi minha preocupação constante;
e eu considero que, no coração do vazio como no
coração do homem, as chamas ardem.” (Yves Kleim)


Escrevo o que transborda do coração. Recebi de minha amiga Mary Pimenta, um e-mail emocionante sobre os anos 50/60. Imediatamente senti uma vontade, irreprimível de escrever, apesar do adiantado da hora. Plena madrugada, silêncio. Só a chuva miúda lavando a saudade.
No interior, a vida corria menos depressa. As relações eram mais próximas. A convivência direta entre as pessoas acontecia em toda Montes Claros. “A vida era subir Presidente Vargas e Dr. Santos, descer Camilo Prates e Dr. Veloso em direção a Praça Dr. Chaves.” Cercando a cidade os Montes Claros. Morenos na seca e verdes nas águas, envolvidos pelo céu mais azul que já vi.
A Rua Presidente Vargas era o point da cidade. Em suas imediações o Cine São Luiz, o café de Zim Bolão – guardando as devidas proporções- tão importante para a cidade como o café De Flore para Paris. As melhores lojas, a loteria de Seu Donato Quintino, o prédio da ZYD7. Um casarão destacava em suas imediações: o Mercado Municipal, com seu relógio marcando as horas dos montes-clarenses. No bar de Zim Bolão, conversava-se Tete a Tete de um tudo. Lá, as idéias efervesciam. Debatia-se política, intelectuais discutiam as novas correntes filosóficas, o povo discutia futebol, filmes eram comentados. Seu Santinho Amorim, cinéfilo de carteirinha, era um crítico singular. Comentavam com ele: - Que filmão, hein Santinho? Ele respondia: - Supimpa! Outro aproximava e dizia: - Que filme péssimo! Ele respondia: - Podre! E tomava o caminho de casa, rindo baixinho...
Todos se conheciam, trocavam impressões, expressavam pontos-de-vista sobre tudo quanto havia de mais intenso na cidade e no mundo. Uma sensação unânime também paira sobre aqueles que viveram a Montes Claros dos anos 50/60. Festas nos clubes sociais, horas dançantes em casas de famílias, piqueniques nas fazendas. E a Praça de Esportes? Local onde grandes desportistas se destacaram na natação, no vôlei, no basquete. Aconteciam os campeonatos do interior. Torcidas organizadas, a rivalidade entre Montes Claros e Diamantina. Nossos atletas, sendo respeitados no Estado. Como esquecer as cortadas de Zembla Melo, Marlene Almeida, Moema Versiani, Luci Paraíba. Elas viravam qualquer jogo, junto com as levantadoras Luci Almeida, Glória Bogatzki, Vilma Gonçalves, Teresinha Fróes que, sob a batuta de Seu Pimenta elevaram o nome de nosso burgo. Outra sensação unânime também paira sobre aqueles tempos. Parece que as horas passavam mais devagar e tínhamos condição de ler mais, comentar os “filmes–cabeça”. Estávamos sempre em busca de algo que nós mesmas não sabíamos o que era. Participávamos do movimento estudantil, fazíamos cadernos de poesia, de recordações, de receitas, antevendo o casamento, sonho da maioria...
No Diretório Central dos Estudantes, sob a presidência de Vanderlino Arruda, germinavam sementes que nos tiravam da alienação e nos tornavam mais conscientes do nosso papel na comunidade.
Os eventos mais comentados da época eram o baile do suéter, onde se elegia a Miss Suéter, a rainha dos estudantes, a rainha e as princesas do Tiro de Guerra 87. A rainha do Algodão e a rainha do Centenário, cuja escolha recaiu sobre Maria Luísa Veloso Costa (Bisa), uma das moças mais bonitas da cidade, hoje, já encantada.
Mas a grande pedida, era dançar nos clubes sociais, onde a paquera rolava solta. Se sobrava algum dinheiro, cotizava-se e íamos comer um churrasco delicioso no Mangueirinha, ao som de Matinata, Torna a Sorriento, Volare, Only You. Era uma geração ingênua. Tudo era emoção, sonho e ilusão, apesar de sentir no ar as primeiras aragens do movimento feminista.
Lia-se na Gazeta do Norte, as encantadoras crônicas de D. Ivone Silveira sob o pseudônimo de Simone. O “Jornal de Montes Claros” – celeiro de grandes jornalistas – iniciando sua trajetória de grande tiragem e credibilidade. “Tu Peixoto” escrevendo sobre a sociedade numa seção chamada Notas Sociais. Lazinho Pimenta, na Gazeta do Norte, depois no Jornal de Montes Claros, retratava a sociedade num estilo a la Jacinto de Thormes. Descrevia com classe e ética os eventos sociais da época. Era uma coluna democrática! Nela havia espaço para todos os estamentos sociais, desde que fossem importantes para a cidade.
Naqueles tempos as moças freqüentavam os estádios. Os embates entre o João Rebelo, depois Ateneu e o Cassimiro de Abreu movimentavam as tardes de domingo. Lembro-me da inauguração do Estádio João Rebelo. Foi o maior sucesso! O Fluminense do Rio de Janeiro veio para jogar com o Ateneu. À noite os jogadores foram passear na Rua 15. Foi a maior tietagem. Telê, o mais bonito e charmoso, Castilho, o goleiro de sobrancelhas fechadas, Píndaro, o mais simpático e educado, Pinheiro e outros que não lembro.
Nos anos 50/60, artistas da Rádio Nacional vinham apresentar-se em nossos palcos e clubes. Dalva de Oliveira – divina Dalva – Cauby Peixoto, que enlouquecia a platéia cantando “Conceição”, Emilinha Borba, Virgínia Lane e suas vedetes, Baden Powell, Esther de Abreu, Ângela Maria, Luís Gonzaga. Todos recebidos com “Pompa e circunstância”.
Em clima de Carlos Drummond de Andrade, me pergunto: E agora, Carmen?
“A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou.” Para onde você vai?
No silêncio da madrugada, a chuva miúda acalmou a saudade, o vazio, a ausência da terra natal. A tentativa de retornar ao passado, à juventude perdida, lembra outro verso. “Quer voltar à sua Montes Claros? A sua Montes Claros não existe mais.” Eu teimo e digo que existe. E a reencontro na memória, na escrita e ganho força para viver bem o meu hoje, o meu agora. Refiz roteiros, não esmoreço. Meu caleidoscópio de imagens está ao meu alcance a hora que quero. Carmen Netto Victória


Esta crônica é dedicada à Zilca Prates Tolentino e Carlos Meira.


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Por Carmen Netto - 18/5/2007 15:59:13
O Casamento de Lucizinha e Dedeto Prates

“Tem dias que levanto com uma vontade imensa de recuperar memórias perdidas. Sinto que o que está mais distante, ao mesmo tempo, está mais próximo”.
(Com licença de Rubem Alves)
Maio chegou neste 2007 com seus dias claros e luminosos. O céu de um azul total, sem uma nuvem. Noites mais frescas, um friozinho gostoso.
Os ventos que descem da Serra do Curral me levam até a Fazenda das Quebradas em Montes Claros, onde, no dia 30 de maio de 1959, aconteceu o casamento de Lucizinha e Dedeto.
Nossa vida é feita de coisas passageiras; a gente precisa reviver na medida do possível momentos que nos sensibilizaram intensamente. Gosto de recordar esses instantes que me emocionaram ao longo do caminho.
A beleza de certos momentos vividos se eterniza, e são eles que dão encantamento à vida. O casamento de Lucizinha e Dedeto se eternizou em minha memória, porque se revestiu de um encanto único.
Eu tinha nesta ocasião dezoito anos, era uma romântica convicta e esperava com ansiedade a oportunidade de assistir um casamento no campo, como aqueles descritos em romances de amor, ou vistos nos filmes ingleses. Mamãe fez para mim um lindo vestido de “voal” estampado. Comprei uma sandália branca para combinar, mas ficou uma frustração que espero ainda resgatar: queria usar um chapéu de palha italiana, enfeitado com fita e flores. Mas, como achar esse chapéu na Montes Claros de 1959?
Tudo conspirava em favor da cerimônia. A beleza da Fazenda das Quebradas, com seus jardins, os tons, o perfume das flores, a brisa da tarde, o crepúsculo. O entardecer coloria tudo de dourado, ocre e vermelho. Uma profusão de cores refletindo na serra onde o cruzeiro, com os braços abertos, acolhia a todos presentes.
A queda das flores da paineira forrava o chão como um tapete rosa, surpreendente, lindo e diferente! Sob esta árvore foi armado o altar, coberto com alva toalha de linho, um crucifixo dourado e castiçais com velas. A decoração era a própria natureza, que nesse dia se esmerou mais ainda.
Lucizinha saiu de sua casa de braço dado com o pai, Pedro Cristino Veloso. Estava linda! Usava um vestido de noiva branco, esvoaçante, feito pelas mãos de artista de Teresa Dias, minha querida tia Tê. Uma grinalda singela realçava sua beleza morena, sua faceirice. Havia um brilho de felicidade nos seus olhos.
A Banda do 10º Batalhão tocou a marcha nupcial, enquanto ela percorria um tapete de flores rosas em direção ao altar onde Dedeto a esperava rodeado de familiares.
Arinha, serena e aristocrática como uma marani indiana, era a soberana daquele paraíso. Compartilhava com todos a emoção que, como um véu diáfano, nos envolveu.
Senti naquele momento de intensa beleza, a presença e o brilho de Deus.
Na medida que transcorria o casamento, celebrado por Monsenhor Gustavo, a luz dourada da tarde iluminava os noivos e ampliava a beleza daquele cenário: flores rosas que, ao menor sopro da brisa, caíam da paineira sobre os presentes; o azul do céu de final do outono, a Ave-Maria de Schubert...
Naquele instante de fascinação e felicidade, nada mais fiz que agradecer a Deus em silêncio. Revesti-me de um grande sentimento de paz. Experimentei uma emoção que não consegui explicar!
A Fazenda das Quebradas era famosa na arte de bem receber. De sua cozinha saíam almoços e jantares dignos dos deuses. As compotas de figo, laranja, limão; os doces de leite e pêssego, servidos em terrinas e compoteiras antigas. Tudo tão montesclarense, tudo tão mineiro!
A recepção não fugiu à regra. Farta, deliciosa, requintada como tudo era requintado nas Quebradas.
A lua cheia atrás da serra sucedeu o entardecer. Estrelas começaram a cintilar, mudando os tons da noite que chegava devagarinho, mas a alegria e o encantamento persistiam. Tudo sugeria estarmos vivendo um sonho.
Subimos na carroceria de um caminhão forrado com colchões e iluminadas pelo clarão da lua, envolvidas pelo enlevo vivido, retornamos a Montes Claros.
Este foi o casamento mais romântico, mais bonito que já assisti.
A fantasia e o sonho que dão um encanto maior à vida continuam comigo. Agradeço a Deus não terem se extraviado para o esquecimento recordações e lembranças emocionantes, como foi o casamento de Lucizinha e Dedeto.

