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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 22 de dezembro de 2024
 

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Mensagem: Konstantin Christoff, o Mestre Ruth Tupinambá Graça Nossa cidade está de luto, mas luto não é o bastante para demonstrar a extensão do que perdemos. Seus amigos se expressam através dos Jornais, Internet, mas não existem palavras que possam traduzir o que todos nós montesclarenses sentimos. Mas o melhor mesmo é falar sobre o Konstantin como uma compensação, uma lembrança... Eu o conheci ainda criança e quero mostrar as facetas desta fase, ao lado do pai, e que muita gente desconhece. 1926... Montes Claros era uma cidade pequena e pobre, triste e escura e poeirenta. Carros de bois chiando nos cocões, sulcando as ruas estreitas e esburacadas deixando atrás de si os sinuosos rastos e seu lamurioso som. Tudo era simples e simples também era a vida daquela gente. Um dia surgiu nesta cidade, não sei como, para a surpresa de todos um homem que chamava a atenção de todos, um tipo diferente e inesquecível. Usava roupas grossas de lã, cachecol de cores alegres aconchegado ao pescoço, característica de quem viveu sempre em clima frio, grande cachimbo no canto da boca, fala enrolada com sotaque acentuado. Ele era para a admiração de todos, um estrangeiro e se chamava Christoff. Forte bonachão, olhos azuis e tranqüilos brilhando num rosto excessivamente corado, era o tipo do estrangeiro acostumado a vida dura do após guerra. Aqui chegou, aqui viveu longos anos conquistando a cidade e sua gente. Todos o conheciam e chamavam-no de Cristo para menor esforço. Eu me lembro, era de manhãzinha ele surgia na esquina da Rua Dona Eva com Cel. Celestino (onde eu morava na primeira casa de Montes Claros), vindo dos lados da antiga ponte do Rio Vieira. O “troc - troc” dos seus tamancos grosseiros retumbavam nas ruas calçadas à “PE de moleque”. E como era másculo! Dava gosto vê-lo com seus braços fortes sustentando duas enormes cestas rústicas cheias de verduras. De porta em porta, sua voz se ouvia arrastando Oe “erres”no seu sotaque característico: _ Verdurêrro chigou _Verdurrêro chigou... Beterrabas, cenouras, couve flor, berinjela, nabos, rabanetes, tomates graúdos, tudo num colorido maravilhoso ele nos oferecia. Suas grandes mãos calosas e mal tratadas, retrato da grande luta entre os adubos e ferramentas iam com agilidade colocando as variedades nos pratos da balancinha de mão, suspensos por finas correntes. Aquilo era uma grande novidade em nossa cidade O colorido das verduras extasiava-me e a curiosidade, própria da minha idade impelia-me e com os tostões apertados na pequenina mão eu aguardava, todos os dias, a passagem do cristo. Foi ele quem nos ensinou a comer aquelas especiarias em verduras que até então desconhecíamos. Nós na nossa simplicidade, longe da civilização com tanta dificuldade de transporte (tirando o feijão de tropeiro e a carne de sol, o frango caipira) nosso “menu” era o que plantávamos nos quintais: abobora, quiabo, chuchu, maxixe, batata, jiló, couve, alface, pepino, tomatinho de horta, etc... Milhares de vezes com sua voz enrolada, pacientemente nos ensinava como preparar prepará-las, salientando suas vantagens alimentícias para o organismo, nunca se esquecendo de um bom azeite nas suas receitas. Foi ele quem descobriu o baixio da Fazenda Pequi (propriedade do João Mauricio, pai do Mauricinho) arrendou um pedaço e lá se instalou com a sua família adivinhando que a terra era boa e abençoada. Lá ele plantou e colheu o futuro da sua família. Manhã fria, uma chuvinha impertinente castigava a cidade que ainda dormia. O atoleiro lá para as bandas do “Pai João”era um impe cilho uma ameaça menos para Christoff que vinha religiosamente,cumprindo a sua tarefa de alimentar a nossa cidade. A principio recusavam mesmo porque não estavam acostumados com tais especiarias mas pacientemente ele foi insistindo e com a facilidade da oferta o milagre aconteceu. A situação melhorou bastante. Os anos foram passando. A cidade foi crescendo, e seu comercio progrediu. Já não precisava andar pelas ruas com as enormes cestas. Eu o via agora, passar dirigindo sua carroça e a seu lado dois garotos: Konstantin e Raio, louros fortes e bonitos com os livros apertados em baixo dos braços, enquanto a carroça se balançava sobre as pedras irregulares, lá se iam os três muito alegres para casa após a luta diária do mercado. Christoff estava feliz. Tinha agora uma “banca” no mercado, a melhor, mais bonita e mais sortida. Era procurado e respeitado por todos. Era enérgico e os dois garotos já taludinhos ajudavam o pai nos intervalos das aulas. O negocio ia de “vento em popa”, enriqueceu. Entretanto o dinheiro não o deslumbrou. Continuou na mesma rotina, morando no mesmo lugar, no mesmo barracão simples com sua família, exemplo de coragem, persistência, perseverança e, sobretudo amor: amor pelo trabalho, amor a família, amor a nossa terra. Castigado pelos horrores de um pais em guerra, perseguido pelos inimigos, na luta pela sobre vivência forçado a deixar sua própria terra imigrando-se com a família. Mas ele não se deixou abater pelo sofrimento e injustiça. Christoff escolheu Montes Claros e aqui se radicou com sua família. Ele não foi simplesmente um verdureiro que se enriqueceu com seu trabalho, foi um cidadão Búlgaro, montesclarense de coração, dedicado á terra que ele adotou. Era um homem de visão e queria o melhor para seus filhos, uma profissão menos árdua. Já velho mudou-se para Belo Horizonte quando os filhos foram fazer faculdade deixando uma grande lacuna na nossa sociedade. Seu sonho se realizou. Para sua alegria seus filhos se formaram, sem obstáculos e rapidamente. O velho Christoff foi um espelho no qual os seus filhos puderam se mirar com muito orgulho. Tal pai, tal filho! Terminando os estudos, (como o filho pródigo) o nosso querido médico deixou a Capital voltando para Montes Claros que ele como seu pai, aprendera amar. Aqui chegando, rico, bonito, ”anel do dedo” foi extremamente assediado. As donzelas da nossa terra queriam aquele “Príncipe Encantado”... mas ele escolheu a Yêde que foi o seu grande amor, a dedicada mãe dos seus filhos a amorosa companheira e sua eterna Musa.Sua vida foi um livro aberto para todos que o procuravam. Médico por excelência cuja competência, inteligência e caridade, com braços fortes amparou a Santa Casa ao lado da incansável Yrmã Beata salvando milhares de vidas!... Era na realidade um MESTRE. Mais tarde dando azas a sua inteligência, imaginação e criatividade qualidades inatas, dedicou-se ás Artes na pintura, , desenho e escultura. Foi o ícone da nossa terra, projetando-a em todo o Brasil e no exterior. Hoje o perdemos, mas jamais será esquecido e tenho a certeza de que lá no céu ele foi recebido com muitas bênçãos e músicas, ao lado de seus pais, filho, irmão numa recompensa pelo bem que semeou na terra. (N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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