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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 12 de maio de 2024
 

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Mensagem: Picada de Escorpião Alberto Sena A casa era aquela mesma, Rua Marechal Deodoro, atrás da Praça de Esportes, em Montes Claros. Escreve-me a prima Berenice (Nice) Fialho Vasconcelos. Ela tinha 15 anos e eu apenas três anos, e como todo menino dessa idade, precisava ser mantido sob vigilância, mesmo sendo o quintal grande e cheio de árvores frutíferas, era prudente ficar de olho porque ao menor descuido podia acontecer uma arte. Nice é filha do tio Abel, irmão de mãe, com Maria Fialho, que nós tínhamos também na conta de tia e lhe beijávamos a mão pedindo bênção, quando íamos a casa dela, ali pelas bandas do Melo, região onde havia (será que ainda há resquícios?) um rio. Mas antes, muito antes disso, Nice e a família moravam em São João da Ponte. Volta e meia ela passava uma temporada lá em casa e recebia a incumbência de tomar conta de mim. Tanto tempo depois, ela se recorda que numa vez ‘você foi picado de escorpião e chorou feito um condenado’ e ela tentava me consolar. Mas essa passagem nunca constou do meu livro de vida e então fiquei pensando: de duas, uma, ou o episódio se apagou da minha memória ou Nice se enganara. Escarafunchei a querida memória, amiga de todos os momentos e da minha vida inteira, e cheguei à seguinte conclusão: de fato Nice se enganara. Nunca fui picado de escorpião. Lá em casa, o único que foi picado duas vezes foi o meu irmão Zé Venâncio, aquele da Lavanderia Asteca. Recentemente, tive a oportunidade de tirar isto a limpo, quando da minha estada em Montes Claros para ‘buscar fogo’. Fora mesmo o meu irmão duas vezes vítima de escorpião. A confirmação veio da própria boca dele. Com um detalhe: no tempo em que picada de escorpião matava mesmo. Zé é então sobrevivente, resistente à picada do bicho. Pelo que me lembro, Nice tomava conta de mim direitinho. Nada tenho a reclamar, mais de meio século depois. Até banho ela me dava, em bacia, e disso eu me lembro muito bem. Na mensagem enviada, a prima confessa o que as mulheres quase de modo geral se recusam a dizer: a idade. Ela está hoje com 73 anos e destranca a caixa de recordações. Nice agora se vê no tanque, no quintal da casa da Rua Marechal Deodoro, juntamente com a minha irmã Ladinha, lavando as panelas e a louça do almoço. ‘Ladinha reclamava, com lágrimas nos olhos, da braveza do tio Zé Bitaca’, Nice lembra. Como lembra também de que a minha mãe fumava. Não esse cigarro comum, nem cachimbo e muito menos charuto. Mãe fumava folha de zabumba, que na época diziam ser boa para combater asma. Ela era asmática, e quando lhe davam as crises, era um sofrimento para toda a família. A respiração ficava difícil e a nossa impressão era de que mãe ia morrer a qualquer momento. Mas ainda assim, ela viveu 73 anos e não morreu de asma. Nice se lembra também de que meu pai gostava de fazer bolos. Eram deliciosos. Ela aprendeu a fazer bolo com ele. Até hoje, Nice faz bolo do jeitinho que meu pai fazia. E toda vez que faz ela se recorda dele, mesmo sabendo que ele era bravo. Era bravo, mas por trás daquilo tudo, no peito batia um bom coração cheio de preocupação com os filhos: onze, sendo seis mulheres e cinco homens. Ao escrever agora sobre isto, me lembro de uma mensagem do governo de Minas interpretada pelo cantor Zezé Di Camargo, em que ele diz: ‘um pai cuida de dez filhos, mas dez filhos não cuidam de um pai’. No dia em que vi e ouvi esta mensagem, fiquei pensando: ‘se meus pais fossem vivos, será que eu e os meus dez irmãos (um, Miguel, morreu com menos de um ano de nascido) estaríamos cuidando deles?’ Fiz a indagação a mim mesmo porque a essa altura do campeonato, de tanto ver exemplos beirando o absurdo, a experiência nos diz que chega um momento em que o ser humano mais velho corre o risco de se tonar um estorvo. Isto é muito triste. Respeito aos mais velhos é preciso. Pelo que são; pelo que foram e pela situação em que se encontram aqueles que não têm mais autonomia de voo. Enfim, vem-me uma conclusão: da vida, nós recebemos de troco aquilo que fazemos de bom ou de ruim. Quem não honra pai e mãe; quem não respeita os mais velhos e as pessoas de modo geral, age feito escorpião. Chega uma hora que o bicho, pertencente à família dos aracnídeos, pica a si mesmo. Morre sob o efeito do próprio veneno.

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