Carmen Netto Victória


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Por Carmen Netto - 11/5/2007 17:54:32
Para todas as mães com especial carinho pelo seu dia.
As Receitas de Mamãe


Ganhei o meu dia, achando um velho caderno de receitas de mamãe, que estava atrás dos livros da coleção do Tesouro da Juventude. Comecei a folheá-lo e sua letra firme e forte, em meio às manchas de gorduras e marcas da lida caseira transportou-me para outros caminhos, outros tempos.
A geração a qual pertenceu a minha mãe era de mulheres prendadas: costuravam, bordavam, teciam e cozinhavam divinamente.
E, de repente, um canto da minha memória se iluminou e vi minha mãe fazendo comidas deliciosas. Era um ritual. A escolha das panelas, do tacho de cobre faiscando de dourado após ser lavado com sal e limão, de onde saíam doces maravilhosos; da máquina manual de fazer maionese, até a ida ao mercado para escolher os melhores alimentos. Ali, entre frutas, verduras e legumes de todas as cores da natureza, ela escolhia os ingredientes para suas receitas.
No fogão, a lenha crepitava, a fumaça ardia os olhos. Em meio a doces, tortas, bolos, quitandas, o aroma de cravo, canela, baunilha e outras especiarias enchiam a casa.Eram cheiros acolhedores, e traziam um bem-estar que só se experimenta quando se é criança: uma sensação de que nada pode nos atingir a não ser uma dor de barriga, ou uma nota baixa na escola...
Receitas trabalhosas, minuciosas, elaboradas; outras mais simples, tudo era feito com esmero. Algumas receitas, da geração de minha avó, escritas com caligrafia e ortografia antigas e nomes engraçados: Papo-de-anjo, Espera Marido, Pudim de Noivos, João Gordo, Maria Sapeca e Beijos de Eduardo Jorge... (Quem seria esse Eduardo Jorge, cujos beijos foram eternizados numa receita?).
Receitas feitas com banha de porco, dez a quinze ovos, manteiga. Quem lá sabia de colesterol, triglicérides altos e outros perigos mais? O que contava era o prato colorido, perfumado, subindo para nossa alma. O encanto abençoado das coisas boas e simples. Era o encanto de Montes Claros.
Cozinhar é muito mais que alimentar o estômago da família. Receitas de mãe alimentam carências afetivas, são os alimentos da alma. Às vezes estamos tristes, sofremos perdas; somos restaurados por essas comidas que remontam a infância e nos trazem colo e proteção.
Existe um componente na comida de mãe, que não encontramos nas outras comidas: O Amor! Na Bíblia, no livro de Provérbios (14:23) diz mais ou menos a mesma coisa: “Mais vale um prato de verdura com amor, do que um boi com indiferença”. Deus capacita às mães a nutrir os seus de modo especial. Comida de mãe é nosso agasalho. É o elo da família em torno da mesa, é lembrança de infância. Infância em quintal de folhas no chão e frutas nas árvores. Disputas pelas raspas do tacho, café com rapadura, quitandas. Repiques de sino na Igrejinha do Rosário, apito de trem cortando a cidade, vestido de organdi suíço, fita nos cabelos e sapato Shirley Temple nas missas de domingo.
Roda de velhos na loteria do “Seu” Donato, histórias de assombração contadas pelas empregadas na boca da noite, costumes caseiros que trazem o gosto do eterno. Receitas de avós, de mães, sempre inesquecíveis.
E, quando elas se vão, é sempre uma alegria saborear alguma receita que elas nos ensinaram a apreciar, como a deliciosa torta de banana, que apesar de muito trabalhosa, de vez em quando me atrevo a fazer quando preciso de colo de mãe.

Para minha mãe, Maria Aparecida Dias Netto, pelo “Dia das Mães”
Carmen Netto Victória


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Por Carmen Netto - 24/4/2007 10:03:24
A FAZENDA DAS QUEBRADAS


Não tenho a menor pretensão de seguir a trilha dos grandes memorialistas, mas não abro mão de evocar minhas mais belas lembranças. Entre estas, estão as vivências na Fazenda das Quebradas, durante a infância e a adolescência.
As imagens de minha vida, desde criança, se projetam cada vez mais nitidamente diante de mim e assim posso retomá-las.
Existem lugares que se amam desde a primeira vez... A Fazenda das Quebradas é um destes lugares. Quando se combinava um passeio às Quebradas, misturavam-se emoções. O tempo custava a passar até o dia aprazado, já antegozávamos o prazer de tomar leite ao pé da vaca, andar a cavalo, escutar “causos” junto ao fogão de lenha, nadar no riacho que serpenteava a casa. Eram prazeres que aqueciam o coração e a alma.
Cedo lá íamos nós. O caminho sempre colorido na floração dos ipês roxos ou amarelos. No verão os flamboyans se avermelhavam; se época da chuva, os tons de verde da paisagem: verdes-tenros, verdes-musgos, verdes-esmeraldas misturados a flores ingênuas e caipiras.
Depois da curva do caminho, num abrir e fechar de olhos, meu mundo transformava-se. Tinha chegado ao Paraíso. A visão da serra que fazia a moldura das Quebradas onde vi os mais lindos poentes; o coqueiral ao fundo balançando as folhas conforme o capricho do vento. O casarão antigo, acolhedor, rodeado de jardins viçosos. A paineira cor de rosa junto à cerca. Hortênsias, manacás, roseiras, ervilhas de cheiro, amores-perfeitos e cravos misturavam cores e fragrâncias. A primavera reinava nos Jardins das Quebradas o ano inteiro! Trepadeiras floresciam, qual uma cortina de flores no alpendre. O riacho de águas claras corria brincalhão num leito de pedrinhas e seixos.
Mais ao longe, o pomar com seus pessegueiros, cobertos de flores delicadas em róseos matizes; goiabeiras, laranjeiras, pitangueiras... Era um paraíso de árvores carregadas com frutos deliciosos, fragrância de flores, cantar de pássaros e a dança colorida das borboletas.
Mal descia do carro, ia para o meu refúgio predileto: o riacho de águas claras, em cujas margens nasciam samambaias e lírios silvestres de um perfume intenso, embriagante. Eu me sentia a própria Narizinho do Sítio do Pica-Pau Amarelo a procura do peixe rei das águas, e viajava nas asas da fantasia. Patos nadavam, pontes encantadoras ligavam suas margens.
Chegava a hora do almoço. Ah! Os almoços nas Quebradas... Numa sala imensa, a mesa posta com as melhores iguarias do mundo! O cheiro delicioso da comida de “Sá” Joana, feita com o coração e com mãos abençoadas, invadia a casa. As pessoas assentavam-se à mesa. As horas escorriam em meio a conversas sérias sobre a vida, o tempo, ou simplesmente contavam casos inocentes e divertidos. Sobremesas carregadas de aromas e cores intensas. No ar, o cheiro de café torrado e moído na hora era servido encerrando um ritual quase sagrado.
A alegria do conviver, do compartilhar, continuava na grande sala, em cujas paredes sobressaiam os traços leves e delicados da pintura da grande artista Lourdes Antunes.
Sobre a lareira, uma mensagem para os donos da casa assinada pelo maior estadista que este país já teve: Juscelino Kubitschek de Oliveira. O sofá de seda cor de rosa pêssego, vasos com flores em profusão, folhagens traziam a natureza para a sala.
Pessoas inesquecíveis faziam parte deste universo! Pedro Veloso, com sua verve, seus ditos engraçados, pitando seu cigarrinho de palha, dizia com uma piscadela e risada maliciosa: “Quando o homem embaça os olhos, perde o brilho dos olhos, perde também a alegria de viver”.
Arinha, maestrina da bondade, nobreza e modéstia do ser humano, sempre cultivou a arte do bem acolher. Recebia com o coração e com aquele sorriso que era a materialização da paz. Completando este quadro, Lucizinha, Ná, Tião, Terezinha, Cristina e mais uma infinidade de amigos, afilhados, agregados.
No inverno acendia-se a lareira. O clima na fazenda era bem diferente de Montes Claros. Que aconchego! O calor do fogo irmanava as pessoas, solidificando amizades para o resto da vida. Ao pé da lareira se misturavam realidade e fantasia; conversas não tinham hora para terminar. Eram noites de muita alegria, risadas e comentários dos últimos romances lidos.
Para mim a Fazenda das Quebradas é Minas. É fogão de lenha, é o cafezinho na canequinha esmaltada, é cachaça curraleira, doces e quitandas. É cigarro de palha, fumo de rolo. É carro de boi com seu canto arrastado numa queixa sentida.
Uma riqueza de imagens cheias de cores, cheiros e vozes me levam à cozinha das Quebradas, onde “Sá” Joana reinava soberana. Existe coisa melhor que estar na cozinha, ao lado de um fogão aceso, desfiando conversa, escutando “causos”? A cozinha enchia-se de cheiros: doces de pêssego, goiabada, compotas diversas; doce de leite, goiabas em calda, cravo, canela. Biscoitos de receitas antigas passadas de geração em geração! Broas de milho assadas em folha de bananeira...
Passeios na Lapa Grande, escutar o vento cantando nas mangueiras. Em junho e julho, ver a floração das orquídeas inundando a fazenda com seu odor misterioso...
Imagens cristalizadas no tempo, perfeitas, intocáveis.
Ah! Foram tempos de vida e alegria!
Hoje, trago em minha memória os tons da paisagem, o cheiro de óleo de linhaça nas tábuas corridas do casarão, o perfume inebriante do pé de jasmim, a lua nascendo atrás da serra.
Na beleza da Fazenda das Quebradas, “eu vi a face de Deus refletida na natureza”.


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Por Carmen Netto - 29/3/2007 09:31:23
Reviver o Colégio Diocesano
Nem que seja no montes claros.com
Esta crônica é dedicada aos colegas que tiveram o privilégio de lá estudar.

Colégio Diocesano

Tudo que eu não quero perder são as lembranças da juventude. Quantas recordações do meu tempo de estudante! Foram tantos sorrisos, tantas palavras que ficaram na memória... Dos professores, a saudade, da escola, experiências enriquecedoras que se gravaram na fronteira da memória e da alma.
O Colégio Diocesano Nossa Senhora Aparecida substituiu o Ginásio Municipal. Apesar de ser da Mitra Diocesana era uma escola considerada muito diferente de suas congêneres. Era uma escola preocupada em formar pessoas para pensar, para sentir, para falar e fazer a diferença na sociedade.
Tudo isso vem à tona ao achar uma fotografia em preto e branco que o tempo tornou levemente amarelada, de um parada de 7 de Setembro, onde, usando uniforme de gala – vestido de seda “Patou”, saia pregueada, gola marinheiro, boina azul marinho, sapatos pretos e meia cor da pele – íamos desfilar pelas principais ruas da cidade. Era um momento especial pra paquerar a rapaziada do colégio, que ficava mais bonita em seus uniformes de gala.
No dia-a-dia, usávamos o uniforme composto de saia pregueada – que ficava sempre debaixo do colchão para não abrir as pregas – blusa de tricoline com uma gravatinha onde listras azul-marinho indicavam a série que cursávamos. Cinturas apertadas por cintos largos de látex, caras lavadas, só um batonzinho para alegrar, e rabo de cavalo.
Por onde andará aquela juventude? Perdida num passado que eu gostaria de reviver.
Lembrar das aulas maravilhosas de Pedro Sant’Ana onde apaixonamos pela História Geral, do prof. Belisário, sósia de Castro Alves que levava as alunas a recitarem “O Navio Negreiro” e “Vozes D’ África”; aulas de trabalhos manuais, onde aprendíamos a bordar, economia doméstica onde fazíamos um lindo caderno-roteiro para administrar o lar. As aulas de Geografia com Maria Inês Versiani despertavam vontade de conhecer lugares e correr o mundo, Francês com o Padre Agostinho Beckauser, bravo até não poder mais, que nos deu ótima base da língua francesa; Português com o Pe. Vicente Aguiar, na terrível gramática “FTD”, análises de Camões e redações. As aulas de latim com monsenhor Osmar de Novaes Lima eram encantadoras. Estudamos a vida de Roma na coleção “Ludus Primus”.
Mas... a matemática me perseguia com seu mecanismo implacável. Seus teoremas me pareciam armadilhas preparadas com malícia e aqueles problemas das caixas d’água eram de matar qualquer mortal.
Apesar da disciplina austera – o colégio era misto – existiam atividades integradas como o Grêmio Lítero-Esportivo, onde os alunos apresentavam números musicais, poesias, discursos, acredito que foi a primeira tribuna de todos nós. Por favlar em austeridade, lembrei-me de um castigo recebido. Faltou um professor. Não tendo substituto, ficamos à vontade. Resolvemos fazer um desfile para ver quem tinha as pernas mais bonitas. A algazarra atraiu o Padre Agostinho exatamente na minha hora. Ele perdeu o controle. E suspendeu toda a classe e deu como castigo escrever quinhentas vezes: “Devo proceder bem na sala de aula”. Foi uma escorregadela da pedagogia, fizemos calo nos dedos, mas valeu a brincadeira!
Às 17 horas soava a campainha que nos libertava das quatro aulas, para o jogo de voley. Num campo de terra batida, disputávamos várias partidas com aquela bola de capota branca, que tornava o jogo sensacional. Ou então, íamos ver os rapazes jogarem futebol, onde com um sorriso franco e um jeitinho encantador fazíamos daquele local, espaço para conversar com o colegas e viver ocasionais romances, numa doce intimidade de mãos dadas.
Vivíamos enquadradas às normas daqueles tempos, mas de vez em quando, matávamos aulas. Saíamos em grupo, num alarido tão estridente quanto um bando de pássaros, rumo à Praça Dr. Carlos, onde sentadas em seus bancos, comíamos as guloseimas que o mercado sempre oferecia. Ali, entre pipocas, quebra-queixo e roletes de cana, conversávamos sobre nossos projetos, nossos sonhos. Foram momentos bons e bonitos que vivemos irmandadas pela amizade que se consolidava a cada encontro diário, naquele prédio acolhedor.
O Colégio Diocesano foi um marco em minha vida, era uma complementação da minha família. Os professores não ficavam só no ensino das disciplinas – iam além – educavam.
Hoje, existem jovens em outras roupagens, em outros tons, em outros sons e em outros visuais. A própria Montes Claros continua jovem, progressista, universitária, efervescente de cultura e palco de outra história, onde os personagens serão sempre os mesmos, só mudam as circunstâncias


21098
Por Carmen Netto - 14/2/2007 13:45:57
“Confete, pedacinho colorido de saudade”

Não me passou pela cabeça escrever sobre o carnaval. Contudo ao ler no “Jornal de Notícias” do dia 06 de fevereiro a crônica “Caindo a Máscara” de Felipe Gabrich e uma matéria emocionante na página “Celebridades Nossas”, de Marcos Guimarães, focalizando a figura inesquecível de Dona Afra Bichara, a maior carnavalesca de Montes Claros, não resisti e aqui estou alinhavando lembranças esgarçadas.
A emoção brotou de uma nascente, se transformou num fio de água, num riacho, num rio e lá estava eu acompanhando o cortejo alegre de Dona Afra. Uma saudade louca, arrasadora voltou de repente invadindo meu peito, ressuscitando todas as lembranças adormecidas.
Livre do tempo e do espaço vou atrás de Dona Afra curtindo o mais precioso dos bens, que é a alegria. Uma charanga animadíssima tocava marchinhas carnavalescas e como uma rainha, com direito a reverências, súditos e aplausos, Dona Afra comandava o carnaval daqueles tempos com o respeito e admiração da cidade. Também “seu” Vavá alfaiate usando uma camisa amarela de cetim, boné de marinheiro, tocando seu piston, animava o corso. A cabeça fervilha de recordações e como num filme, vejo Roque Barreto tocando surdo em meio a serpentinas, confetes e o cheiro delicioso, inebriante do lança-perfume Rodouro!
No Clube Montes Claros, a animação das matinês reunia adolescentes e crianças. Lembro-me das mais animadas folionas: Layce Tourinho, Janete Bessone e Marly do Prado. Layce, de família baiana, trazia no sangue e no pé a alegria de dançar. Usava fantasias lindas, uma para cada dia, e sempre tirava o primeiro lugar. Janete – hoje saudade – requebrava sem parar, animada como ela só, e Marly do Prado, lindíssima, num sarong dos mares do Sul, era a rainha do carnaval!
Viver é um exercício que deixa marcas. Carnaval é tempo de festejar, tempo de brincar, de sentir animação e alegria. Eu tinha mais ou menos dezesseis anos, minha avó Marieta sugeriu que eu deveria fazer um retiro espiritual nos treis dias de carnaval. Chegaram na cidade uns padres redentoristas, famosos por suas pregações. Concordei mais pela curiosidade que pela fé. Como me arrependi! Enquanto o Clube Montes Claros fervia de animação, eu usando um vestido com um “bolero” de mangas compridas – não se podia entrar na igreja com roupa decotada e sem mangas; o saudoso Padre Dudu, bastante inflexível, estabeleceu essa ordem para o sexo feminino – contrita, comecei a escutar o sermão. O Padre descrevia num tom de voz tétrico, as angústias do purgatório, os horrores do inferno, os demônios e suas maldades, esperando algum dia aqueles que pulavam o carnaval. O acerto de contas com Deus seria implacável. O medo me dominava, eu suava em bicas com o calor de fevereiro, o bolero de mangas compridas e as labaredas do inferno. “Meu coração batia que nem um bongô” e saí correndo da igreja. Cheguei em casa revoltada e para dormir precisei tomar “maracugina”.
.No outro dia, feliz da vida, fui dançar meu carnaval, apesar de nunca ter fantasiado; essa é uma das minhas frustrações...

Hoje, tento analisar o carnaval mineiro. Nas cidades históricas e ribeirinhas é bastante animado. Em Belo Horizonte parece a parada de sete de Setembro, a alegria é vivida por decreto. Não há termo de comparação com a animação de Salvador, Recife e Olinda.
Porquê? Existe um jeito mineiro de ser? Penso que sim, e eu o reconheço na sobriedade dos sentimentos. Somos todos mais resguardados e contidos.
Apesar de ter nascido e vivido numa Minas sem barroco, oratórios, incenso, sem montanhas, em pleno sertão, ainda assim somos contidos. O Norte de Minas, uma das muitas Minas de Guimarães Rosa, cultua as serestas, danças folclóricas, mas o carnaval não tem lá seu espaço e destaque.
Por isto, Dona Afra, “seu” Vavá alfaiate, Roque Barreto e tantos outros que animaram o carnaval dos anos 40, 50, 60 não podem ser esquecidos e merecem um lugar de honra na história do carnaval Montes-Clarense.

Carmen Netto Victória
Fevereiro de 2005


19944
Por Carmen Netto - 12/1/2007 02:07:15
A crônica "Moulin Rouge Curraleiro"me lembrou "Amacorde" de Felline. Lírica,linda,lembranças inocentes que me devolveram a era da inocência. Raphael Reis,continue a nos presentear com suas recordações, elas nos encantam,principalmente quando descortinam a vida bôêmia (assunto proibido para minha geração.)Não é atoa que avida boêmia de Montes Claros è famosa no Estado de Minas e até no Brasil...


19732
Por Carmen Netto - 5/1/2007 17:45:14
Reenviando a crônica Caleidoscópio de Caleidoscópio de uma cidade

“O vazio sempre foi minha preocupação constante;
e eu considero que, no coração do vazio como no
coração do homem, as chamas ardem.” (Yves Kleim)



Escrevo o que transborda do coração. Recebi de minha amiga Mary Pimenta, um e-mail emocionante sobre os anos 50/60. Imediatamente senti uma vontade, irreprimível de escrever, apesar do adiantado da hora. Plena madrugada, silêncio. Só a chuva miúda lavando a saudade.
No interior, a vida corria menos depressa. As relações eram mais próximas. A convivência direta entre as pessoas acontecia em toda Montes Claros. “A vida era subir Presidente Vargas e Dr. Santos, descer Camilo Prates e Dr. Veloso em direção a Praça Dr. Chaves.” Cercando a cidade os Montes Claros. Morenos na seca e verdes nas águas, envolvidos pelo céu mais azul que já vi.
A Rua Presidente Vargas era o point da cidade. Em suas imediações o Cine São Luiz, o café de Zim Bolão – guardando as devidas proporções- tão importante para a cidade como o café De Flore para Paris. As melhores lojas, a loteria de Seu Donato Quintino, o prédio da ZYD7. Um casarão destacava em suas imediações: o Mercado Municipal, com seu relógio marcando as horas dos montes-clarenses. No bar de Zim Bolão, conversava-se Tete a Tete de um tudo. Lá, as idéias efervesciam. Debatia-se política, intelectuais discutiam as novas correntes filosóficas, o povo discutia futebol, filmes eram comentados. Seu Santinho Amorim, cinéfilo de carteirinha, era um crítico singular. Comentavam com ele: - Que filmão, hein Santinho? Ele respondia: - Supimpa! Outro aproximava e dizia: - Que filme péssimo! Ele respondia: - Podre! E tomava o caminho de casa, rindo baixinho...
Todos se conheciam, trocavam impressões, expressavam pontos-de-vista sobre tudo quanto havia de mais intenso na cidade e no mundo. Uma sensação unânime também paira sobre aqueles que viveram a Montes Claros dos anos 50/60. Festas nos clubes sociais, horas dançantes em casas de famílias, piqueniques nas fazendas. E a Praça de Esportes? Local onde grandes desportistas se destacaram na natação, no vôlei, no basquete. Aconteciam os campeonatos do interior. Torcidas organizadas, a rivalidade entre Montes Claros e Diamantina. Nossos atletas, sendo respeitados no Estado. Como esquecer as cortadas de Zembla Melo, Marlene Almeida, Moema Versiani, Luci Paraíba. Elas viravam qualquer jogo, junto com as levantadoras Luci Almeida, Glória Bogatzki, Vilma Gonçalves, Teresinha Fróes que, sob a batuta de Seu Pimenta elevaram o nome de nosso burgo. Outra sensação unânime também paira sobre aqueles tempos. Parece que as horas passavam mais devagar e tínhamos condição de ler mais, comentar os “filmes–cabeça”. Estávamos sempre em busca de algo que nós mesmas não sabíamos o que era. Participávamos do movimento estudantil, fazíamos cadernos de poesia, de recordações, de receitas, antevendo o casamento, sonho da maioria...
No Diretório Central dos Estudantes, sob a presidência de Vanderlino Arruda, germinavam sementes que nos tiravam da alienação e nos tornavam mais conscientes do nosso papel na comunidade.
Os eventos mais comentados da época eram o baile do suéter, onde se elegia a Miss Suéter, a rainha dos estudantes, a rainha e as princesas do Tiro de Guerra 87. A rainha do Algodão e a rainha do Centenário, cuja escolha recaiu sobre Maria Luísa Veloso Costa (Bisa), uma das moças mais bonitas da cidade, hoje, já encantada.
Mas a grande pedida, era dançar nos clubes sociais, onde a paquera rolava solta. Se sobrava algum dinheiro, cotizava-se e íamos comer um churrasco delicioso no Mangueirinha, ao som de Matinata, Torna a Sorriento, Volare, Only You. Era uma geração ingênua. Tudo era emoção, sonho e ilusão, apesar de sentir no ar as primeiras aragens do movimento feminista.
Lia-se na Gazeta do Norte, as encantadoras crônicas de D. Ivone Silveira sob o pseudônimo de Simone. O “Jornal de Montes Claros” – celeiro de grandes jornalistas – iniciando sua trajetória de grande tiragem e credibilidade. “Tu Peixoto” escrevendo sobre a sociedade numa seção chamada Notas Sociais. Lazinho Pimenta, na Gazeta do Norte, depois no Jornal de Montes Claros, retratava a sociedade num estilo a la Jacinto de Thormes. Descrevia com classe e ética os eventos sociais da época. Era uma coluna democrática! Nela havia espaço para todos os estamentos sociais, desde que fossem importantes para a cidade.
Naqueles tempos as moças freqüentavam os estádios. Os embates entre o João Rebelo, depois Ateneu e o Cassimiro de Abreu movimentavam as tardes de domingo. Lembro-me da inauguração do Estádio João Rebelo. Foi o maior sucesso! O Fluminense do Rio de Janeiro veio para jogar com o Ateneu. À noite os jogadores foram passear na Rua 15. Foi a maior tietagem. Telê, o mais bonito e charmoso, Castilho, o goleiro de sobrancelhas fechadas, Píndaro, o mais simpático e educado, Pinheiro e outros que não lembro.
Nos anos 50/60, artistas da Rádio Nacional vinham apresentar-se em nossos palcos e clubes. Dalva de Oliveira – divina Dalva – Cauby Peixoto, que enlouquecia a platéia cantando “Conceição”, Emilinha Borba, Virgínia Lane e suas vedetes, Baden Powell, Esther de Abreu, Ângela Maria, Luís Gonzaga. Todos recebidos com “Pompa e circunstância”.
Em clima de Carlos Drummond de Andrade, me pergunto: E agora, Carmen?
“A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou.” Para onde você vai?
No silêncio da madrugada, a chuva miúda acalmou a saudade, o vazio, a ausência da terra natal. A tentativa de retornar ao passado, à juventude perdida, lembra outro verso. “Quer voltar à sua Montes Claros? A sua Montes Claros não existe mais.” Eu teimo e digo que existe. E a reencontro na memória, na escrita e ganho força para viver bem o meu hoje, o meu agora. Refiz roteiros, não esmoreço. Meu caleidoscópio de imagens está ao meu alcance a hora que quero.
Carmen Netto Victória

Dezembro/2006
Esta crônica é dedicada à Zilca Prates Tolentino e Carlos Meira.


19715
Por Carmen Netto - 5/1/2007 12:20:27
Saulo, Saulo, quem é você ? Escreve tão bem! estava sumido e, hoje alegrou a manhã de chuva com seu lindo texto. As notícias de montes claros estão tão tristes! Como citou Guiaroni devo ser sua conteporânea, não perdia um programa dele na Rádio Nacional. Concordo com você, não vamos deixar nossa história nossas tradições morrerem.Infelizmente Vírgilio já se encantou mas, nós vamos continuar na trincheira. Saudações montes-clarences com aroma de pequis.


19247
Por Carmen Netto - 19/12/2006 12:23:34
A esperança que o nascimento do Menino cristaliza, aquela vontade de ser menina e sonhar com brinquedos, aquele desejo oculto de abraçar amigos e amigas, de desejar um mundo melhor me envolveu. O Espírito de Natal tomou conta de mim.Feliz Natal, amigos muralistas!

Sonho de Natal
(Carmen Netto Victória)

Acordo no meio da noite,
E fico a escutar os sons da
madrugada.
A insônia me pegou,
E para longe o pensamento
levou...
Distante, quando ainda era uma
menina.

O vento sussurrou de leve no meu
ouvido:
Por que não vai em busca dos
natais perdidos?
Levada pelo vento lá vou eu,
livre, liberta,
Viajando nessa madrugada de
Dezembro
A recordar os natais de tempos
idos.
Lembranças lindas atadas com
fita cor de rosa
Guardadas a sete chaves
De um tempo tão querido!
Presépios, pastorinhas, missa do
galo...
Ceias singelas e alegres.
Ah! Como me lembro!
Sapatinho debaixo da cama,
Presentes, sorrisos, emoção.
No silêncio e na magia
Numa gruta, o menino nascia.
Veio para redimir, salvar, amar.
A estrela iluminando a noite
Trazendo paz e harmonia.
Hoje, no meu presépio particular
Manjedoura-coração peço ao
menino:
Quero voltar a ser menina e
sonhar com brinquedos...
Quero abraçar amigos e amigas.
Quero que um mundo novo se
inaugure.
Quero fazer o outro feliz.
Perguntei ao espírito do natal
como fazê-lo.
Ele respondeu:
Partilha a mesa e a esperança.
Semeia o bem, a bondade, o amor.
Compartilha a dor.
Se proponha a renascer para que
outros tenham vida.
Vida que será sempre Natal!


19027
Por Carmen Netto - 9/12/2006 19:30:46
Relembrando os Natais da Infância


“Quero neste Natal me renovar, renascer em mim mesma, quero multiplicar meus olhos para verem mais”.
Cecília Meireles


Dezembro chegou. E chegou envolvido pelo Espírito do Natal, dominado pela presença do Cristo-menino.
Paira no ar o mistério do Natal. É um mês ao mesmo tempo alegre e triste. É uma época em que recordações, saudades e perdas afloram com mais força.
Ao ver as luzes tremeluzindo por toda cidade, minha chama interior também acendeu iluminando meu caminho à procura dos Natais da minha infância.
Ao iniciar a caminhada bateu uma angústia. Por que a angústia no Natal? Perguntei-me. Neste momento não consegui resposta e saí a procura dos Natais de minha infância, onde se esconderam? Em que curva do caminho ficaram?
Não desanimo. Saio à procura e vou acha-los. Já se disse que o Natal é época de milagres; o meu aconteceu porque um menino que veio há 2000 anos, me pegou pela mão e levou-me a Janaúba entre 1945 e 1950.
Aqueles Natais perdidos do passado retornaram inteiros, com a força do momento atual. Na época em que vivi em Janaúba tinha entre sete a dez anos. A cidade estava começando a arrancada de seu desenvolvimento para se tornar hoje o segundo pólo econômico do Norte de Minas.
Ruas sem calçamento, casas modestas, vida simples.
Na Rua Francisco Sá, onde morávamos, aos dias eram acrescidas mais esperança e alegria. Começavam os preparativos para o Natal. O ápice era o nosso presépio, onde o menino Jesus era o despojamento, a entrega, a felicidade suprema de nada possuir...
Também nossa árvore de Natal era tão linda! Tão ingênua, tão caipira, mas tão brasileira...
Em novembro já começávamos a juntar latinhas vazias de sardinha e marmelada para plantarmos o arroz. Mamãe orientava Ana e Geraldinha para ajudar-nos.
Plantávamos nos primeiros dias de dezembro, para que dia 23, estivessem verdes e viçosos para enfeitar a serra do presépio.
Depois arranjar carvão vegetal na padaria, moê-lo, mistura-lo com purpurina. Esta mistura era passada em papel de saco de cimento, umedecido com grude. Colocávamos em seguida para secar, sob o sol abrasador de dezembro.
O presépio era montado em uma mesa de canto, onde se colocavam caixotes de madeira. Cobria-se este suporte com os papéis pintados, imitando serras e grutas.
A manjedoura era coberta com areia branca do Rio Gorutuba, e na entrada da gruta a estrela-guia feita de papelão e revestida de purpurina, simbolizava um novo tempo, um novo caminho.
Depois, de armado o presépio, íamos lavar as mãos sujas pelo carvão para dispor as figuras que representavam a natividade.
Maria, José, o menino Jesus deitado em seu bercinho de palha, com as mãozinhas abertas, a nos acolher.
O galo anunciando a boa nova, o burro, o boi, próximos para esquentar o menino com seu bafo. Carneiros, ovelhas, pastores e camelos.
Descendo a serra, os reis magos.
Nosso arroz plantado estava grande, de um verde bonito, alegrava o presépio. Naquela gruta, no silêncio da vida, na noite de luz, Maria nos oferecia o Salvador-Jesus.
Depois de montado o presépio, era a vez de fazermos nossa árvore de Natal. Papai era quem liderava.
Dia marcado, lá íamos nós à procura do galho mais bonito para representá-la. Como a cidade era pequena naquela época, suas redondezas eram cercadas por juazeiros, pitombeiras, umbuzeiros.
Nossa árvore de natal era sempre um galho de pitombeira. Papai escolhia o maior e mais bonito! Como era tempo de pitomba, dos galhos pendiam os cachos dourados da fruta.
Trazíamos com cuidado o galho escolhido e o colocávamos numa lata vazia de querosene jacaré, firmando-a com pedras. Uma folha de papel crepom vermelha cobria a lata.
Agora, era começar a enfeitar nossa árvore.
Já estavam prontas as guirlandas, também de papel crepom de todas as cores: vermelhas, azuis, rosas brancas, amarelas... Juntamente com as guirlandas balões de várias cores completavam a decoração.
Impacientes, a noite do dia 24 custava a chegar. Mamãe rezava no presépio depois íamos para um cômodo da casa onde foi a loja, e de portas abertas recebíamos quem passasse, principalmente crianças que não tinham seu Natal.
Pastorinhas chegavam, cantando ternas e singelas canções de Natal, nos emocionando e levando-nos abrir mais nosso coração e deixando entrar toda a alegria daquela noite diferente.
Mamãe servia bolo com cobertura de glacê de laranja, refrescos, groselha, balas, doces e biscoitinhos. Todos se confraternizavam. Parecia que a centelha do Natal acendia em todos o fogo crepitante da vida, a alegria de viver e compartilhar.
Íamos deitar quando a noite já ia alta e as estrelas claras brilhavam na atmosfera, tão presentes quanto há dois mil anos atrás. No dia 25, a alegria de achar os presentes juntos aos sapatinhos, sob nossas camas.
Lembrando Machado de Assis, “mudou o Natal ou mudei eu? O Natal é o mesmo em sua essência, em seu mistério”.
Mudaram-se os tempos. Globalização trazendo árvores de Natal com neve, renas, nozes, castanhas, papais Noéis que dançam consumismo exagerado, Natal artificial...
Respeito as mudanças, procuro integrar-me a elas. Mas, neste Natal quero reencontrar a simplicidade, a singeleza dos Natais da infância.
Quero repartir a esperança com quem não a tem, estender a mão para ajudar o outro.
Constatei que quero reencontrar hoje a simplicidade e o encantamento dos Natais da infância, os Natais em Janaúba e compartilha-los com minha família e meus amigos.
Envolvi-me no manto da saudade, não aquela saudade que machuca, mas aquela saudade boa que agradece a vida vivida.
Sempre no Natal preciso de um tempo só para mim. Arrumo minhas emoções e minha casa. Resgato para mim mesma os Natais da infância tão simples, tão despojados...
Quero viver este tempo de Natal recuperando pessoas, vivências, saudades.
É um tempo de reflexão. Quero ver além do consumismo, “além do que todo mundo vê”.
Estou pacificada, reencontrei meus Natais! Singelos, mas tão felizes!
E agradecida me valho de Rubem Alves:
“O Natal é um poema
O Deus-menino é só amor.
Criança é riso, brinquedo, alegria
Por isso gosto muito do menino Jesus”.

Carmen Netto Victória
Natal de 2000.


18925
Por Carmen Netto - 5/12/2006 20:33:53
Para a familia de Virgílio de Paula
Lembro-me mais do menino Virgílio de Paula: calça branca, suspensório e camisa valísere xadrez sempre ao lado do irmão Walmor. Fazendo parte dos muralistas do Montesclaros.com reencontrei-o nos textos lindos, tão montes-clarenses que escrevia . Mudou-se para o mundo encantado, deixando muita saudade. Parafraseando John Donne "Virgílio era um pedaço de Montes Claros, uma parte do todo. A morte de qualquer um me diminui, porque estou envolvida no gênero humano. E por isto, os sinos não dobram só por Virgílio, eles dobram também por Montes Claros e também por nós que o perdemos. Minha solidariedade a D. Fina, Valéria, Virgínia e a sua filha Patrícia. Que a misericórdia divina as amparem nesse momento de perda.


18588
Por Carmen Netto - 22/11/2006 15:00:54
Para matar as saudades dos nossos cinemas.


Aqueles Cinemas e Seus Filmes Maravilhosos

Montes Claros teve sua fase áurea de cinemas. Eles eram o universo de diversão da cidade. Cines São Luís, Montes Claros, Cel. Ribeiro; cines Ipiranga na rua Melo Viana, Cine Nova Olinda na avenida Ovídio de Abreu e por último o cine Fátima considerado na época um dos melhores do interior de Minas. Vivíamos sob o signo do cinema. Imitávamos os penteados, as roupas, às vezes até os costumes que a Vênus Platinada Hollywood mostrava em seus filmes.
Ir ao cinema naquela época, era mais que uma simples distração, era como uma necessidade de viver ilusão, sair da realidade. A gente se preparava para exercer o sagrado direito ao refúgio no mundo dos grandes romances, das músicas temas, da vida encenada nas telas e que se eternizaram em nossas memórias. Para sair da rotina, da mesmice do cotidiano, ir ao cinema, entrar na tela e sumir com os heróis dos filmes, era um hábito. Por que não ir com Humphrei Bogart para Casablanca, com Gregory Peck para Roma, ou com Clarck Gable para Atlanta? Vivíamos sob o encantamento do cinema, vínhamos de uma meninice embalada pela fábrica de sonhos de Hollywood. Filmes água-com-áçúcar, épicos, grandes dramas, faroestes, policiais; as chanchadas da Atlântida com Grande Otelo e Oscarito, os desenhos de Walt Disney. Os musicais da Metro faziam grande sucesso e levavam a sonhos e fantasia. Os filmes em Tecnicolor, cinemascope e som estereofônico enlouqueciam nossa imaginação. Sonhávamos com as façanhas de Tarzan, vivíamos as peripécias da 2ª Guerra Mundial: bombardeios em Londres, espionagem em Paris, Truculência na Alemanha. Amamos, odiamos e invejamos Scarlet O’hara. Adoramos Natascha em “Guerra e Paz”. Apaixonamos por Jeniffer Jones e William Holder em “Suplício de uma saudade”. A paixão por esse filme foi tanta, que, ao escutar a música tema “Love is many splendor thing” todo mundo chorava. A moda chinesa invadiu nosso tropical Brasil e ganhei um vestido de cetim estampado azul-turquesa igual ao que Jeniffer Jones usava nesse filme.
“Pic-nic” com Kim Novak e William Holden arrebentou corações, quando ela, ao som de “Moonglow” descia uma escadinha e caía nos braços do mesmo. Sensualidade e sedução à flor da pele.
Debora Kerr e Burt Lancaster protagonizaram o beijo mais bonito do cinema em “A um passo da eternidade”, quando envolvidos pela espuma das ondas do Pacífico, seus lábios se encontraram pouco antes de “Pearl Harbor” ser bombardeada pelos japoneses. E os faroestes? Garry Cooper saía do “Saloon”, montava em seu cavalo e desaparecia nas savanas americanas. E o duelo entre o bandido e o mocinho na rua deserta do povoado Rolos de capim, rodopiavam ao sabor do vento, os espectadores num silêncio absoluto, aguardando o tiro mortal, quando um gaiato gritou: Êta São João da Ponte! A platéia veio abaixo na risada, pois foi numa época de brigas e tiroteios na vizinha cidade. O gordoe o magro faziam rir ao lado dos Três Patetas e Cantiflas. O público juvenil vibrava com John Wayne , Charles Starret, Roy Rogers, Randoeph Scott, batendo os pés e gritando: É isso aí, dá-lhe uma direita! Os seriados Nioka, Flash Gordon, A Deusa de Joba eram o melhor da matinê. Ai de quem procedesse mal durante a semana, o castigo era perder a matinê.
No cine Cel. Ribeiro, passava às sextas-feiras a sessão das 22 horas. Eram filmes proibidos para menores de 18 anos. A maioria dos filmes eram franceses. Resolvemos assistir “Les Amants” com Michele Morgan ou seria Martine Carol? Coração disparado, maquiagem mais carregada, lá fomos nós. Cinema lotado de casais, homens e rapazes. Uma de nós, lembrou de Altininho que era comissário de menores, e, se ele aparecesse e pedisse a carteirinha, seria o vexame. O filme começa em preto e branco, nós discretamente na última fila, assombradas com o filme e a nossa ousadia em assistí-lo. Já quase no final ficamos próximas à cortina e assim que o FIM apareceu, saímos em desabalada carreira, rua Camilo Prates abaixo, quase meia-noite, e pé-ante-pé, chegamos em casa. Graças a Deus nossas mães não desconfiaram e foi a primeira e última vez que, aos dezesseis anos não respeitamos a censura. Hoje, “Les Amants” passaria tranqüilamente em qualquer sessão da tarde.
Bons tempos! Filmes mexicanos e seus dramas, o neo-realismo italiano, a “nouvelle-vague”, francesa engatinhando.
Vivíamos cinematograficamente amando William Holden, Rock Hudson, James Dean, Tyrone Power, Gary Grant e invejando Elizabeth Taylor, Vivam Leight, Kim Novak, Deborah Kerr, Jeniffer Jones. Ingênua geração que através da era de ouro de Hollywood viveu os sonhos mais lindos de sua juventude. Despreparadas para o mundo que nos esperava, fomos a geração sanduíche imprensada sob o rigor vitoriano de nossas famílias e a abertura dos anos 70, onde a liberdade extrapolou para a liberalidade dos costumes e tempos novos surgiram.

Carmen Netto



18210
Por Carmen Netto - 8/11/2006 15:15:33
Memória olfativa de Montes Claros

As ruas, praças e becos de Montes Claros sempre tiveram cheiros peculiares, cheiros do passado que nos visitam em sonhos e dizem presentes ao chamado da saudade. Aromas eternos.
Saindo para a escola na manhã ensolarada, começava todo um itinerário aromático. Primeiro era o cheiro das “Padaria Brasil” e “Santo Antônio”, assando fornadas e fornadas do pão de sal, inundando a vizinhança com o odor delicioso de pão novo.
O próximo aroma vinha da torrefação do “Café Indiano” e do “Café Primor” nas ruas Cel. Prates e Viúva Francisco Ribeiro. A esse paraíso olfativo, seguiam ondas de odor fétido das matérias primas usadas pelo “Curtume Montes Claros” na industrialização do couro. O mau cheiro ia desaparecendo no corredor do Melo, cujos estábulos e árvores – frondosas mangueiras – principalmente davam a impressão de mergulhar numa fazenda.
Das residências da cidade, a maioria com jardins onde vicejavam roseiras, cravos, dálias, surgia o cheiro de calda de açúcar, da carne assando, do bolo no forno, da baunilha, do cravo e da canela...
Ao passar na porta da Farmácia de seu Mário Veloso sentia o cheiro de álcool, do éter e iodo lembrando machucados e dores.
Subindo a avenida Francisco Sá em direção a Estação da Estrada de Ferro Central do Brasil, sentia-se uma mistura do perfume de eucalipto e fumaça dos trens de ferro a vapor, com lenha queimada ou carvão mineral.
As carroças que rodavam em suas ruas espalhavam o cheiro do suor do animal, às vezes acrescidos de excrementos deixados pelos burros ou cavalos. Os carros de boi, na sua cantoria deixavam escapar o cheiro de lenha recém –cortada.
Sábado, é dia de feira. No mercado municipal, centenas de odores se misturam, deixando no ar um perfume inesquecível; carne de sol, beijús, farinha de mandioca, milho tenro na espiga, cominho e coentro moídos na hora, casca de laranja-da-terra prontinha para virar doce. Tudo isso, mais cajás-mangas, pañas, jambo, murici, verduras e legumes frescos ainda molhados de orvalho. Caldo de cana, queijos, requeijões, cachaça, rapadura e todos os aromas do sertão.
À partir de novembro, o cheiro do pequi, fruto-rei do cerrado invade a cidade com seu perfume intenso e amarelo vibrante.
As primeiras chuvas batendo no telhado e na terra poeirentas, emanavam o perfume acolhedor de terra molhada, enchendo de esperança ô coração do sertanejo.
A noite chegava devagar e o jardim da praça Dr. Chaves era uma festa de odores, aromas e fragrâncias. O ar cheirando a jasmim, manacá e dama da noite.
Na rua Simeão Ribeiro o cheiro de pipoca na porta do Cine São Luiz, e , ao lado no Café de Zim Prates, o cheiro do biscoito de farinha, feito por Dona Pretinha – o melhor que já comi na vida – e hoje ainda existe pelas mãos abençoadas de Nazaré Prates.
No “footing” da Rua 15, os perfumes L’emant, Lorigan, Promessa, Flor de maçã, Miss France, Madera do Oriente, se misturavam aos cheiros de Brilhantina Coty, Gostora e sabonete Libeboy dos rapazes. Perfumes singelos, sedutores exóticos, eróticos...
Paisagem, aromas, odores, sons e cores foram um pano de fundo de minhas vivências, e os invoco em minhas solidões. Eles me fazem companhia, principalmente quando sinto o mundo amedrontado, dolorido, em pânico. Nasce então uma saudade imensa do tempo que passou, da vida simples, do tempo que Montes Claros tinha “alma de aldeã”.
Os odores naturais foram sendo substituídos pelas substâncias industrializadas. As padarias continuam até hoje a marcar território. O cheiro de pão novo aquece a alma e agrada o estômago, mas os carros e os ônibus criam barreiras contra os cheiros das cidades.
Volto a tempos tão distantes e diferentes. Aspiro no ar diáfano todos esses aromas embriagadores. O coração bate mais forte. Arrebatamento. E isso, tem o nome de saudade...



18078
Por Carmen Netto - 1/11/2006 23:56:04
Reflexão Num Dia de Finados

Hoje é finados. O dia amanheceu nublado, mas a chuva abençoada abrandou o calor. Estou vivendo um daqueles momentos únicos em que, merecidamente, posso dedicar-me mais a mim mesmo. Talvez pela primeira vez na vida.
No aconchego do meu lar, escuto a voz e o violão de Toquinho.Não sei porque a música me leva a Carlos Drumond de Andrade e lembrei-me do que ele escreveu numa crônica que fala desses dias preciosos em que todos saem e a gente fica sozinha dentro de casa. Ele toma o cuidado de não fazer nada que possa atrapalhar o convívio com a alma muda, mas sensível às coisas.
“Neste instante de reflexão, percebi que posso abrir minha luz aprisionada, como acontece com as flores e os pássaros, e recorrer à memória do amor”. A gente ama com a alma e sinto a presença dos meus entes queridos que já partiram.
Não gosto de cemitérios, presto minha homenagem de gratidão pelas suas existências nesse momento de nostalgia e devaneio.Mas é uma nostalgia boa, porque a lembrança de pessoas queridas não é triste nem amarga, é uma saudade abençoada.
Uma luz dourada me envolveu e resgatei lá do fundo uma sensação de encantamento e gratidão por meus avós, meus pais. Graças a eles, estou aqui vivendo este momento de plenitude, aquele clássico estado de espírito que posso definir como uma leveza, como “prestes a voar”...
Minha veneração é meu agradecimento por terem me inculcado valores que nortearam a minha vida para o “SER”, este não se perde e me faz valorizar cada vez mais a vida.
Olhei distraída para o céu. O sol reapareceu brilhando na manhã lavada da chuva. Como no filme “sonhos” de Kurosava, realidade e fantasia se misturaram e integrei-me, livre da materialidade e da temporalidade, com todas as pessoas queridas que já se “encantaram” como tão bem disse Guimarães Rosa. O dia de finados se revestiu de beleza e paz, “aprender a morrer é aprender a viver”.




17942
Por Carmen Netto - 25/10/2006 19:20:27
Saí de Montes Claros há mais de 44 anos.Sou filha do Prof. João de Freitas Netto e Maria Aparecida Dias Netto. Minha mãe trabalhou no Correio quando seu pai administrava essa repartição. Lembro-me de D. Laura sua avó,que fazia a mais deliciosa geléia de mocotó da cidade. Mamãe era conhecida de D. Dorzinha e eramos clientes do laboratório de análises clinicas do competente Dr.Geraldo Guimarães,se não me engano,seu tio. Tudo isto é história e faz parte de nossas vidas.Abraços montes-clarenses.


17910
Por Carmen Netto - 24/10/2006 14:58:08
Colégio Diocesano

Tudo que eu não quero perder são as lembranças da juventude. Quantas recordações do meu tempo de estudante! Foram tantos sorrisos, tantas palavras que ficaram na memória... Dos professores, a saudade, da escola, experiências enriquecedoras que se gravaram na fronteira da memória e da alma.
O Colégio Diocesano Nossa Senhora Aparecida substituiu o Ginásio Municipal. Apesar de ser da Mitra Diocesana era uma escola considerada muito diferente de suas congêneres. Era uma escola preocupada em formar pessoas para pensar, para sentir, para falar e fazer a diferença na sociedade.
Tudo isso vem à tona ao achar uma fotografia em preto e branco que o tempo tornou levemente amarelada, de um parada de 7 de Setembro, onde, usando uniforme de gala – vestido de seda “Patou”, saia pregueada, gola marinheiro, boina azul marinho, sapatos pretos e meia cor da pele – íamos desfilar pelas principais ruas da cidade. Era um momento especial pra paquerar a rapaziada do colégio, que ficava mais bonita em seus uniformes de gala.
No dia-a-dia, usávamos o uniforme composto de saia pregueada – que ficava sempre debaixo do colchão para não abrir as pregas – blusa de tricoline com uma gravatinha onde listras azul-marinho indicavam a série que cursávamos. Cinturas apertadas por cintos largos de látex, caras lavadas, só um batonzinho para alegrar, e rabo de cavalo.
Por onde andará aquela juventude? Perdida num passado que eu gostaria de reviver.
Lembrar das aulas maravilhosas de Pedro Sant’Ana onde apaixonamos pela História Geral, do prof. Belisário, sósia de Castro Alves que levava as alunas a recitarem “O Navio Negreiro” e “Vozes D’ África”; aulas de trabalhos manuais, onde aprendíamos a bordar, economia doméstica onde fazíamos um lindo caderno-roteiro para administrar o lar. As aulas de Geografia com Maria Inês Versiani despertavam vontade de conhecer lugares e correr o mundo, Francês com o Padre Agostinho Beckauser, bravo até não poder mais, que nos deu ótima base da língua francesa; Português com o Pe. Vicente Aguiar, na terrível gramática “FTD”, análises de Camões e redações. As aulas de latim com monsenhor Osmar de Novaes Lima eram encantadoras. Estudamos a vida de Roma na coleção “Ludus Primus”.
Mas... a matemática me perseguia com seu mecanismo implacável. Seus teoremas me pareciam armadilhas preparadas com malícia e aqueles problemas das caixas d’água eram de matar qualquer mortal.
Apesar da disciplina austera – o colégio era misto – existiam atividades integradas como o Grêmio Lítero-Esportivo, onde os alunos apresentavam números musicais, poesias, discursos, acredito que foi a primeira tribuna de todos nós. Por favlar em austeridade, lembrei-me de um castigo recebido. Faltou um professor. Não tendo substituto, ficamos à vontade. Resolvemos fazer um desfile para ver quem tinha as pernas mais bonitas. A algazarra atraiu o Padre Agostinho exatamente na minha hora. Ele perdeu o controle. E suspendeu toda a classe e deu como castigo escrever quinhentas vezes: “Devo proceder bem na sala de aula”. Foi uma escorregadela da pedagogia, fizemos calo nos dedos, mas valeu a brincadeira!
Às 17 horas soava a campainha que nos libertava das quatro aulas, para o jogo de voley. Num campo de terra batida, disputávamos várias partidas com aquela bola de capota branca, que tornava o jogo sensacional. Ou então, íamos ver os rapazes jogarem futebol, onde com um sorriso franco e um jeitinho encantador fazíamos daquele local, espaço para conversar com o colegas e viver ocasionais romances, numa doce intimidade de mãos dadas.
Vivíamos enquadradas às normas daqueles tempos, mas de vez em quando, matávamos aulas. Saíamos em grupo, num alarido tão estridente quanto um bando de pássaros, rumo à Praça Dr. Carlos, onde sentadas em seus bancos, comíamos as guloseimas que o mercado sempre oferecia. Ali, entre pipocas, quebra-queixo e roletes de cana, conversávamos sobre nossos projetos, nossos sonhos. Foram momentos bons e bonitos que vivemos irmandadas pela amizade que se consolidava a cada encontro diário, naquele prédio acolhedor.
O Colégio Diocesano foi um marco em minha vida, era uma complementação da minha família. Os professores não ficavam só no ensino das disciplinas – iam além – educavam.
Hoje, existem jovens em outras roupagens, em outros tons, em outros sonos e em outros visuais. A própria Montes Claros continua jovem, progressista, universitária, efervescente de cultura e palco de outra história, onde os personagens serão sempre os mesmos, só muda as circunstâncias.


17501
Por Carmen Netto - 11/10/2006 15:42:14
Como a avenida Cel. Prates está na moda em Montes Claros, envio a crônica sobre a Igrejinha do Rosário da minha infância e adolescência.

A missa das 8hs, na Igrejinha do Rosário


Gosto de escrever sobre o lado humano da vida. Falar de pessoas, cheiros, sons e lembranças numa linguagem lírica que não resvala em momento algum para o piegas.Será que ser saudosista é defeito? Acredito que não. Abençoado daquele que tem uma infância e uma juventude feliz para contar.
Assim como “Proust”, tecia a malha de suas lembranças captando aqui um rosto, ali um perfume, uma cor, mais além uma reflexão de voz, no meu modesto tear também gosto de reviver o acontecido, bulir em águas paradas, abrir quartos fechados...
Muitos se foram, outros chegaram. As cidades são vivas. Estão em constante movimento. Os anos cinqüenta marcaram uma época romântica da história de Montes Claros. Entre o “footing” na Rua 15 e sessões de cinema, entre conversas no Café de Zim Bolão e horas dançantes no Clube Montes Claros, a vida seguia alegre e despreocupada.
Um dos locais onde as pessoas se encontravam para rezar era a Igrejinha do Rosário, na missa das 8hs. Naquela igrejinha de uma cidade encantada e amada, a que deram o nome de Montes Claros, percebi que aquelas pessoas que assistiam a missa eram como uma família se mantinham unidas pelos laços do coração. Em seu estilo colonial despojado, possuía uma nave central e em cada lado uma meia água. O campanário com o sino ficava na entrada principal. Domingo sem missa, não é domingo. A igreja enfeitada com flores naturais, a luz no altar refletindo nos arabescos dourados. Adentrando pela lateral direita ficava o reduto das mulheres e crianças, do lado esquerdo ficavam os homens e na nave as famílias em seus genuflexórios. Eu fazia parte da equipe da coleta. Era uma disputa. Todas queríamos fazer a coleta no lado masculino, pois a féria era infinitamente maior. Esse dinheiro era entregue às irmãs Lili, Iraci e Ana, conhecidas como trigêmeas, pois vestiam-se de maneira idêntica e com o maior esmero administravam a igreja.
O que eu menos fazia durante a missa era rezar. Observava tudo e todos. Estou vendo Carlotinha Versiani dos Anjos entrar em sua cama sobre rodas, acompanhada de Maria, na feliz expectativa de receber a comunhão. Neste setor ficavam também minha tia Teresa Dias, Oraide Novais e Lourdes Antunes Pimenta. Bonitas em seus vestidos de linho, discretamente maquiadas, sapatos Anabela, meias de seda, verdadeiras “ladies”. No lado masculino, entre os chefes das mais tradicionais famílias da cidade, o Cel. João Maia sentava em sua cadeira de balanço, vestido sempre de terno preto, cabelos e barba brancos, como um patriarca saindo do velho testamento em atitude de meditação. Os rapazes mais jovens assistiam a missa do lado de fora da igreja e aproveitavam para lançar olhares lânguidos às mocinhas. Na nave central, lembro-me das moças da família Rebello: discretas, educadíssimas e contritas. Encantava-me Dália Correia Machado, contrastando seus cabelos pretíssimos e sedosos com o batom vermelho vivo, sempre acompanhada de Teresinha Tupinambá e D. Bela Costa, exemplos de elegância clássica. Mais ao lado, vejo Alicinha Maia, lourinha, parecendo uma “teen-age” dos filmes água com açúcar da Metro.
Mas, a minha admiração era Dona Vidinha Pires vestida severamente: saia preta e blusa branca, com bolinhas ou estampados pretos. Sobre a blusa a Medalha Milagrosa de Nossa Senhora das Graças. No rosto uma leve camada de pó de arroz. Usava um maravilhoso anel de diamante, que, ao contato com alguns raios de sol, refletia pontos dourados no altar lateral. Mais que a beleza do anel, me impressionava o fato de ela usá-lo no dedo indicador, naquela época as senhoras usavam anéis apenas no dedo anular.
Vai começar a missa. A liturgia em latim, o cheiro do incenso, a música do harmônio criavam a atmosfera do mistério que envolve o sagrado. Padre Marcos, belga, de sotaque carregado, descrevia nos sermões os horrores do purgatório e do inferno. Depois foi substituído pelo Padre Quirino. Tão ameno! Tão bonito! Ele se parecia demais com o ator Gregory Peck naquele filme “As chaves do Reino”.
“Ite missa est”_ “Deo Gracias” respondiam os coroinhas. Na saída da igreja as famílias se cumprimentavam, combinavam o programa da noite. Em casa nos esperava o ajantarado de domingo: a deliciosa macarronada, o arroz de forno, tutu com lingüiça, frango assado e a cerveja preta Malzebier. Ah, esqueci: mil sobremesas a escolher.
Tinha vida melhor?


17369
Por Carmen Netto - 6/10/2006 15:09:55
Esta crônica é dedicada ao casal José Lopes de Aguiar e Maria Anita de Aguiar Lopes.

Manoel Quatrocentos.

Ao ver a fotografia de Manuel Quatrocentos na seção “Memória” do Jornal de Noticias de 23-08-03 uma onda de ternura tomou conta do meu coração. Chamava-se Manoel Nunes da Silva. Não sei porque ganhou a alcunha de “quatrocentos” e faz parte da mitologia da cidade. Vivia com uma indescritível liberdade de nada possuir, bastava-lhe o dia e a noite, o machado de cortar lenha e o cinema.
De compleição atarracada, cabelos sempre emplastados de brilhantina, sobrancelhas cheias, olhos verdes cor de folha seca, nariz abatatado, boca grande, dentes pequenos e certos com diastema, trazia nos lábios um sorriso constante: Era alegre e comunicativo, a não ser que o irritassem.
Na pele curtida pelo sol do sertão a varíola deixou sua marca.
Viveu numa época pré-fogões a gás, numa cidade onde existiam casas com fumaça saindo da chaminé, gato no borralho, carroções de lenha cortando suas ruas. A profissão de lenhador era imprescindível e, entre os lenhadores Manoel Quatrocentos era dos melhores, senão o melhor! Empunhava o machado elegantemente apoiado no ombro, qual uma baioneta, era seu orgulho.
Manoel era bem recebido nas residências da cidade pela delicadeza do seu modo de ser. Aliado ao uniforme de trabalho – blusa de malha, calça de brim, sapatos “a la Carlitos”, e o inseparável chapéu de palha – o sorriso de gato: sutil, indecifrável, indefinível.
Punha-se a trabalhar e logo era rodeado pelas crianças da casa, que riam com suas brincadeiras inocentes. Ficava amigo das empregadas domésticas, jogava charme para todas elas, as patroas ficavam de orelha em pé, mas Manoel era um cavalheiro.
À noite, com luar ou sem luar, com calor ou frio, ou mesmo chuva, lá estava nosso amigo a porta de um dos cinemas da cidade. Tinha cadeira cativa em todos eles. Havia uma metamorfose em sua aparência. Banho tomado, vestia um terno cor de burro fugido, gravata vermelha, cabelos englostorados, usando perfume “Royal Briar” e um anel de latão esperava o início da sessão. Se era no Cine São Luiz, ficava no famoso café de Zim, proseando com a nata da sociedade que fazia daquele tradicional café, seu ponto de encontro. Também aos domingos, usando o mesmo terno, cantava no programa de calouros da rádio ZYD-7. O auditório dava a maior força e Manoel com sua ingênua simplicidade vivia seus quinze minutos de fama.
Outro aspecto de sua personalidade chamava a atenção. Criou uma língua “sui generis” com palavras em espanhol, ingles ou francês. No seu vocabulário “muchachos, Good bye, au revoir, yes, adios” se misturavam ao português e a outras palavras que inventava – uma em especial – “olalaite” que usava em todas as frases.
Gostava de enganar as pessoas, com as famosas “ferradas”. Ficava olhando para o céu, chegando alguém dizia sério: Olha um disco voador!
___ Onde Manoel?
A pessoa punha a procurar e depois de algum tempo, lá vinha a risada e dizia:
Te ferrei! E saía de mansinho com seu passo de gato...
Manoel Quatrocentos espairecia a alegria de estar no mundo apesar de fazer parte do clã dos humilhados e ofendidos, era um mestre a levar nos braços fortalecidos pelo uso do machado, toneladas de sonho e esperança.
Ficou incorporado ao patrimônio afetivo da cidade, virou nome de praça, a dos morrinhos – mas segundo o jornal, parece que o nome não emplacou.
Acabaram-se os quintais, os carros de boi, os fogões à lenha, o vento levou o tempo... A vida só conta histórias dos vencedores. Manoel Quatrocentos a seu modo foi um vencedor. Minha geração não o esqueceu e se lembrará dele com seu terno cor de burro fugido, roto, amarrotado, mas conservando a honradez e a dignidade de quem o vestiu Manoel Quatrocentos, Manoel Sonhador, Manoel o audaz.




Selecione o Cronista abaixo:
Avay Miranda
Iara Tribuzi
Iara Tribuzzi
Ivana Ferrante Rebello
José Ponciano Neto
Manoel Hygino
Afonso Cláudio
Alberto Sena
Augusto Vieira
Avay Miranda
Carmen Netto
Dário Cotrim
Dário Teixeira Cotrim
Davidson Caldeira
Edes Barbosa
Efemérides - Nelson Vianna
Enoque Alves
Flavio Pinto
Genival Tourinho
Gustavo Mameluque
Haroldo Lívio
Haroldo Santos
Haroldo Tourinho Filho
Hoje em Dia
Iara Tribuzzi
Isaías
Isaias Caldeira
Isaías Caldeira Brant
Isaías Caldeira Veloso
Isaías veloso
Ivana Rebello
João Carlos Sobreira
Jorge Silveira
José Ponciano Neto
José Prates
Luiz Cunha Ortiga
Luiz de Paula
Manoel Hygino
Marcelo Eduardo Freitas
Marden Carvalho
Maria Luiza Silveira Teles
Maria Ribeiro Pires
Mário Genival Tourinho
montesclaros.com
Oswaldo Antunes
Paulo Braga
Paulo Narciso
Petronio Braz
Raphael Reys
Raquel Chaves
Roberto Elísio
Ruth Tupinambá
Saulo
Ucho Ribeiro
Virginia de Paula
Waldyr Senna
Walter Abreu
Wanderlino Arruda
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Yvonne Silveira